SEGUNDO HELIO BRASIL
Ser CARIOCA não é nascer no Rio. Nem mesmo no Meyer, no Irajá ou nos confins da Barra. É ouvir o zumbido que fazem o fragor de ondas, as risadas e os gemidos dos quatro generosos cantos da paisagem, o Pico da Tijuca, as verdes encostas de um carrancudo jacaré que se amansa em Jacarepaguá. É respirar Leblon, ver a garota que passará por séculos e embalar-se na princesinha do mar. É ver praças Quinze, Mauá e Tiradentes em amável contradição histórica. Ser Carioca é ter o bum-bum esfolado em ônibus ruidosos mas, ao chegar no Sambódromo, vibrar na concretude de um alucinado Oscar que via nas montanhas as curvas de um sensual destino da caprichosa deusa que se fez cidade.
SEGUNDO PEDRO NAVA
Era dessas idas e vindas à Cidade, à Quinta, Cancela, ruas de São Cristóvão, Tijuca, Engenho de Dentro e Zona Sul – vendo, reparando e ouvindo o povo – que cada segunda-feira eu voltava para o Colégio mais penetrado dessa coisa sutil, rara, exquise, polimórfica indefinível (porque não é forma palpável e o que não tem de material, tem de luminosidade e perfume e vida) – que é o sentimento carioca, a alma carioca que nasce dessa paisagem, dessas ruas (oh! “A alma encantadora das ruas”), desses bairros ricos e pobres, sobretudo dos pobres, desses morros, dessa mistura de gente da terra, da do sul, do centro e do norte. Essas forças puxam para todos os lados mas sua resultante é tão forte que confere identidade a homens os mais diversos. Não há nada menos semelhante uns dos outros que Dante Milano, Álvaros, Prudente, Gastão Cruls, Marques Rebelo, Henriquinho Melo Moraes, Bororó, Di Cavalcanti, Luís Peixoto, Lima Barreto e Francisco Martorelli – esse mesmo que foi o doutor do samba, o que tirou seu anel, vestiu sua camisa listrada e saiu por aí. Entretanto se formos despojando esses homens e reduzindo-os a uma espécie de mínimo múltiplo comum, de redução de decimais a ordinárias, vamos encontrar em todos – um quid especial que é a essência do carioca. que será isso? Como se preparará essa teriaga de qualidades e defeitos onde os principais simples são alegria de viver, dor-de-corno, bloco, clube, carnaval, trepadinha, esporte, ingenuidade, improvisação, boato, jeitinho, tirar o máximo de tudo, não dar sopa, eu? hem... aparar o golpe, estar na sua, saber sua gíria, ser um pouco cafajeste ou pelo menos ter a infinita compreensão da cafajestada como arte e estado de graça. Impossível definir o que é que o carioca tem.
SEGUNDO MILLÔR FERNANDES
Os paulistanos(!) que me perdoem, mas ser carioca é essencial. Os derrotistas que me desculpem, mas o carioca taí mesmo pra ficar e seu jeito não mudou. Continua livre por mais que o prendam, buscando uma comunicação humana por mais que o agridam, aceitando o pão que o diabo amassou como se fosse o leite da bondade humana. O carioca, todos sabem, é um cara nascido dois terços no Rio e outro terço em Minas, Ceará, Bahia, e São Paulo, sem falar em todos os outros Estados, sobretudo o maior deles o estado de espírito. Tira de letra, o carioca, no futebol como na vida. Não é um conformista – mas sabe que a vida é aqui e agora e que tristezas não pagam dívidas. Sem fundamental violência, a violência nele é tão rara que a expressão "botei pra quebrar" significa exatamente o contrário, que não botou pra quebrar coisa nenhuma, mas apenas "rasgou a fantasia", conseguiu uma profunda e alegre comunicação – numa festa, numa reunião, num bate-coxa, num ato de amor ou de paixão – e se divertiu às pampas. Sem falar que sua diversão é definitivamente coletiva, ligada à dos outros. Pois, ou está na rua, que é de todos, ou no recesso do lar, que, no Rio é sempre, em qualquer classe social, uma open-house, aberta sob o signo humanístico do "pode vir que a casa é sua".
