UM POUQUINHO DA HISTÓRIA DA LAPA
É a mais antiga e a mais tradicional área de boemia da cidade. Tornou-se famosa, no início do século XX, por sua atmosfera de transgressão aos costumes e por seus "malandros", uma mistura curiosa de marginalidade, pobreza e samba.
Permaneceu isolada e despovoada até o século XVIII, principalmente porque abrigava a Lagoa do Boqueirão, local do atual Passeio Público, que a tornava a região mais insalubre da cidade. Mesmo assim, escassamente povoada, era o principal acesso para a Zona Sul do Rio de Janeiro, caminho para o Engenho D’El Rei, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas e, também, mais tarde, para a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Esse caminho passava pelas margens da Lagoa do Boqueirão e pela Praia das Areias de Espanha, um pequeno areal entre a lagoa e os morros do Desterro, atual Santa Teresa, e das Mangueiras, arrasado. Foi a origem das Ruas do Passeio, da Lapa e Visconde de Maranguape. A região permitia também o acesso à região dos atuais bairros do Catumbi, Rio Comprido, São Cristóvão e Engenho Velho, na Zona Norte, através da atual Rua do Riachuelo, então Mata Cavalos, por ser um grande lameiro, conseqüência das enxurradas que desciam dos morros.
O aterro da Lagoa do Boqueirão, no século XVIII, determinou o início da ocupação mais intensa da área. Como parte deste processo, Gomes Freire de Andrade promoveu a construção dos Arcos da Lapa, imponente construção em pedra e argamassa, em estilo romano, a obra mais monumental do Rio de Janeiro durante a época colonial.
Em 1751, junto à Praia das Areais de Espanha, foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Desterro (foto acima) e, a seu lado, um seminário. As construções ficavam de costas para o mar e o largo em frente recebeu denominações diferentes, em função das instituições. [...] Mais tarde, passou a ser o Largo da Lapa, por causa da igreja.
Extraído do Guia Michelin do Rio de Janeiro (primeira edição)
O carioca às vezes se cansa do abandono a que é relegado pelo poder público e sai de seus cuidados para reinventar a si próprio ou à cidade. Foi assim que, de dez anos para cá, sem um centavo oficial, ele salvou a Lapa da morte a que ela fora condenada pelo desprezo de várias gerações de administradores e transformou-a no que é hoje: o bairro mais vivo e vibrante do Rio.
Às 10 da noite, às 2 da madrugada ou, pelo que escuto dizer, às 6 da matina, o movimento é igual: a avenida Mem de Sá e as ruas do Lavradio e do Riachuelo duras de gente, com tudo funcionando - bares, restaurantes, gafieiras, casas de shows, templos de sinuca. Seu público tem gente de todas as origens, classes sociais, cores e sexos. É de novo a Copacabana dos anos 50, exceto que com chope, jeans e shortinhos em vez de uísque, gravata e decotes, samba no lugar do fox e Teresa Cristina no de Dolores Duran.
Trecho da crônica "A Última do Carioca", de Ruy Castro
TRECHOS DA HISTÓRICA ENTREVISTA DE
MADAME SATÃ AO PASQUIM No. 95 em maio de 1971
O painel acima, na rua lateral à Sala Cecília Meireles, mostra, da esquerda para a direita, João do Rio, Rosinha, Villa Lobos, Noel Rosa, Manuel Bandeira, Madame Satã (no alto), Portinari, Di Cavalcanti.
Sérgio Cabral — Eu sempre ouvi falar, desde garotinho, quando eu ia passear na Lapa e falavam comigo: cuidado que o Madame Satã vai te pegar.
SATÃ — Conversa fiada, eu não era tão tarado assim.
Millôr — A Lapa foi durante muito tempo um centro de boemia. Você conheceu gente famosa, além dos marginais?
SATÃ — Fui amicíssimo do Chico Alves, fiz muitas serenatas com ele, Noel Rosa, Orlando Silva, Vicente Celestino.
Chico Júnior — Quem é que te deu esse apelido de Madame Satã?
SATÃ — Esse apelido de Madame Satã ganhei em 1938, no Bloco Caçador de Veados (...).
Sérgio — Mas você era caçado ou caçador?
SATÃ — Eu era caçador.
Chico — Mas conta a história do apelido.
SATÃ — Bem, havia o baile de carnaval e o concurso. Então eu me exibi com a fantasia de Madame Satã no Teatro República e ganhei o primeiro lugar.
(...)
Fortuna— Qual é a sua concepção da Lapa de hoje?
SATÃ — Olha, enquanto eu for vivo a Lapa não morrerá.
CANÇÃO DE CRIANÇA
Adriana Montenegro
Sete anjos me beijaram
esta noite, na Lapa.
Sete vezes sete bocas
sibilantes
tocaram minh’alma
em sete repartiram
o pão da minha fome.
Sete rostos descarnados
e um pão.
Sete e sete setecentos
tantas vezes sete vezes
(não sei que reza
ou multiplicação)
um tiro
o chão.
