ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

20.5.18

QUAL FOI O PRIMEIRO ARRANHA-CÉU DO RIO?

Qual foi o primeiro arranha-céu do Rio? Você deve ter ouvido falar que foi o edifício A Noite. Será verdade? Depende do que se entende por “arranha-céu”.

IGREJAS COMO “ARRANHA-CÉUS”
Até o advento do século XX, as igrejas, com suas torres ou cúpulas, sobressaíam em relação às casas, que se limitavam a um, dois ou, em alguns raros casos, três andares. Por exemplo, na Praia de Botafogo, a Igreja da Imaculada Conceição, hoje "escondida" por um viaduto e apequenada pelos prédios em volta, era a construção mais proeminente, como mostra a foto abaixo.

Praia de Botafogo e Corcovado. Observe que a Igreja da Imaculada Conceição de 1881, que na época se destacava das demais construções, hoje está "escondida" por um viaduto. 

Quando concluída a cúpula, no final do século XIX, a Candelária era a mais alta construção da cidade (62,24 metros de altura do chão até o zimbório), visível à distância. No romance A Conquista de Coelho Neto, um retirante nordestino, chegando de navio e olhando a cidade de longe, confunde a Candelária com um ovo:

— Deus salve a vosmicê. Que coisa é aquela ali, moço? Aquilo no meio das casas que parece um ovo, mal comparando.
— É a Candelária.

Esta gravura de 1861 de Laurent Deroy, Panorama de Rio de Janeiro, mostra como as igrejas pairavam sobre as demais construções. À direita, a Candelária, ainda sem a cúpula.

PRIMEIRA GERAÇÃO DE EDIFÍCIOS
Com a abertura da então Avenida Central, hoje Rio Branco, em 1905 surge a primeira geração de edifícios, estilo Beaux Arts, afrancesados, vencedores de um concurso de fachadas, a maioria com três ou quatro pavimentos, mas alguns atingindo maiores alturas, como foi o caso do Edifício Lafont, depois Palácio Rio Branco, na esquina com a Rua Santa Luzia, de seis pavimentos além da mansarda, primeiro (e por algum tempo o único) prédio de apartamentos da cidade, de alto luxo, do início da década de 1910, infelizmente demolido. Essa primeira geração de prédios anterior ao concreto armado era de estrutura metálica, em geral calculada e executada na Europa.

Edifício Lafont (e não Lafond como se costuma escrever), depois Palácio Rio Branco, já demolido, primeiro (e por algum tempo o único) prédio de apartamentos (de luxo) da cidade, do início da década de 1910, na esquina da Av. Central, depois Rio Branco, com Rua Santa Luzia, projetado por Viret & Marmorat, "mas que, pelas peculiaridades do estilo, dir-se-ia mandado vir, já pronto, de Paris" segundo Lúcio Costa em Arquitetura Brasileira.

Também nessa época foram erguidos dois monumentais hotéis, o Hotel Avenida, no local do atual Edifício Avenida Central, "o maior do Brasil ocupando todo o quarteirão", como apregoavam os reclames da época, com cinco andares, além de dois andares extras na torre, e a famosa Galeria Cruzeiro no térreo, e o Palace Hotel, ainda mais alto, com oito andares. 




Palace Hotel. Do álbum " Souvenir do Centenário da Independência do Brasil"

Mas o prédio mais alto da cidade nessa época era a sede do Jornal do Brasil, com onze pavimentos, além de uma torre. O jornal permaneceu ali do início de 1910 até a década de 1970, quando se transferiu para a Avenida Brasil e o prédio da Rio Branco foi infelizmente demolido. O prédio só não foi chamado de arranha-céu porque na época o termo ainda não era de uso corrente.

Sede do Jornal do Brasil de 1910 à década de 1970. Fonte (e mais informações): site ESTILOS ARQUITETÔNICOS 

SEGUNDA GERAÇÃO DE EDIFÍCIOS
No final da década de 1910 e primeira metade da década de 1920 brota a segunda geração de edifícios cariocas, sem a suntuosidade do Beaux Arts da primeira geração da Avenida Central, mas ainda com fachadas decoradas, seguindo o mesmo espírito dos sobrados ecléticos da virada do século. 

