Carnaval de rua no início do séc. XX. Foto obtida na Biblioteca Nacional Digital. |
Conheci ainda o carnaval do papel-picado, dos
limões-de-cheiro e do Zé-Pereira. O carnaval do Recife, na Rua da União, entre
1892 e 1896. O Zé Pereira
Bum! Bum! Bum!
Bum! Bum-bum-bum!
Zé-Pereira!
era o baixo-contínuo que alimentava, sustentava toda a
dissonante polifonia carnavalesca. Em casa de meu avô, nas casas da vizinhança,
muito antes dos dias gordos, compravam-se as grandes folhas de papel de seda,
brancas, verdes, azuis, cor-de-rosa, e durante semanas as tesouras trabalhavam
picando papel em minúsculos quadradinhos. Eu ainda não tinha dez anos, mas já
achava insensato levar horas preparando um punhado de papel picado que se iria
embora pelos ares num gesto de mão que durava um segundo. Assisti ao aparecimento
dos primeiros confetti, que me
deslumbraram, das primeiras bisnagas, que eram como as de pasta dental atuais,
das primeiras serpentinas. Das fantasias, a que mais me impressionava eram os
dominós negros, as que me pareciam mais estranhas, mais misteriosas, mais
poéticas.
Em 96 vim para o Rio e conheci o carnaval carioca, tão
diferente do de hoje. Impossível dizer dele o que mestre Machado de Assis disse
do Natal. O centro da cidade não era então a avenida Rio Branco; era uma das
ruas mais estreitas e mais curtas da cidade, e também a mais elegante – a Rua
do Ouvidor. Imagine-se toda a população da cidade querendo brincar na Rua do
Ouvidor! O momento capital do desfile das grandes sociedades era na Rua do
Ouvidor. As mais belas senhoras da cidade estavam nas sacadas.
Depois adoeci e durante anos, muitos anos, não vi senão os
carnavais das cidadezinhas do interior. No Rio abriu-se a Avenida. A Rua do
Ouvidor foi perdendo o seu prestígio. Quando voltei a ver o carnaval carioca,
já era ele como o descreve Mário de Andrade no seu grande poema, que é de 1923:
... sangue ardendo povo chiba frêmito e clangor
Risadas e danças
Batuques maxixes
Jeitos de micos piricicas
Ditos pesados, graça popular
Coros luzes serpentinas
Coriscos coros caras colos braços serpentinas serpentinas
Sambas bumbos guizos serpentinas serpentinas
Mário esqueceu-se do éter dos lança-perfumes. Cheirava-se
éter à vontade. Havia bebedeiras de éter, sobretudo no bar e no hall do Palace Hotel, o que celebrei
devidamente no meu “Rondó do Palace Hotel”:
Deus do céu! que alucinação!
Há uma criatura tão bonita,
Que até os olhos parecem nus:
Nossa Senhora da Prostituição!
– “Garçom, cinco Martinis!” Os
Adolescentes cheiram éter
No hall do Palace.
Depois... Depois o carnaval carioca passou a ter fama
internacional. Criou-se um Departamento de Turismo, que começou a fazer
propaganda do nosso carnaval. Instituíram-se prêmios. Não sei por que, se por
isto ou por aquilo, ou por coisa nenhuma, a festa entrou a murchar, e o certo é
que o carnaval verdadeiro, o carnaval de rua só serve hoje para fazer cinema ou
tentar uma Rita Hayworth a dar as caras por estas bandas. O carnaval visto por
Mário de Andrade em 1923 não existe mais...
2 comentários:
Oi, Ivo
Muito boa revelação dessa crônica-poema de Manuel Bandeira.
Boa contribuição à história do Carnaval.
Abraço, Nireu. (enviado por e-mail)
Por favor, poderia fazer um post sobre os melhores livros que você já leu sobre a história do Rio? Acho que seria muito interessante
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