ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

30.3.10

TRÊS CRAQUES DA CRÔNICA ESPORTIVA:

Nelson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira

Texto de Cyro de Mattos. Fotos do Maracanã do editor do blog. O estádio fechará para obras em julho e será reaberto no final de 2012. Para ler matéria da Veja-Rio sobre a reforma do Maracanã clique aqui.


Estátua de Bellini: a pátria em chuteiras

O futebol pentacampeão mundial, tão na pele do brasileiro, serve de motivo aos poetas Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes. Carlos Drummond de Andrade dedicou versos a Pelé e à nossa conquista da Copa do Mundo nos gramados do México, em 70. Nos versos triviais do poeta mineiro de Itabira, Pelé é “o sempre rei republicano/ o povo feito atleta na poesia/ do jogo mágico.” O pernambucano João Cabral de Melo Neto fez o elogio do goleador Ademir Menezes, traçou o trajeto hábil da bola feita vida com o pé, indo até o gol na surpresa de ser. Teceu o perfil macio de Ademir da Guia e informou em versos concisos sobre a falta de hábito do América do Rio sagrar-se campeão. Vinicius de Moraes deslumbrou num soneto belíssimo o sempre alegre Mané Garrincha, com as incríveis pernas tortas fazendo jogadas geniais em versos medidos e rimas espontâneas.

É na crônica esportiva, com a sua marca de prosa coloquial, que o futebol vai encontrar espaço no início como tema a influenciar a imaginação e a sensibilidade do escritor brasileiro. Natural que isso acontecesse com a crônica, de tal modo é o gênero intermediário entre o literário e o registro objetivo do fato. Presta-se bem na imprensa esportiva para flagrar com digressões uma partida de futebol. Logra extrair em torno do jogo a simbiose perfeita decorrente da literatura, que fantasia a vida, e a notícia do cotidiano, que deve ser objetiva, comprometida com a verdade. A crônica faz com que o autor assuma o papel de contador de histórias, no caso uma partida de futebol, sem com isso o fato que está sendo focado perca a credibilidade na informação.


És, enfim, a vitória e a derrota,
caprichosa imitação da minha vida.
E porque és uma parte da minha memória,
seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome.
Maracanã, Maracanã

(Trecho do poema Maracanã de Armando Nogueira)

O mundo apaixonante do futebol inspirou textos admiráveis aos cronistas Nelson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira. Os três papas da crônica esportiva trouxeram para o campo de nossa literatura o drama, o humor, o feitiço e o vocabulário, que o futebol manifesta com sua linguagem específica em torno da bola que rola no quadrado mágico do tapete verde.

Reconhecido dramaturgo, Nelson Rodrigues na carreira de cronista esportivo resgata com forte apelo popular o orgulho de ser brasileiro. A descoberta do Brasil por Nelson Rodrigues tem na Taça Jules Rimet papel de fundamental importância. Sua conquista afasta do homem brasileiro o complexo de vira-latas. Ele mostra como o nosso planeta fica pasmado em cada conquista da Taça Jules Rimet pela Seleção Brasileira, em 1958, 1962 e 1970. O autor de “A Dama do Lotação” criou expressões interessantes, o óbvio ululante, a pátria em chuteiras, e o personagem Sobrenatural do Almeida, para explicar a derrota de um time grande por um pequeno. Afirmava que o vídeo tape era burro, criticava a frieza da televisão como a dos idiotas da objetividade.

De jeito simples, João Saldanha coloca nas crônicas e comentários informações importantes sobre o mundo da bola. Enfoca os “subterrâneos do futebol” com o seu calendário desordenado, denuncia o marketing excessivo, as partidas milionárias e as jogadas dos cartolas em prejuízo dos clubes. Escreve, fala e brada como um torcedor qualquer. Cria também expressões que acompanham o ritmo espontâneo de sua fala como num bate-papo enriquecedor. “A vaca vai pro brejo”, “mostrar o mapa da mina”, “entregar o ouro aos bandidos”, “estar no bagaço”, “zona do agrião”, “ir para o vinagre”, “coelhinho de desenho animado” e tantas outras que entraram em definitivo para o vocabulário do nosso futebol.

Em Armando Nogueira sabe-se que “ para entender a alma do brasileiro é preciso surpreendê-lo no instante do gol”. Para o cronista poeta, “a bola rola para todos, mas só dá bola para alguns.” Essas referências de toque admirável, como “se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”, ou “jogador comum vê a jogada, o craque antevê”, encontram-se tão simplesmente no autor de A Ginga e o Jogo como belezas e delícias que o futebol inspira. Nele a escrita da crônica esportiva emerge como fatura exemplar do texto permeado com a metáfora. Esplende a estética do belo casado com a palavra, a crônica assim tem várias vezes um sabor de obra-prima. O cronista sabe que as palavras nascem para encantar com um toque refinado, íntimo da bola.

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