Possivelmente o primeiro desses prédios ecléticos tenha sido o então New York Hotel, atual Rio Hotel, na Praça Tiradentes, de 1918, com sete andares, primeiro prédio carioca explicitamente chamado de “arranha-céo” na imprensa da época ("Agora mesmo vai a nossa Sebastianópolis possuir um desses – arranha céo – que constituem o orgulho da grande urbs americana"). Durante a obra, desabou, matando 25 operários, como lemos na edição de 8/6/1917 do Correio da Manhã ("O edifício em construção do futuro York Hotel rue, sepultando dezenas de operários"), mas depois a construção foi retomada, agora com pilares em granito, "de resistencia a supportar heroicamente a pressão dos cinco andares [foram sete] daquele arranha céo mirim"(Correio da Manhã, 6/10/1917).

Rio Hotel na Praça Tiradentes (1918). Representante de uma primeira geração pré-art déco de prédios, não excessivamente altos, ainda com fachadas decoradas continuando a tendência dos sobrados ecléticos da virada do século. Possui tênues elementos art nouveau (janelas geminadas arredondadas).

No início da década de 1920, a Exposição do Centenário da Independência, de 1922, motivou a construção de dois grandes hotéis: Hotel Glória, inaugurado em tempo, e Hotel Copacabana Palace, que acabou só inaugurado em 1923.

Hotel Copacabana Palace à noite. Projeto de 1921 do arquiteto francês Joseph Gire, projetista também do Hotel Glória e co-projetista do Edifício A Noite e Palácio Laranjeiras. "Com projeto calcado no Hotel Negresco, de Nice, na Riviera Francesa, o Copacabana Palace, em estilo Luís XVI, é um dos primeiros grandes hotéis construídos à beira-mar." (Guia da Arquitetura Eclética no Rio de Janeiro) Inaugurado em 1923. Tombado nos níveis federal, estadual e municipal.

No decorrer da década de 1920 surgiu no então chamado Bairro Serrador, a Cinelândia, uma série de “arranha céos” (como eram chamados na imprensa da época) construídos entre 1925 e 1928. A foto abaixo mostra os sete que davam para a Praça Floriano. Da esquerda para a direita:


  • Cine Odeon de 1924 (como informa uma placa sobre a entrada), em 1927 ampliado para onze andares
  • Cine Império de 1926, demolido para dar lugar ao Centro Empresarial Rio Branco
  • Edifício Heydenreich, "arranha céo" de onze andares de 1926
Edifício Heydenreich (nome grafado erroneamente) considerado um "arranha-céo" pelo Jornal O Brasil de 23 de janeiro de 1927

  • Cine Glória, de 1925, atual Edifício Glória, recentemente retrofitado
  • Cine Pathé, que por pertencer à terceira geração, de prédios art déco, será visto adiante
  • Cine Capitólio, de 1925, com dez pavimentos e estrutura de concreto armado, demolido
  • Antigo Edifício Fontes, atual Centro Empresarial Amadeus Mozart, conhecido como Amarelinho, de 1926 (segundo o site do bar, seria de 1921, mas minhas pesquisas de jornais antigos revelam não ser verdade - ver prova aqui). 
Cinelândia em 1935, com a segunda geração de prédios, a maioria sobrevivente até hoje.


Cinelândia à noite em foto de 1928 da revista O Cruzeiro

A demolição dos cines Império (à direita do Odeon) e Capitólio (entre o Pathé Palace e o Amarelinho) deu lugar a prédios bem mais altos, destoantes.

Atrás desses sete prédios que davam para a Praça Floriano, surgiram durante aquele período outros dois prédios (e posteriormente ainda outros), na Rua Álvaro Alvim:


  • Edifício Itajubá, de 1928, abrigando até hoje o Hotel Itajubá, na época sofisticadíssimo. Com seus 12 pavimentos, além do térreo, o mais alto de todos.
  • Edifício Vaz, na esquina da Rua Álvaro Alvim com Alcindo Guanabara, de linhas afrancesadas, cuja data de inauguração ignoro, mas que existia em 1928, pois aparece na foto da Cinelândia à noite acima.


Edifício Itajubá, com doze pavimentos, atrás da carreira de prédios da Cinelândia, em foto da Revista O Cruzeiro de 1928. Na época o mais alto do grupo de arranha-céus do Quarteirão Serrador.

