ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

17.12.18

RELEMBRANÇAS DE NATAL, de ANTÔNIO RIBEIRO DE ALMEIDA



A primeira lembrança que me vem do Natal é de chuva, muita chuva. Mamãe me colocara de pé numa janela de vidro e eu olhava a chuva que caía, caía e parecia que não queria acabar mais. Gostava de ouvir o tamborilar das gotas que batiam contra o vidro da janela e produziam uma sinfonia de sons. Na rua de terra, ela formava enxurradas que corriam e carregavam pedacinhos de pau, formigas, folhas e um capim verde.Em seguida, apareciam rodamoinhos no qual estas coisas desapareciam num pequeno sorvedouro. Mamãe me dizia para olhar em direção à usina de açúcar porque logo meu pai iria chegar para o jantar. Ele viria na sua bicicleta e não temia molhar-se com a chuva que caía. Era um homem forte e decidido. Com a bicicleta, ele ia e voltava para o trabalho pedalando muitos quilômetros. Certamente, olharia lá de baixo para o sobrado onde morávamos e me veria na janela à sua espera. Naquela tarde, mamãe corrigira várias cartas que eu e os meus irmãos escrevêramos para Papai Noel e que iríamos colocar dentro dos nossos sapatos, atrás da porta. Eu me lembro de que gostaria de pedir uma bicicleta. Mamãe dissera, contudo, que a bicicleta era muito pesada e que Papai Noel, velhinho, não tinha mais forças para carregá-la. Na inocência da minha infância, eu não sabia que aquela era uma amorável mentira para que eu não percebesse que meu pai, na sua pobreza, não tinha como comprar uma bicicleta para mim. Ela sugeriu, então, que eu pedisse um livro e um papagaio para empinar. O livro que escolhi foi a Geografia de Dona Benta de Monteiro Lobato, e, com ele, aprendi que o mundo era grande e bem maior do que Rio Branco. Pelo poder da imaginação viajei com Dona Benta, Tia Anastácia, Pedrinho e o Visconde de Sabugosa a bordo do “Terror dos Mares”. Papai Noel permitira que meu pai escrevesse uma dedicatória para mim. E ela lá estava: “Meu filho, neste livro você encontrará respostas às perguntas que vive me fazendo e boa viagem”. Em certo sentido, ele estava sendo profético. Adulto, voei sobre o Oceano Pacífico a bordo de um Boeing e embaixo, no azul do mar, navegava o “Terror dos Mares” da minha infância. Naquela noite de 24 de dezembro fui dormir cedo. Antes comi um pedaço de bolo de farinha de trigo com uma xícara de chá.

No dia de
Natal nós encontramos sobre os nossos sapatos o livro, o papagaio com a máquina e linha, e os meus irmãos os presentes que haviam pedido. Meu papagaio era azul e no seu centro havia uma linda estrela. O dia estava claro e a chuva passara. Saímos à rua do nosso bairro do Capim Cheiroso e fomos ver o que os outros meninos ganharam do velho Noel. As meninas sentaram numa escadinha e falavam das suas bonecas. Algumas as penteavam e mudavam os seus penteados. Cuidaram também de lhes dar um nome e para isto marcaram a tarde para o batizado e me convidaram para ser o padre. Eu logo procurei empinar o meu papagaio para a alegria dos meus amigos da rua. Ele foi subindo devagar e com uma lufada de vento ganhou as alturas e ficou mais alto do que a chaminé da usina de açúcar. Não temi e fui lhe dando linha para que ganhasse as nuvens. De repente, sem que esperasse, a linha arrebentou, e, livre, o papagaio foi ganhando mais altura até sumir dos meus olhos cheios de lágrimas. Fora feito para voar e não queria, pensei, voltar a terra. Triste, fui contar à mamãe que procurou consolar-me ao dizer-me: "Não se importe, meu filho. Ele foi para o céu onde mora o Menino Jesus". Naquela tardinha, ela nos levou ao presépio da Matriz para que visitássemos o Menino Jesus. Ao olhá-lo, eu não compreendi como ele morava no céu se, naquela noite, descera à terra dos homens. Moraria nos dois lugares? Será que ele vira e guardara o meu papagaio? Perguntei à minha mãe. E ela, que tudo sabia, me disse que Jesus viera a terra por pouco tempo. Que Ele voltaria logo para o céu e que meu papagaio estava bem guardadinho à espera do dia que eu também fosse ao encontro de Jesus.


Texto extraído do livro Contos do Entardecer de Antônio Ribeiro de Almeida.

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