Sete anjos, sorrindo
me pediram um trocado
e partiram, dependurados
nos bondes de sua agonia
de última viagem.
Do livro Pássara (Editora Aeroplano, 2004)
LAPA
Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.
Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.
Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.
Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)
19-9-2004
LÁZARO
Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.
De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.
Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.
Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.
Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.
21-9-2004
Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.
De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.
Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.
Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.
Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.
21-9-2004
TROTTOIR
Os homens vão e vêm na íris das putas
E nenhum pára.
Nenhum ouve suas vozes dissolutas
Nem as encara.
São inúteis as frases mais argutas
Ou sobre a cara
A tinta, o pó. E a vida, quantas lutas,
Como está cara!
Ao longe os filhos, os filhos das putas
Com ladrões, ou pinguços, ou recrutas,
Na noite avara
Dormem cingindo palhaços birutas,
Bonecas louras relesmente hirsutas
Que a lua aclara.
12-11-2004
Vinicius de Moraes
A Manuel Bandeira
Existia, e ainda existe
Um certo beco na Lapa
Onde assistia, não assiste
Um poeta no fundo triste
No alto de um apartamento
Como no alto de uma escarpa.
Em dias de minha vida
Em que me levava o vento
Como uma nave ferida
No cimo da escarpa erguida
Eu via uma luz discreta
Acender serenamente.
Era a ilha da amizade
Era o espírito do poeta
A buscar pela cidade
Minha louca mocidade.
Como uma nave ferida
Perambulando patética.
E eu ia e ascensionava
A grande espiral erguida
Onde o poeta me aguardava
E onde tudo me guardava
Contra a angústia do vazio
Que embaixo me consumia.
Um simples apartamento
Num pobre beco sombrio
Na Lapa, junto ao convento…
Porém, no meu pensamento
Era o farol da poesia
Brilhando serenamente.
(do livro Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, editado pela Companhia das Letras.)
Construído em alvenaria, o aqueduto, que levou cerca de meio século para ser concluído, apresenta duas fileiras superposas de arcos plenos. Trata-se de construção monumental, mas de aspecto simples, e caráter eminentemente funcional, que conduzia as águas do rio Carioca aos tanques e chafarizes que abasteciam a cidade. Em 1896 foi convertido em via para os bondes de Santa Teresa, quando se acrescentou um parapeito de alvenaria com pequenos arcos ogivais. Na década de 1960, foi demolido o casario apoiado em longo trecho do aqueduto, recuperando dessa forma o destaque do monumento na paisagem da cidade. Na mesma época, fecharam-se os arcos ogivais com vistas ao resgate da imagem colonial do monumento.
Extraído do livro Guia da arquitetura colonial, neoclássica e romântica no Rio de Janeiro.
Fotos do editor do blog. Esta é uma ampliação de uma postagem de 2005, uma das primeiras deste blog.
A Manuel Bandeira
Existia, e ainda existe
Um certo beco na Lapa
Onde assistia, não assiste
Um poeta no fundo triste
No alto de um apartamento
Como no alto de uma escarpa.
Em dias de minha vida
Em que me levava o vento
Como uma nave ferida
No cimo da escarpa erguida
Eu via uma luz discreta
Acender serenamente.
Era a ilha da amizade
Era o espírito do poeta
A buscar pela cidade
Minha louca mocidade.
Como uma nave ferida
Perambulando patética.
E eu ia e ascensionava
A grande espiral erguida
Onde o poeta me aguardava
E onde tudo me guardava
Contra a angústia do vazio
Que embaixo me consumia.
Um simples apartamento
Num pobre beco sombrio
Na Lapa, junto ao convento…
Porém, no meu pensamento
Era o farol da poesia
Brilhando serenamente.
(do livro Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, editado pela Companhia das Letras.)
Jorge Selarón (1947-2013) |
Aqueduto da Carioca (Arcos da Lapa)
Construído em alvenaria, o aqueduto, que levou cerca de meio século para ser concluído, apresenta duas fileiras superposas de arcos plenos. Trata-se de construção monumental, mas de aspecto simples, e caráter eminentemente funcional, que conduzia as águas do rio Carioca aos tanques e chafarizes que abasteciam a cidade. Em 1896 foi convertido em via para os bondes de Santa Teresa, quando se acrescentou um parapeito de alvenaria com pequenos arcos ogivais. Na década de 1960, foi demolido o casario apoiado em longo trecho do aqueduto, recuperando dessa forma o destaque do monumento na paisagem da cidade. Na mesma época, fecharam-se os arcos ogivais com vistas ao resgate da imagem colonial do monumento.
Extraído do livro Guia da arquitetura colonial, neoclássica e romântica no Rio de Janeiro.
15 comentários:
Oi Ivo tudo bem? Eu já morei na Lapa e conheci MADAME SATÃ, ele estava sempre no café colosso, esquina de rua da Lapa com Joaquin Silva, ele era bôa praça tinha muito mais fama do que verdadeiramente merecia, tomamos varios chopps, era um baita criolão, (palavra proibida).