Hotel Itajubá, o maior arranha-céu do Rio, até o advento do Edifício Guinle

Edifício Vaz

TERCEIRA GERAÇÃO DE EDIFÍCIOS
No final da década de 1920 surge a terceira geração de edifícios cariocas, não mais ecléticos, mas seguindo o estilo art déco, que entrou "em moda", e utilizando a técnica do concreto armadoO art déco é um estilo decorativo e arquitetônico lançado na Exposition Internationalle des Arts Décoratives et Industrielles Modernes, em Paris, em 1925. Trata-se de um estilo moderno, embora anterior ao movimento modernista em arquitetura. Caracteriza-se pelas linhas geométricas e contornos aerodinâmicos.

Os pioneiros dessa geração são:


  • Cine Pathé, na Praça Floriano, 45, de 1927, com 12 pavimentos, em cujos fundos, à Rua Álvaro Alvim, 48, ficava o Natal Hotel, atual Edifício Natal, "installado no mais alto arranha céo da Praça Marechal Floriano" e contando com "dois possantes e rápidos elevadores [...] OTIS" segundo anúncio no Correio da Manhã de 23/12/1928); projetado e construído em 1927
  • Edifício Guinle, na Av. Rio Branco, 135, esquina com a Sete de Setembro; primeiro arranha-céu da Avenida Rio Branco, como lemos em O Malho de maio de 1929, com 16 pavimentos; inaugurado em 1928, deu início da onda de demolições dos prédios da primeira geração da Av. Rio Branco, dos quais hoje só sobrevivem dez.
  • Edifício OK, atual Ribeiro Moreira, na Rua Ronald de Carvalho, 21, esquina com Av. Atlântica, primeiro arranha-céu de Copacabana, com 13 andares mais cobertura, de 1928.

    Primeiro prédio demolido na Av. Rio Branco, esquina com Sete de Setembro, para a construção do Edifício Guinle.

    O Malho de maio de 1929: "É este o primeiro arranha céo inaugurado na Avenida Rio Branco."

    Finalmente, em 1929, é inaugurado o Edifício A Noite, com 22 andares e uma altura de 102 metros, na época de sua inauguração, o maior arranha-céu da América Latina e "o mais alto edifício do mundo construído em concreto armado". O maior arranha-céu do mundo era o Woolworth Building de Nova York, mas não era de concreto armado, e sim em estrutura de aço.

    Edifício A Noite, em foto de 1929 da Revista da Semana, sobressaindo como o mais alto do Rio. Mais ao fundo, o Edifício Guinle, o conjunto de prédios da Cinelândia e, à esquerda, o vazio deixado pela derrubada do Morro do Castelo

    CONCLUSÃO
    Voltando à pergunta inicial: qual foi o primeiro arranha-céu carioca? Se retrocedermos à primeira geração, foi o prédio do Jornal do Brasil (onze andares). Se contarmos a partir da segunda geração, foi o Hotel Itajubá, que se autoproclamava MAIOR ARRANHA-CÉO DO RIO (12 andares). Se só contarmos a partir da terceira geração, foi o Edifício Guinle (16 andares). Se só considerarmos arranha-céu um prédio com mais de vinte andares, então o Edifício A Noite ganha (22 andares). Normalmente ele é considerado o primeiro arranha-céu, devido à sua altura e volume então inéditos, mas não foi um fenômeno isolado, e sim o produto de uma evolução no processo de verticalização. Evolução essa que prosseguiria. 

    Concluímos citando o parágrafo final de uma matéria de 1928 da revista O Cruzeiro que saudava o advento do "arranha-céo": "Saudemos a cidade nova dos arquitetos e dos engenheiros, que cresce para as nuvens; digamos adeus à cidadezinha dos sobrados, à modesta cidade dos mestres de obras, que sucumbe!"

    8 comentários:

    Uttopya disse...

    Ivo, você é um gênio>
    Silvio Tendler

    ROGEL DE SOUZA SAMUEL disse...

    EXCELENTE POST...

    Roger de Sena disse...

    Sensacional!

    Ricardo Weiss disse...

    Oi Ivo, adorei a crõnica sobre os arranha céus. Achei que vinha a matéria que saiu no Globo sobre o edifício A Noite na praça Mauá e veio um belo histórico. (enviado por e-mail)

    Juju posse disse...

    Muito bom rever o passado gravado erenamy em imagens, muito lindo

    Bernardo disse...

    Parabéns Ivo. Tremendo texto e pesquisa. Queria ter visto esse edifício Lafont ao vivo.
    Seus textos deveriam ser divulgados nas escolas do Rio.
    Um abraço.

    Unknown disse...

    Excelente leitura e instigantes informações.

    Gabriel Quintana disse...

    Genial arquitetura