Carioca, é. Moreno e de 1,70 metro de altura na minha geração, com muitos louros de 1,80 metro importados da Escandinávia na geração atual, o carioca pensa que não trabalha. Virador por natureza, janota por defesa psicológica, autocrítico e autogozador não poupando, naturalmente, os amigos e a mãe dos amigos – ele vai correndo à praia no tempo do almoço apenas pra livrar a cara da vergonhosa pecha de trabalhador incansável. E nisso se opõe frontalmente ao "paulista", que, se tiver que ir à praia nos dias da semana,vai escondido pra ninguém pensar que ele é um vagabundo.
Amante de sua cidade, patriota do seu bairro, o carioca vai de som (na música), vai de olho (é um paquerador incansável e tem um pescoço que gira 360 graus), vai de olfato (o odor é de suprema importância na fisiologia sexual do carioca).
Sem falar, que, em tudo, vai de espírito; digam o que disserem, o papo, invenção carioca, ainda é o melhor do Brasil, incorporando as tendências básicas do discurso nacional: o humanismo mineiro, o pragmatismo paulista, a verborragia baiana.
E basta ouvir pra ver que o nervo de todas as conversas cariocas, a do bar sofisticado como a do botequim pobre e sujo, por isso mesmo sofisticadíssimo, a do living-room granfa, a da cama (antes e depois), é o humor, a crítica, a piada, a graça, o descontraimento. Não há deuses e nada é sagrado no Olimpo da sacanagem. O carioca é, antes de tudo, e acima de tudo, um lúdico. Ainda mais forte e mais otimista do que o homem da anedota clássica que, atravessado de lado a lado por um punhal, dizia: "Só dói quando eu rio", o carioca, envenenado pela poluição, neurotizado pelo tráfego, martirizado pela burocracia, esmagado pela economia, vai levando, defendido pela couraça verbal do seu humor.
SEGUNDO JOÃO ANTÔNIO
Carioca, carioca da gema seria aquele que sabe rir de si mesmo. Também por isso, aparenta ser o mais desinibido e alegre dos brasileiros. Que, sabendo rir de si e de um tudo, é homem capaz de se sentar ao meio-fio e chorar diante de uma tragédia. O resto é carimbo.
Minha memória não me permite esquecer. O tio mais alto, o meu tio-avô Rubens, mulherengo de tope, bigode frajola, carioca, pobre, porém caprichoso nas roupas, empaletozado como na época, impertigado, namorador impenitente e alegre e, pioneiro, me ensinar nos bondes a olhar as pernas nuas das mulheres e, após, lhes oferecer o lugar. Que havia saias e pernas nuas nos meus tempos de menino.
Folgado, finório, malandreco, vive de férias. Não pode ver mulher bonita, perdulário, superficial e festivo até as vísceras. Adjetivação vazia... E só ideia genérica, balela, não passa de carimbo [carimbo no sentido de estereótipo].
Gosto de lembrar aos sabidos, perdedores de tempo e que jogam conversa fora, que o lugar mais alegre do Rio é a favela. E onde mais se canta no Rio. E, aí, o carioca é desconcertante. Dos favelados nasce e se organiza, como um milagre, um dos maiores espetáculos de festa popular do mundo, o Carnaval.
O carimbo pretensioso e generalizador se esquece de que o carioca não é apenas o homem da Zona Sul badalada — de Copacabana ao Leblon. Setenta e cinco por cento da população carioca moram na Zona Centro e Norte, no Rio esquecido. E lá, sim, o Rio fica mais Rio, a partir das caras não cosmopolitas e se o carioca coubesse no carimbo que lhe imputam não se teriam produzido obras pungentes, inovadoras e universais como a de Noel Rosa, a de Geraldo Pereira, a de Nelson Rodrigues, a de Nelson Cavaquinho... Muito do sorriso carioca é picardia fina, modo atilado de se driblarem os percalços.
