Zuenir Ventura
A estratégia de invadir favelas para recuperar uma pistola e dez fuzis roubados de um quartel militar pode, na melhor das hipóteses, demonstrar aos bandidos que quando se trata do Exército o crime não compensa. Depois dessa asfixia, os traficantes vão pensar duas vezes antes de invadir estabelecimentos das Forças Armadas para roubar armamentos. É possível até que recebam uma ordem de Bangu para devolver as armas, pois a guerra atrapalha o comércio de drogas.
Do ponto de vista do Exército, nada mais justo do que, além de resgatar as armas roubadas, ele queira recuperar a auto-estima e revidar o ultraje. Do ponto de vista da sociedade, porém, cabe perguntar se terá valido a pena uma mobilização dessa envergadura para mais uma operação enxuga-gelo. Se essa invasão for provisória, como foram todas as anteriores, se não se transformar em ocupação permanente, planejada, seu efeito sobre a criminalidade será passageiro. Já vimos esse filme duas vezes em 2004 (por ocasião de assaltos idênticos), e o final ensinou que em lugar de correr atrás do prejuízo o melhor teria sido proteger o patrimônio — evitar o roubo em vez de reprimi-lo.
Para os que em criança, quando nossos Pracinhas lutavam contra o nazismo na Itália, cantávamos na escola a “Canção do Exército” (“Nós somos da Pátria a guarda/Fiéis soldados,/Por ela amados...”), o que mais inquieta no presente é perceber como estão vulneráveis os depósitos de armamento e munição do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, justamente as instituições que são ou deveriam ser guardiões da segurança nacional e da inviolabilidade de nosso território.
Um levantamento realizado por técnicos da Polícia Civil e pesquisadores do Iser concluiu que, das 86.849 armas apreendidas com bandidos entre 1999 e 2005 no estado do Rio e registradas na Delegacia Legal, mais de 8.000 (cerca de 10%) haviam sido desviadas das polícias e das Forças Armadas. Não existem dados sobre os desvios de munição, mas se presume que sejam mais freqüentes.
Assim, apropriar-se por furto ou roubo de material de uso privativo dos militares tem sido uma prática constante. Se o assalto de agora chamou a atenção foi por causa do acinte com que os sete bandidos, usando tática de guerrilha, invadiram o quartel e, mesmo no escuro, chegaram ao depósito de armas, depois de agredir e humilhar os soldados de plantão.
É preocupante constatar que a instituição que é “da Pátria a guarda” não consegue guardar seus próprios bens e propriedades. Nada mais vital para a segurança das Forças Armadas, ou seja, para a segurança do país, do que o controle dos estoques e a proteção de seus arsenais e paióis.
Artigo publicado no jornal O Globo de hoje. Zuenir Ventura é autor, entre outros livros, de Cidade Partida, de onde retiramos esta citação: "Enquanto dos morros só se ouviam os sons do samba, parecia não haver problema. Mas agora se ouvem os tiros. Não se trata de uma guerra civil, como às vezes se pensa, mas de uma guerra pós-moderna, econômica, que depende das artes bélicas mas também das leis do mercado, é um tipo de comércio. Por isso não há solução mágica à vista." (pág. 14). O livro foi lançado em 1994. Mais de uma década depois, continua atual.
A estratégia de invadir favelas para recuperar uma pistola e dez fuzis roubados de um quartel militar pode, na melhor das hipóteses, demonstrar aos bandidos que quando se trata do Exército o crime não compensa. Depois dessa asfixia, os traficantes vão pensar duas vezes antes de invadir estabelecimentos das Forças Armadas para roubar armamentos. É possível até que recebam uma ordem de Bangu para devolver as armas, pois a guerra atrapalha o comércio de drogas.
