ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.3.15

A MAGIA DAS ESCADARIAS

Texto de J. Carino com fotos de escadarias cariocas do editor do blog.

Escadaria da Igreja da Penha


Escadaria (tombada pelo município) da Rua Costa Barros, Morro do Livramento

Para mim, as escadarias têm uma espécie de magia. Sempre que me aproximo de uma, fico tentando a decifrar essa dimensão mágica, que tem a ver com a dimensão ascensional.

Ascender, subir, elevar-se – palavras que se associam a redenção, sucesso, vitória: ascender aos céus, subir na vida, elevar-se por seus próprios méritos.

Nossas simples escadas domésticas, ou mesmo as escadas utilitárias dos profissionais - como os pedreiros, pintores, ou todos os que se utilizam desses instrumentos de subir - essas não têm a tal magia; não nos escondem nada, não ameaçam nos surpreender de repente com algo inusitado. Cumprem sua missão de nos elevar do chão, e pronto.

Escadas de acesso à parte nordeste do Salgueiro (Tijuca)

Escadaria de acesso ao Morro do Cruz (Andaraí)

Escadinhas no "Arvrão" (Vidigal)

Já as escadarias parecem sempre nos remeter a uma dimensão transcendental, e mágica. Lembremos, por exemplo, das escadarias imensas de templos localizados em morros ou colinas. Quando chegamos ao pé delas, e olhamos para cima, vemos aquela grande quantidade de degraus posicionados à nossa espera, como um desafio. E já sentimos a sensação de que, ao final, existe algo a descobrir, depois que vencermos a dificuldade de ascensão, com nosso coração cansado do esforço e nossa respiração ofegante, na tentativa de recuperar rapidamente o fôlego. Lá, no termo da subida, haverá uma recompensa, a dádiva imaterial dos que subiram mantendo sua fé.

Mas, mesmo as escadarias leigas nos apresentam essa magia. Nas cidades em que há escadarias, parece que existe sempre alguma coisa que nos espera para além delas, algo que jamais conseguiremos atingir, mesmo tendo chegado ao cimo da longa escada.

Reparem que há sempre magia nessas cidades cheias de ruas íngremes e cobertas de escadarias.

Quando as percorremos, aí pelo Brasil, as cidades coloniais nos apresentam suas escadarias, acompanhando, completando ou cruzando as ladeiras. Parecem sentinelas ordenadas, espiando-nos de uma outra dimensão, como a lembrar-nos, a cada passo, dos esforços exigidos de muitos, desde muitos séculos.

Pedra do Sal, encosta do Morro da Conceição

Largo João da Baiana, encosta do Morro da Conceição. A "escadaria" atrás é grafitada.

Quando chegamos ao alto de uma dessas escadarias, seria natural uma sensação de triunfo, uma espécie de orgulho, ou mesmo uma certa arrogância advinda do sucesso. Olhar de cima é uma metáfora geralmente transformada na realidade, nua e crua, da dominação de uns sobre outros, dos poderosos sobre os fracos, dos ricos sobre os pobres, dos que mandam sobre os que devem obedecer.

Eu, curiosamente, quando subo, lentamente, uma dessas escadarias, e chego ao seu término, lá no alto, sinto-me um pouquinho mais humilde, menos pretensioso. É como se o esforço e a dificuldade vencidos purgassem, ainda que minimamente, minhas possíveis pretensões de ser maior, ou melhor, ou mais poderoso.

Já na descida não vejo magia nas escadarias. Tudo se reduz ao ato simples de descer, mesmo quando envolvido numa paisagem cativante. Talvez porque, descendo, podemos reduzir quaisquer pretensões à real condição em que todos vivemos: cá embaixo, no mesmo nível, igualados tanto na possibilidade de subir quanto na inevitável condição de, um dia, ter de descer.

Claro, meu prezado leitor, que não resisto a utilizar as escadarias em sua imagem usual: a de metáforas da vida, no seu sobe e desce constante e inexorável. Mesmo nossa vida orgânica é isto: do nascimento como base da escadaria, passando pelo ponto mais alto, no vigor da juventude e da maturidade, depois descendo, na direção da velhice, até voltar à base, representada pela morte.