SEGUNDO VINICIUS DE MORAES
O que é ser carioca? É ter nascido no Rio de Janeiro. Sim, é claro, e também não. Não porque ser carioca é antes de tudo um estado de espírito. Ser carioca é uma definição de personalidade. [...] Porque ser carioca, mais ainda que ser parisiense, é sentir-se perfeitamente integrado com a sua cidade e o seu meio; é portar roupas como um carioca; é saber das coisas antes que elas sejam ditas; é detestar trabalhar (mas trabalhar); é adorar flanar e bater papo no meio de milhões de compromissos; é acreditar que tudo se arranja (e arranja mesmo); é ser portador não de acidez, mas de certa adstringência como a dos cajus; é gostar de estar sempre chegando e não querer nunca ir embora; é ter ritmo em tudo para tudo; é ter em alta dose o senso do ridículo e da oportunidade; é gostar de gente mesmo falando mal; é gostar de banho de chuveiro; é amar todas as coisas que maldiz; é saber conhecer outro carioca no estrangeiro, só pelo modo de andar e de vestir-se. Isso é ser carioca. E a maior felicidade é que ao carioca foi dado para amar, desamar, exaltar, trair e ser escravo um outro ser cuja graça é indefinível: a mulher carioca.
SEGUNDO DI CAVALCANTI
Todos os dramas, os mais terríveis, o carioca pode enquadrá-los numa janela aberta para um céu de estrelas.
O Rio de Janeiro tem coisas de que é impossível qualquer pessoa se desligar. Mesmo recebendo gente de toda parte, a cidade não consegue ser cosmopolita. Qualquer estrangeiro se torna carioca em pouco tempo.
O Rio de Janeiro exerce o milagre da esperança e todos que aqui vivem ressuscitam de hora em hora, sentindo na boca o gosto salgado de um novo batismo.
Ser autêntico carioca é possuir a dignidade de existir sem ambições supérfluas. É bastar-se a si mesmo, na certeza de ser um privilegiado do destino.
SEGUNDO RICA PERRONE
Carioca exagera tudo, pra baixo e pra cima. Se elogiar a praia, ele exalta dizendo que é “a melhor praia do mundo”. Se falar que é perigoso, ele não nega. Diz que é “perigoso pra caramba”.
Trata sua cidade como filho. Só ele pode falar mal.
Cariocas não marcam encontro. Simplesmente se encontram.
A confirmação de um convite aqui não quer dizer nada. Você sugere “Vamos?”, eles dizem “Vamo!”. O que não implica em ter aceitado a sugestão.
Hora marcada no Rio é “por volta de”. Domingo é domingo. E relaxa, irmão. Pra que a pressa?
Em 5 minutos são amigos de infância, no segundo encontro te abraçam e já te colocam apelidos.
Não te levam pra casa. Te convidam pra rua. É curioso. Mas é que a “rua” aqui é tão linda que se trancar em casa é desperdício.
Cariocas andam de chinelo e não se julgam por isso. São livres, desprovidos de qualquer senso de sofisticação.
Ao contrário, parecem se sentir mal num ambiente formal e de algum requinte.
SEGUNDO ADRIANA CALCANHOTO
SEGUNDO ADRIANA CALCANHOTO
Cariocas são bonitos.
Cariocas são bacanas.
Cariocas são sacanas.
Cariocas são dourados.
Cariocas são modernos.
Cariocas são espertos.
Cariocas são diretos.
Cariocas não gostam de dias nublados.
Cariocas nascem bambas.
Cariocas nascem craques.
Cariocas têm sotaque.
Cariocas são alegres.
Cariocas são atentos.
Cariocas são tão sexys.
Cariocas são tão claros.