Do ponto de vista do Exército, nada mais justo do que, além de resgatar as armas roubadas, ele queira recuperar a auto-estima e revidar o ultraje. Do ponto de vista da sociedade, porém, cabe perguntar se terá valido a pena uma mobilização dessa envergadura para mais uma operação enxuga-gelo. Se essa invasão for provisória, como foram todas as anteriores, se não se transformar em ocupação permanente, planejada, seu efeito sobre a criminalidade será passageiro. Já vimos esse filme duas vezes em 2004 (por ocasião de assaltos idênticos), e o final ensinou que em lugar de correr atrás do prejuízo o melhor teria sido proteger o patrimônio — evitar o roubo em vez de reprimi-lo.
Para os que em criança, quando nossos Pracinhas lutavam contra o nazismo na Itália, cantávamos na escola a “Canção do Exército” (“Nós somos da Pátria a guarda/Fiéis soldados,/Por ela amados...”), o que mais inquieta no presente é perceber como estão vulneráveis os depósitos de armamento e munição do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, justamente as instituições que são ou deveriam ser guardiões da segurança nacional e da inviolabilidade de nosso território.
Um levantamento realizado por técnicos da Polícia Civil e pesquisadores do Iser concluiu que, das 86.849 armas apreendidas com bandidos entre 1999 e 2005 no estado do Rio e registradas na Delegacia Legal, mais de 8.000 (cerca de 10%) haviam sido desviadas das polícias e das Forças Armadas. Não existem dados sobre os desvios de munição, mas se presume que sejam mais freqüentes.
Assim, apropriar-se por furto ou roubo de material de uso privativo dos militares tem sido uma prática constante. Se o assalto de agora chamou a atenção foi por causa do acinte com que os sete bandidos, usando tática de guerrilha, invadiram o quartel e, mesmo no escuro, chegaram ao depósito de armas, depois de agredir e humilhar os soldados de plantão.
É preocupante constatar que a instituição que é “da Pátria a guarda” não consegue guardar seus próprios bens e propriedades. Nada mais vital para a segurança das Forças Armadas, ou seja, para a segurança do país, do que o controle dos estoques e a proteção de seus arsenais e paióis.
Artigo publicado no jornal O Globo de hoje. Zuenir Ventura é autor, entre outros livros, de Cidade Partida, de onde retiramos esta citação: "Enquanto dos morros só se ouviam os sons do samba, parecia não haver problema. Mas agora se ouvem os tiros. Não se trata de uma guerra civil, como às vezes se pensa, mas de uma guerra pós-moderna, econômica, que depende das artes bélicas mas também das leis do mercado, é um tipo de comércio. Por isso não há solução mágica à vista." (pág. 14). O livro foi lançado em 1994. Mais de uma década depois, continua atual.
4 comentários:
Fico sem palavras, Ivo. Parece tão desanimador, tão sem esperança. Mas solução há. Até escrevi sobre isso há uns dias - sobre como resolveram uma situação de crime que tb parecia incontrolável em NYork. Ali tudo começou com a vontade e competência do prefeito R. Guiliani e do Delegado, W. Bratton. Será que temos candidatos ao cargo que se qualifiquem assim?
estou novamente por aqui, ivo... o blog está cada vez melhor. abração.
antonio naud júnior
Lamentável... Será q a gripe aviária resolve o problema? A natureza se encarregando de 'limpar' o mundo que vivemos a destruir. Quero sua opinião a respeito Ivo, passa no BOB.
Abraço!
Muito apropriado o texto de Zuenir Ventura!Mais uma vez, parabéns, Ivo, pela escolha ! ! !
Também li o impressionante corajoso imprescindível livro Cidade Partida há uns sete anos, quando lecionava no Município e recomendava a meus colegas de Literatura do segundo grau. Muito me espantava o fato de pouquíssimos conhecerem e lerem certas obras fundamentais (como o livro citado), quando se inqüire sobre O PROBLEMA. Engraçado, depois, a desinformação, o logro,a lamentação! Claro! ignorando-se o debate, a vontade PRIORITÁRIA de mudar-se o "status quo"...
Mas não perco a esperança. Enquanto houver Zuenir, Fritz Utzeri, Emir Sader e outros dispostos a ir até o fim, peço a Deus mais de cem, como deu ao nosso BARBOSA LIMA SOBRINHO. Pra que não morramos dessa vergonha !
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