TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO VILA ITORORÓ: UMA HISTÓRIA EM TRÊS ATOS, DE SARAH FELDMAN E ANA CASTRO, PUBLICADO PELO INSTITUTO PEDRA EM 2017, QUE PODE SER ACESSADO EM PDF CLICANDO AQUI. FOTOS DO EDITOR DO BLOG. VISITAS GUIADAS PARTEM DO CENTRO CULTURAL, NA RUA PEDROSO, 238, DE QUINTA A DOMINGO ÀS 16 HORAS. MAIS INFORMAÇÕES SOBRE AS VISITAS AQUI.
Na São Paulo que se construía e reconstruía em ritmo acelerado, a produção de moradias assegurava um retorno garantido para aqueles que conseguiam juntar um pequeno excedente. Renques de casas geminadas térreas de porão alto ou sobrados iam desenhando os bairros centrais e os bairros operários, seguindo as linhas férreas e as várzeas do Tietê e do Tamanduateí. Novas áreas, novos bairros, novas construções surgiam “da noite para o dia, como uma cidade de encantamento, construída por ciclopes e realizadas pela obra miraculosa de um sonho”, como disse certa feita o poeta modernista Menotti del Picchia, num de seus textos semanais no Correio Paulistano. De 1900 a 1920, o número de prédios quase triplicou, passando de 21.656 para 60 mil, enquanto a população, de cerca de 240 mil habitantes, chegou a quase 600 mil.
A Vila, assim como a maior parte das construções nesses
bairros [Bexiga, Liberdade, Bom Retiro e Pari], é edificada em uma São Paulo
onde pelo menos 80% do total de domicílios são alugados. Casas em série, vilas
construídas por industriais para seus operários, vilas particulares, casas de
cômodos ou simplesmente o aluguel de um imóvel no mesmo lote ou de um quarto
dentro de casa estão entre as múltiplas estratégias que moldam as relações
entre proprietários e locatários. Se em algumas dessas estratégias – como no
caso das vilas operárias – já repercute a ordem espacial e social segmentadora
legitimada pelo Código de Posturas de 1886 e pelo Código Sanitário do Estado de
São Paulo de 1894, em outras persiste e resiste a contiguidade herdada do
período colonial, quando o investimento em imóveis para aluguel também era
alternativa segura.
Nem diplomado, nem prático licenciado, no duplo papel de
proprietário e construtor, Francisco de Castro combina, na concepção da Vila,
sua capacidade criativa, visionária e o desejo de expor o novo status social à
possibilidade de auferir renda através do aluguel de moradias. Essa engenhosa
conjunção de elementos, em que o útil e o excepcional não se excluem,
permitiu-lhe desfrutar de uma vida mundana e estabelecer relações com a elite
paulistana, intelectuais, artistas e membros da alta sociedade, que passariam a
frequentar o conjunto.
No projeto da Vila, Castro se distancia das soluções que
vinham sendo adotadas pelas famílias ligadas à cafeicultura, aos negócios
financeiros e imobiliários, e pelos imigrantes enriquecidos. Estes procuravam,
desde as últimas décadas do século XIX, isolar-se em bairros ocupados
exclusivamente por seus palacetes. Frustra-se a primeira das iniciativas do
tipo: a criação de Campos Elíseos – loteado no final da década de 1870 pelos
alemães Victor Nothmann e Frederico Glette –, pois não chega a realizar-se
plenamente como “um bairro socialmente especializado para as elites”. Só no
início dos anos 1890, a avenida Paulista e setores do bairro de Higienópolis
surgem como modelos mais bem sucedidos que Castro poderia ter seguido. Mas o
arranjo das construções adotado em sua propriedade nega o palacete isolado no
lote.
Em um mesmo terreno, Castro constrói, para sua moradia, um
grande palacete, ornado por colunas gigantescas e rodeado por um vasto terraço.
Circundando a residência principal, em amplas áreas ajardinadas, o paisagismo
se vale de terraços no terreno escarpado nos quais se distribuem fontes e
esculturas. Na parte mais baixa do terreno, constrói um conjunto de lazer com
piscina. Ladeando esse conjunto monumental, distribuem-se pela propriedade
renques de casas assobradadas, cujo aluguel lhe forneceria uma renda mensal. O
acesso ao conjunto se dava pelas ruas Martiniano de Carvalho, rua Maestro
Cardim e pela travessa Arthur Prado, nomeada posteriormente Monsenhor
Passalacqua.
Esse padrão remete à velha São Paulo imperial, quando a
baronesa de Itapetininga, viúva e casada em segundas núpcias com o barão de
Tatuí, podia alugar casinhas na Libero Badaró, antiga zona de meretrício, e
morar em um grande casarão ali mesmo, mas de fato se afasta do anseio por
bairros exclusivos das elites republicanas já consolidadas naquele início do
século XX.
Já no momento de sua inauguração,
em 1922, os ornamentos, assim como
alguns dos componentes de construção
da Vila, são oriundos de demolições.
Esses ornamentos se distribuem também nas amplas áreas ajardinadas do
conjunto. Carrancas e outros elementos
que pertenceram ao Teatro São José,
inaugurado em 1909 no Viaduto do Chá,
são incorporados somente após 1924.
Nesse ano é assinado um contrato de
demolição do teatro com o Escritório
Técnico Ramos de Azevedo, Severo
e Villares S.A., responsável também
pela construção da sede da São Paulo
Tramway, Light & Power Company Ltd.
naquele endereço. O escritório utilizou
o entulho no aterramento da área onde
seria construído o Mercado Municipal.
Ornamentos do Teatro São José
se misturam com outros de origem
não identificada. Vasos, estátuas e
estatuetas de ferro fundido, leões e
águias de barro, bancos e cadeiras de
ferro e cimento, placas de bronze com
inscrições de poemas estão entre as
dezenas de detalhes decorativos que
vão sendo incorporados nas áreas
internas, nos limites do terreno e nas
edificações, identificando o conjunto
da Vila na paisagem urbana. Também em meio aos jardins, além de
uma fonte localizada no terreno, com
a qual Castro homenageia o Centenário da Independência, alçando-a a
“Monumento Comemorativo da Fonte
de 1822”, um busto homenagearia
o fundador da indústria de tecidos à
qual Castro permanece vinculado –
comendador Franz Muller, falecido em
1920.
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