Abraços,
Rossi
Salve,
Gostei muito, embora não tenha lido tudo por inteiro. Como sempre, o Rio é lindo, apesar de achar que é mais bonito visto daqui, a milhares de quilômetros de distância...pelo menos a propaganda assim nos adverte da insegurança reinante. De qualquer modo, não podemos esmorer e, assim, lutar (vocês mais que "nosostros") para recuperar o Rio de sempre: belo e acolhedor.
Boa semana,
Zacha
A Lapa é o berço da boemia, do Rio de Janeiro, onde se tomava cafezinho na mesa com todo requinte. Um simples cafezinho. Muitas histórias eu ouvi de me pai que ainda complementava que treinava o seu francês, dialogando com as prostitutas dos cabarés.
Beijos
Muito bom
Moira
Oi meu caro amigo escritor!
Achei maravilhoso seu novo cantinho e seus textos. Estou sempre te visitando. Realmente o nosso Rio de Janeiro continua lindo...Aliás, o Brasil é lindo apesar de carecas e barbudos.
Felicidades!
Da fã número um
Ótimo!
ADOREI SEU BLOGGER, AMO O RIO E A LAPA. VOLTAREI SEMPRE PARA CONFERIR AS HOMENAGENS. UM SUPER ABRACO.
Ivo,
muito legal seu blogg. Tu saberia me dizer onde consigo na íntriga a entrevista no Pasquim (do M. Satã)?
Abraço,
Melissa Mello
Melissa, obrigado por visitar o blog. Foi lançada recentemente uma antologia das melhores matérias dos Pasquins de 1969 a 1971. Dê uma folheada na livraria e veja se a entrevista de Madame Satã foi incluída. O livro está à venda também no Submarino, dê uma olhada lá.
A Lapa sempre será a Lapa!...
"Eu fui fazer um samba em homenagem/à nata da malandragem/que eu conheço de outros carnavais./Eu fui à Lapa e perdi a viagem/que aquela tal malandragem/já não existe mais."
(Chico Buarque, "Homenagem ao malandro")
Olá, parabens pelo blog ele é muito bem feito e bonito. na verdade, o rio é uma cidade linda e tantos rostos, tantas corpos, tantos desenhjos e melodias, tantas poesias e poetas, fazem parte de seu cenário que um espaço como este é louvável.
como trata-se de arte e rio de janeiro, quero convidar-lhe a visitar, se possivel, o meu blog Experimentando Versos, no qual estou divulgando o meu trabalho enquanto aprendiz de poeta escritor:
http://experimentandoversos.blogspot.com
um abraço, Jose
Não sei o que a esquerda quer; aliás tampouco sei o que a direita quer. Sei o que eu quero: jornalismo feito com qualidade, algo que jamais vi no Brasil (talvez tenha existido antes, não sei, sou jovem). Aliás, é sobre isso que escrevo no meu texto sobre o Nassif, onde não há uma única menção a esquerda, direita, governo, política ou nada disso. De direita ou de esquerda, eu gostaria muito de ver a qualidade de reportagem que encontro nos veículos americanos e europeus, por exemplo. É engraçado, mas de todos os comentários que recebi até agora, NENHUM fala de jornalismo, NENHUM comenta o que eu escrevi. Todos falam da Veja: ou falam mal ou falam bem. E olha que não é o tema do post...
Quanto a denúncias, nunca vi Veja fazer uma denúncia. Vi, sim, afirmações vagas, cheias de adjetivos grosseiros e insinuações que fazem lembrar Carlos Lacerda. Se Veja, ou algum outro veículo de imprensa, fizesse de fato DENÚNCIAS, a vida dos nossos governos seria bem mais difícil...
Quando vi seu blog fiquei apaixonada pelo post sobre a Lapa. Sou jornalista e tenho um blog que fala só sobre a Lapa (http://modernalaparetro.blogspot.com)
Quando der, dá uma passadinha por lá!
Bjoks, Roberta Mattoso.
Olá !
Parabéns pelo blogger.
Meu pai foi comerciante na rua da lapa 200 por mais de quarenta anos, abandonando já com 8o anos de idade, quando o alzeimer lhe vitimou. Ele sempre contava coisas deste lugar, das malandragens e figuras que se tornaram ícones do bairro, como Madame Satã.
Me chamava a atenção o estilo das casas e sobrados com ruas estreitas, e também os letreiros de luzes fortes e coloridas no alto dos edifícios, e também o relógio da Mesbla com seu som marcante. Boas recordações!! Abraços,
Carlos Mello
A Lapa é realmente maravilhosa! Eu conhecia muito pouco sobre o bairro, mas agora sim sei bastante.
Parabéns pelo blog.
Olá, pessoal! Boa noite!
Passando para divulgar / sugerir a vocês essa linda homenagem à nossa querida Lapa... Confiram no Link abaixo o Vídeo dessa linda canção : LAPA DE HOJE ( de: Rosana Mag ).
http://www.youtube.com/watch?v=j2hvFBnW3EE
Um forte abraço!
Tereh Santos
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