Cariocas não gostam de sinal fechado...
SEGUNDO MILTON TEIXEIRA
Adão e Eva eram cariocas. Não tinham o que comer, não tinham o que vestir, não tinham onde morar, não tinham um governo visível, não obedeciam a lei e achavam que estavam no Paraíso.
SEGUNDO MILTON TEIXEIRA
Adão e Eva eram cariocas. Não tinham o que comer, não tinham o que vestir, não tinham onde morar, não tinham um governo visível, não obedeciam a lei e achavam que estavam no Paraíso.
SEGUNDO O EDITOR DESTE BLOG
Carioca é aquilo que o paulistano não é. No bom e no mal sentido, porque São Paulo é uma espécie de locomotiva do Brasil (e, surpreendam-se, vou me mudar para lá em breve). Você anda pelas ruas paulistanas num dia e horário útil e está todo mundo apressado. Mesmo quem não está finge que está pra não destoar. Já no Rio tem sempre alguém flanando, alguém pegando uma praia, alguém de bermuda e chinelos mesmo no Centro da cidade onde teoricamente deveria estar todo mundo trabalhando. Carioca adora se reunir em torno de uma churrasqueira (a churrasqueira é uma espécie de altar do carioquismo contemporâneo) – que pode estar num quintal, na calçada diante de um bar, até num parque, numa praia, num beco, numa viela – e jogar conversa fora enquanto esvazia uma garrafa de cerveja depois da outra (depois da saideira vem outra saideira). Paulistano prefere um bom restaurante, confeitaria, cantina. Todo fim de semana rola alguma feijoada regada a samba em alguma escola de samba Rio afora (além do Cacique de Ramos) confirmando a visão predominante mundo afora de que o Rio é a cidade mais feliz do mundo (de fato, o Rio ficou em primeiríssimo lugar, no Índice Anholt-GfK Roper City Brands, divulgado em junho de 2009, das cidades mais felizes do mundo). Existe o mito do carioca inimigo do trabalho, aquele sambinha do “segunda-feira não vou trabalhar, na terça não vou pra poder descansar, na quarta preciso me recuperar...”, desmentido pelo PIB fluminense, o segundo maior do país – quem não trabalha não gera PIB. Aliás quem demonstra à perfeição o espírito trabalhador (!) do carioca são os garis da Comlurb, sempre dispostos, sempre a postos, se num domingo de sol a população emporcalha a praia, no final do dia o entulho é todo recolhido. O hábito carioca de chiar o s pode parecer esquisito, mas o Rio foi por muito tempo a capital da colônia, e esse s chiado não passa de um resquício do mais castiço português lusitano. E finalmente, no Rio você vê mendigos felizes (última foto abaixo), algo raríssimo em outras metrópoles. São muitas as peculiaridades do carioca, difícil captar sua essência – como é difícil captar qualquer essência, Platão que o diga – mas de uma coisa estejam certos: na Internet o que melhor capta a carioquice é este meu modesto blog que desde 2005 mostra o que o Rio tem de melhor. E se em meu texto não sou tão eloquente quanto um Nava, um Helio Brasil, um Vinicius, compenso essa minha deficiência com as fotografias. Essas sim, acredito terem captado a essência do carioca! Obrigado por visitarem meu blog e voltem sempre... sempre... sempre...
3 comentários:
É isso aí, Ivo, você v~e a uva que é o Rio e ri do que ele tem de engraçado e até registra as coisas menos engraçadas, mas sempre engrandecidas por seu bom humor e "olho clínico" para a imagem.
Esta súbita deserção (atraído pelas glórias dorianas?) não o fará paulista, por mais que queiram os chuvosos deuses.
Um SOL CARIOCA só pra você.
Abração!
HB
Magnífico. Cada descrição melhor do que a outra!
Um abração
Meu amigo Ivo isto era antigamente, hoje é refém de bandidos, traficantes, infelizmente, foi se os bons tempos.
Abraços.
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