Independentemente da magia que vejo nelas, acho as escadarias lindas, e sempre rendo uma homenagem muda a essa maravilhosa invenção, desde que foram escavadas nas rochas ou em troncos, com esses degraus que nos permitem ascender ou descer.

Os degraus de uma escadaria, com sua beleza simples e ordenada, guardam em si marcas indeléveis dos passos que nelas subiram. Num dia calmo, num momento mais silencioso do dia, talvez seja possível até ouvir o ruído de tais passos, que já subiram, desceram e para sempre se perderam nas escadarias do tempo vivido.



Escadaria da Rua Andrés Belo que sobe da Glória a Santa Teresa (cenário do conto "O Morto" do meu livro Édipo)

Escadaria Selaron (Lapa)

Escadaria da Praça Pio XI (bairro Jardim Botânico)

Degraus & calçamento pé-de-moleque (Santa Teresa)

Morro da Providência

Mesma escadaria de acesso ao Morro da Providência agora pintada de rosa e com a letra da canção Aluga-se ("Nós não vamos pagar nada...") de Raul Seixas

Comunidade Santa Marta (Botafogo)

Escadaria de acesso ao Morro dos Cabritos, decorada com ladrilhos pelo rapper americano Don Blanquito (Copacabana)

Escadinha "patriótica" perto da Igreja de São Francisco da Prainha, acesso ao Morro da Conceição

Escadaria com azulejos na lateral da Igreja de Santa Edwiges (São Cristóvão)

Escadinhas no Morro da Vendinha, Barra de Guaratiba

J. CARINO é professor universitário aposentado, consultor e escritor. Está no Facebook. Para ler outras crônicas suas, compre seu livro Olhando a Cidade e Outros Olhares.

6 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela inserção de minha crônica. Aliás, ficou ótima com as ilustrações feitas com fotos de escadarias.
Parabéns pelo ótimo blog.
Cordial abraço.

Carino

Beto disse...

Ivo, adorei seu blog e me inspirei para querer conhecer as belezas do Rio! Estarei na cidade maravilhosa mês que vem, mas como estarei ocupado com os eventos acadêmicos de que participo, acho que só terei as noites livre, você tem algum passeio cultural/paisagístico a recomendar? EscrSe puder, entre em contato (erasmorm@hotmail.com). Valeu, e parabéns pelo blog!

Ivo Korytowski disse...

Beto, eu recomendaria uma subida ao Pão de Açúcar ao final da tarde para ver as luzes se acendendo por todo o Rio de Janeiro, o pôr do sol no Arpoador e os Roteiros Noturnos pelo Centro do Rio a Pé organizados pelo Instituto de Geografia da UERJ e que costumo divulgar neste blog.

Anônimo disse...

Nunca pensei que pudesse encontra tanta poesia nas escadarias! Obrigada! :)

Alexandra Lopes
www.madamelivro.conhecedores.com

Danita disse...

Adorei as escadarias. Ivo, queria te convidar para ir sábado dia 17/09 na Estação das Letras no Flamengo, para o coquetel de lançamento do livro de contos A MEDIDA DE TODAS AS COISAS. 15 autores de várias cidades do Brasil, apaixonados pelo Rio de Janeiro. Fazemos questão da sua presença. www.estacaodasletras.com.br

Anônimo disse...

Morei dos 6 aos 17 anos na escadaria da Rua Costa Barros no Morro do Livramento... Hoje tenho 58 anos e nessa época estudava no Colégio Pedro ll e subia e descia os 365 degraus todos os dias. Morro de saudades das imagens da minha infância. Depois fui ser aeromoça por 30 anos e continuei subindo e descendo, rodei o mundo mas a visão dessas escadas me encanta, me toca o coração e sinto muito a falta das ruas diferentes dalí daquela área dos Morros do Livramento, da Conceição. Cresci alí me divertindo nas festinhas de Igreja, das festas de rua. Época que se respeitavam as crianças... Agradeço Muito !!