ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.10.19

VILA ITORORÓ


TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO VILA ITORORÓ: UMA HISTÓRIA EM TRÊS ATOS, DE SARAH FELDMAN E ANA CASTRO, PUBLICADO PELO INSTITUTO PEDRA EM 2017, QUE PODE SER ACESSADO EM PDF CLICANDO AQUI.  FOTOS DO EDITOR DO BLOG. VISITAS GUIADAS PARTEM DO CENTRO CULTURAL, NA RUA PEDROSO, 238, DE QUINTA A DOMINGO ÀS 16 HORAS. MAIS INFORMAÇÕES SOBRE AS VISITAS AQUI.


Na São Paulo que se construía e reconstruía em ritmo acelerado, a produção de moradias assegurava um retorno garantido para aqueles que conseguiam juntar um pequeno excedente. Renques de casas geminadas térreas de porão alto ou sobrados iam desenhando os bairros centrais e os bairros operários, seguindo as linhas férreas e as várzeas do Tietê e do Tamanduateí. Novas áreas, novos bairros, novas construções surgiam “da noite para o dia, como uma cidade de encantamento, construída por ciclopes e realizadas pela obra miraculosa de um sonho”, como disse certa feita o poeta modernista Menotti del Picchia, num de seus textos semanais no Correio Paulistano. De 1900 a 1920, o número de prédios quase triplicou, passando de 21.656 para 60 mil, enquanto a população, de cerca de 240 mil habitantes, chegou a quase 600 mil.

Palacete da Vila Itororó 

O palacete nos tempos áureos

Cariátide do antigo Teatro São José

A Vila, assim como a maior parte das construções nesses bairros [Bexiga, Liberdade, Bom Retiro e Pari], é edificada em uma São Paulo onde pelo menos 80% do total de domicílios são alugados. Casas em série, vilas construídas por industriais para seus operários, vilas particulares, casas de cômodos ou simplesmente o aluguel de um imóvel no mesmo lote ou de um quarto dentro de casa estão entre as múltiplas estratégias que moldam as relações entre proprietários e locatários. Se em algumas dessas estratégias – como no caso das vilas operárias – já repercute a ordem espacial e social segmentadora legitimada pelo Código de Posturas de 1886 e pelo Código Sanitário do Estado de São Paulo de 1894, em outras persiste e resiste a contiguidade herdada do período colonial, quando o investimento em imóveis para aluguel também era alternativa segura.

Nem diplomado, nem prático licenciado, no duplo papel de proprietário e construtor, Francisco de Castro combina, na concepção da Vila, sua capacidade criativa, visionária e o desejo de expor o novo status social à possibilidade de auferir renda através do aluguel de moradias. Essa engenhosa conjunção de elementos, em que o útil e o excepcional não se excluem, permitiu-lhe desfrutar de uma vida mundana e estabelecer relações com a elite paulistana, intelectuais, artistas e membros da alta sociedade, que passariam a frequentar o conjunto.

No projeto da Vila, Castro se distancia das soluções que vinham sendo adotadas pelas famílias ligadas à cafeicultura, aos negócios financeiros e imobiliários, e pelos imigrantes enriquecidos. Estes procuravam, desde as últimas décadas do século XIX, isolar-se em bairros ocupados exclusivamente por seus palacetes. Frustra-se a primeira das iniciativas do tipo: a criação de Campos Elíseos – loteado no final da década de 1870 pelos alemães Victor Nothmann e Frederico Glette –, pois não chega a realizar-se plenamente como “um bairro socialmente especializado para as elites”. Só no início dos anos 1890, a avenida Paulista e setores do bairro de Higienópolis surgem como modelos mais bem sucedidos que Castro poderia ter seguido. Mas o arranjo das construções adotado em sua propriedade nega o palacete isolado no lote.

Em um mesmo terreno, Castro constrói, para sua moradia, um grande palacete, ornado por colunas gigantescas e rodeado por um vasto terraço. Circundando a residência principal, em amplas áreas ajardinadas, o paisagismo se vale de terraços no terreno escarpado nos quais se distribuem fontes e esculturas. Na parte mais baixa do terreno, constrói um conjunto de lazer com piscina. Ladeando esse conjunto monumental, distribuem-se pela propriedade renques de casas assobradadas, cujo aluguel lhe forneceria uma renda mensal. O acesso ao conjunto se dava pelas ruas Martiniano de Carvalho, rua Maestro Cardim e pela travessa Arthur Prado, nomeada posteriormente Monsenhor Passalacqua.

Esse padrão remete à velha São Paulo imperial, quando a baronesa de Itapetininga, viúva e casada em segundas núpcias com o barão de Tatuí, podia alugar casinhas na Libero Badaró, antiga zona de meretrício, e morar em um grande casarão ali mesmo, mas de fato se afasta do anseio por bairros exclusivos das elites republicanas já consolidadas naquele início do século XX.

Visita guiada

Cariátide

Parte já restaurada da vila

Já no momento de sua inauguração, em 1922, os ornamentos, assim como alguns dos componentes de construção da Vila, são oriundos de demolições. Esses ornamentos se distribuem também nas amplas áreas ajardinadas do conjunto. Carrancas e outros elementos que pertenceram ao Teatro São José, inaugurado em 1909 no Viaduto do Chá, são incorporados somente após 1924. Nesse ano é assinado um contrato de demolição do teatro com o Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo e Villares S.A., responsável também pela construção da sede da São Paulo Tramway, Light & Power Company Ltd. naquele endereço. O escritório utilizou o entulho no aterramento da área onde seria construído o Mercado Municipal. 

Ornamentos do Teatro São José se misturam com outros de origem não identificada. Vasos, estátuas e estatuetas de ferro fundido, leões e águias de barro, bancos e cadeiras de ferro e cimento, placas de bronze com inscrições de poemas estão entre as dezenas de detalhes decorativos que vão sendo incorporados nas áreas internas, nos limites do terreno e nas edificações, identificando o conjunto da Vila na paisagem urbana. Também em meio aos jardins, além de uma fonte localizada no terreno, com a qual Castro homenageia o Centenário da Independência, alçando-a a “Monumento Comemorativo da Fonte de 1822”, um busto homenagearia o fundador da indústria de tecidos à qual Castro permanece vinculado – comendador Franz Muller, falecido em 1920.

Casas já restauradas

Janela com sacada

Arte no centro cultural

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