ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

1.9.10

SERRALHERIA ARTÍSTICA DO VELHO RIO

TEXTO DE PEDRO NAVA & FOTOS DO EDITOR DO BLOG


O gosto pelas serralherias [=objetos de ferro ornamental] do velho Rio nasceu no Egon destes seus itinerários de Santana. Foi um pouco sem intenção, mesmo sem querer é que ele foi se penetrando da beleza e da fantasia dos gradis e dos portões desta freguesia para deixar, depois, sua nova paixão se estender aos antigos ferros dos outras arrabaldes. Esquadrinhou bairros e bairros a procurá-los nas casas do fim do século passado [século XIX] e inícios do atual [século XX]. Grades mais antigas existiam mas ainda sem desempenho no conjunto arquitetônico e a importância adquirida naquelas duas épocas.


O princípio da ideia do Egon era apenas a de olhar e tirar desta contemplação um prazer pessoal e uma ocupação de transeunte de nossas ruas mais veneráveis. Mas depois ele viu a picareta demolindo impiedosamente as casas rendadas de ferro da sua Rio de Janeiro e sua substituição por módulos de cimento armado cuja beleza ainda não foi impregnada nem caprichada pelo tempo e pela morte. Então, por que não guardar? para os maníacos do futuro um pouco da lembrança de nossas grades, gradis, portões, beiras e ornatos metálicos.


O Egon planejou, quando tivesse tempo, percorrer e bater as ruas da Tijuca, São Cristóvão, Catumbi, [rua da] Estrela, Rio Comprido, São Januário, [rua do] Retiro Saudoso, Catete, Gávea, Botafogo, [rua] Camerino, Gamboa, e as dos subúrbios da Central para registrar e guardar o que houvesse de mais típico e pitoresco no ponto e no risco destas rendas que estão em vias de desaparecer. O médico planejou primeiro desenhar os das que lhe parecessem mais importantes. Depois fotografar e arquivar.


Para isto era preciso um sistema, uma classificação do que se fez com o ferro na bela arte de que o Rio já foi tão rico e que cada dia que passa fica mais pobre. Depois de muita observação de serralheiro itinerante e olhante, viu a grandeza do ferro nos portões que achou preciso marcar, da Santa Casa, da velha Faculdade de Medicina (a velhíssima, de Santa Luzia), de São Bento, da Casa da Moeda, do Supremo Tribunal Militar, da Escola José Bonifácio, e tantos, tantos outros.


Descobriu que um gradil singelo ou trabalhado, se contemplado em seus elementos essenciais, adquire mais beleza pela sua repetição e ritmo chiriquiano [alusão ao pintor vanguardista italiano Giorgio de Chirico] de sua perspectiva — como os da Caixa d'Água (depois Hospital Estácio de Sá e mais tarde Hospital da Polícia Militar), da praça da República, do Passeio Público.


Começou a verificar os dados que era preciso distinguir e ir classificando: ornatos e gradis sobre as portas, para arejar, só de ferro ou aqueles em que o metal aparece combinado à madeira, como no Hospital da Misericórdia. Grades para arejar sótãos como no admirável prédio, único que restou da rua Pharoux, na esquina da praça Quinze. E as sacadas do Pago Imperial. Grades das janelas da Alfândega Velha [atual Centro Cultural Brasil-França]. As semelhantes, da casa do Arco do Teles. Os ferros ourivesados que dividem as varandas únicas de mais de uma casa. Os ferros trabalhados combinados à madeira, fazendo superfície de arejamento. E os portões colocados diante das portas que permaneciam fechados, enquanto estas se abriam para deixar entrar só o ar fresco e impedir os estranhos, os cachorros de rua, os ladrões.


E mais os sustentadores de cobertas e marquises. E a prodigiosa grade de sacada que o Egon descobriu: tomando duas fachadas do prédio da esquina de Bento Ribeiro com [Barão de] São Félix. Depois o igual, da casa em frente do Velho Senado. Estátuas de ferro, reprodução de antigos da escultura, sobre a cimalha do prédio de Sacadura Cabral 145 (o imóvel era de três portas — a central, larga, para carruagens, encimada pela data da construção: 1856). [Informa Alexei Bueno, em seu livro Gamboa: “Infelizmente, em começos de 2002, as duas estátuas [...] desapareceram, parece que recolhidas pelo proprietário após haverem tentado roubá-las.”]


De uma em uma o Egon correu a cidade a vê-las e afinal fez a sistematização que lhe permitiria arquivar em boa ordem as impressões que lhe ficassem em fotografia ou simples desenho. Gradil de sacada para uma janela, para várias janelas, pegando fachada inteira ou corridamente duas fachadas em prédios de esquina; gradis de jardim, de varanda, de sepultura, de escada onde as descidas retas ou curvas criam soluções variadas; gradil em torno a monumentos e estátuas; ferros de sustentação de beiral e de marquises; escadas de ferro: todo o degrau, só o espelho [=a parte vertical do degrau de uma escada] servindo o piso de madeira ou mármore; portão pequeno em conjunto com a porta — aquele em frente desta; porta toda de ferro, porta toda de madeira com almofada aberta e gradeada de ferro nesse ponto; grades de arejamento de forros — fechadas ou imóveis como pequenas janelas; grades de arejamento de porão, de porão habitável e neste caso fechadas ou ajaneladas; grades de arejamento das bandeirolas [bandeira = caixilho envidraçado que encima portas e janelas, e que serve para dar claridade aos aposentos das portas] — simples, com letras em monograma, com braço de lampião saindo desse fecho; grades de separação de varanda corrida de mais de uma residência no mesmo prédio; ornatos de ferro de cobertas de varanda, quiosques, marquises, tetos, beirais; vasos de ferro, estátuas, estatuetas, bichos, cruzes de igreja; dobradiças, puxadores, aldrabas; portões; balaústres simples ou com gradil em baixo...


Infelizmente tudo isto ficou gravado apenas na memória do Egon. Cadê? tempo para fazer seu tombo das serralherias do Rio. Outro que o faça, se quiser, seguindo este plano acabado de dar... se daqui a ano, dois ou três, ainda houver ferragens no nosso Rio... Tudo isto o Egon viu e sentiu desde que começou a estudar "a alma encantadora das ruas" desta mui leal e heroica, quando ia do centro ao seu HPS — Hospital de Pronto-Socorro. [...] (Pedro Nava, O círio perfeito, Memórias 6)

VEJA TAMBÉM MEU VÍDEO "PEDRO NAVA E OS MEANDROS DA MEMÓRIA":

4 comentários:

Hélio Brasil disse...

NENHUM ARQUITETO, nem mesmo o "MESTRE" Dr. Lúcio, fez a descrição precisa e poética que fez o Nava no Círio Perfeito. É uma página magistral, quando descreve as descobertas do mineiro Egon (seu alter-ego) ao flanar nas ruas do nosso Rio.
É MUIIIIIITO lindo. (comentário enviado por e-mail e inserido aqui pelo editor do blog)

Anônimo disse...

Muito obrigada pela referência. Este texto belíssimo de Pedro Nava realmente toca as nossas almas cariocas. Um abraço,

Renata Ribas disse...

Que coisa maravilhosa a ideia que guardar essas fotos. Fiquei encantada!
Alguém sabe informar onde posso encontrar portões como esses para comprar. Sou apaixonada por portões do início do século (sinto como se tivesse nascido na década errada rsrs)...

Ivo Korytowski disse...

Renata, o Daniel Haziot tem um atelier que trabalha com diferentes metais, veja se ele faz um portão assim: http://www.danielhaziot.com.br/