ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

11.9.19

ZONA NORTE, JABUTICABEIRAS E PIQUENIQUES, de JANE DARCKÊ AVELAR

Paulistana de Perdizes, Jane Darckê Avelar optou por morar no Rio por amor a esta cidade-irmã. Texto escrito especialmente para este blog. Fotos obtidas na Galeria da Saudade, página do Facebook de Klaus Jürgen Mahrenholz que você pode acessar aqui


Uma bela foto da ponte de madeira sobre o rio Tietê em São Paulo. Do outro lado, o Bairro dos Remédios. Citada como sendo em 1968. Acervo Eliana Belo Silva.

Muitos paulistanos nasceram do lado de lá do Rio Tietê, ou seja, do lado de quem vai para o centro da cidade em direção à zona sul. Nós, aqui não. Nascemos do lado de cá, sentido Serra da Cantareira. Como demoravam as coisas para acontecerem deste lado, principalmente nos anos 1940! O bairro de Sant'Anna, o maior da banda de cá, tinha uma dificuldade imensa para a integração com a banda de lá. O rio Tietê transbordava e impedia a passagem. Enormes várzeas eram formadas por conta dessa situação. Pontes existiam, mas eram muito primitivas e a região ficava a mercê do tempo, das chuvas e dos alagamentos, que só foram sanados com a construção de pontes definitivas, mais altas que o rio, com novas técnicas de engenharia, como a Cruzeiro Sul, Ponte Grande, Casa Verde, Limão, Freguesia do Ó, Piqueri etc. 

Uma foto curiosa de 1929 de uma enchente na Rua Voluntários da Pátria, esquina com Dr. César, em Santana, São Paulo. Acervo Ita Castañon.

Ah! Mas coisas boas (e só agora valorizadas) aconteciam por conta deste capricho geográfico e meteorológico: bairros como a Vila Guilherme, Vila Ede, Vila Gustavo, Vila Maria, Parada Inglesa, Santa Teresinha, Santana, Freguesia do Ó, Casa Verde, Bairro do Limão, Pirituba e Jaguaré eram favorecidos pelas vistosas chácaras, onde se desenvolviam os pés de couve manteiga e tronchuda, chicória amarga, escarola, agrião, salsa, cebolinha e pimenta dedo de moça. Essa produção era vendida nas imediações por senhoras geralmente vestidas de preto, usando lenços na cabeça, com carriolas de madeira. Provavelmente, portuguesas viúvas. Outra parte da produção ia para a região do Mercado Municipal, no lombo de burricos. Também havia criação de cabras que produziam leite também vendido de porta em porta; coelhos também eram comercializados, assim como leitões novinhos, galinhas e frangos, que eram vendidos vivos. Haviam também alguns doces em compota, de banana, mamão verde, moranga e laranja amarga (chamavam de laranja cavalo). 

Uma linda foto antiga do Bairro de Santana, zona norte de São Paulo/SP em 1920, até então existiam muitas chácaras. Acervo Folha.

Já ia me esquecendo dos porcos. Eles vendiam a carne cozida em pedaços, em latas mergulhadas na banha e foi aí que nós crianças aprendemos a comer pão com banha de porco e o tal salzinho. Isso era feito por não haver refrigeradores. E acreditem, era prático: a mãe pegava um pedaço da carne da lata, que naturalmente já vinha besuntada com a banha e o feijão semi gordo, estava garantido: era só juntar uma folhinha de louro, alho fritinho e pronto! 

Santana é um dos bairros mais antigos da Zona Norte de São Paulo. Nessa foto antiga temos o dia de festa: regata de inauguração da Ponte das Bandeiras, em 25 de janeiro de 1942. Acervo Clube Esperia.

Agora, vamos às deliciosas bolinhas pretas que ilustram o nosso assunto. Em Santana, próximo ao Cemitério Chora Menino, existe uma rua de nome Copacabana. Hoje, toda feita de espigões luxuosos de 4, 5 até 6 dormitórios e obviamente, muitas vagas de garagem. Essa região era um vale, o que facilitou a edificação, pois faz-se 4 ou 5 subsolos de garagem e ao chegar ao nível da rua, começam os andares para apartamentos. Pois bem,
esses vales eram repletos de jabuticabeiras. Pessoas de outros bairros vinham em busca dessa fruta tão brasileira e apreciada. Era tanta procura que passaram a alugar os pés de jabuticabas. As famílias chegavam com filhos, netos, amigos, os “nonnos” (avós, em italiano) sem esquecerem-se do cachorro. E se apropriavam de um pé carregado e podiam devorá-lo por inteiro, não sem antes estender uma colorida toalha sob a frondosa selecionada. Sobre ela, cestos de vime com duas portinholas e dentro deles: torta de palmito ou frango, sanduichinhos de sardinha em lata com salsinha e naturalmente doces: bolo de fubá ou de mandioca. Guaraná da Brahma para a criançada, Cerveja Antarctica para os homens e Malzbier para as mulheres que estavam amamentando os seus bebês. Pronto! Feita a propaganda, sem querer... 

Uma bela Chácara na Vila Bela Vista em Vila Maria, São Paulo/SP. Foto de 1939. Acervo Hagop Garagem.

Este era um dos domingos paulistanos. Isso mesmo! Um “convescote” ou piquenique. Bons e velhos tempos de uma São Paulo que não existe mais. 

Ida ao mar? Falo depois... Um outro e delicioso assunto...

Um comentário:

Jane Darckê disse...

Que delícia de texto, assim, narrado como num romance... E que fotos sensacionais! Parabéns!
Orgulho em contribuir! Obrigada...