Enquanto os grandes cronistas literários da imprensa carioca têm sua memória preservada e suas obras reeditadas, o grande cronista paulistano pós-Alcântara Machado, Osvaldo Moles, praticamente caiu no esquecimento – sequer nome de rua virou. Eu mesmo só vim a descobri-lo ao ler a ótima biografia do Adoniram Barbosa escrita por Celso de Campos Jr. Além de cronista exímio, Osvaldo foi um colosso do rádio, em sua época de ouro, em que desempenhava o papel – informar, divertir, distrair – mais tarde assumido pela televisão. Osvaldo escrevia de tudo, esquetes humorísticos, programas culturais, e foi graças aos seus textos que Adoniram viveu uma grande fase como “ator” radiofônico antes de se celebrizar por seus sambas paulistanos "em linguajar popular" nos anos 1950.
Alberto Helena Jr., em seu prefácio à biografia de Adoniran Barbosa escrita por Celso de Campos Jr., assim descreve Osvaldo Moles: “ [...] um homem da renascença moderna, com traços de enciclopedista – pioneiro da publicidade eletrônica, radialista, poeta, roteirista de cinema e cronista maior da cidade, legítimo herdeiro de Mário de Andrade, Alcântara Machado e Juó Bananere.”
Aqui está uma crônica do Osvaldo publicada originalmente no Diário de Noite paulistano de 23/8/1949.
Olhar vitrinas pachorrentamente, domingueiramente, é bem um interesse, um divertimento de senhoras pobres que esperam a visita da cegonha, a única visita que pobre recebe com bolacha de água e sal. Mas, como dizíamos, espiar vitrinas, sonhar diante dos preços reduzidos pela época, é o tipo do cinema de gente sem dinheiro. Várias coisas constituem o cinema de pobre: – o bonde que passa cheio de pernas, o desenlace do trabalho nas fábricas e as vitrinas da cidade, aos domingos à noitinha.
A Rua Direita, por exemplo, já entendeu que a gente que vai lá aos domingos não é essa gente que as agências de publicidade chamam de “classe B” e de poder aquisitivo médio. Portanto, os comerciantes da Rua Direita fecham cedo suas vitrinas aos domingos, dando margem a mais um ditado das populações que invadem a rua nas noites de domingo:
– Nego num oia vitrina. Mastiga a escuridão.
Mas as da Rua Barão de Itapetininga estão abertas aos domingos à noite. E é para lá que correm os “marcianos”. Marciano é essa gente que quase nunca anda no centro da cidade e que só desce de Marte, o bairro distante, nos dias de exceção. É por isso que agora que o comércio anda apertado, nunca tanta gente olhou vitrina com tanta cobiça no olhar. Começaram a descer os preços, a cidade anda repleta de liquidações. E aqueles risquinhos que cortam os preços altos têm mais fascinação para as donas de casa do que toda a fantasia de Goethe.
É por isso que o velho Montesquieu acreditava na honestidade das massas. Não porque estas sejam cândidas, mas porque só o homem do povo tem o dom de acreditar e de fazer, com sua fé, um movimento que abale o mundo. Ainda se acredita nas liquidações, como ainda se acredita no jogo do bicho. E é essa crença da mulher gorda que leva o marido, a filharada, os cunhados, a família inteira ao centro da cidade, para devanear diante das vitrinas abarrotados de artigos liquidados “a qualquer custo, para reforma do prédio”.
Por sua vez, os comerciantes acham que a coisa vai mal... muito mal! Vai muito mal porque agora não é mais o tempo em que eles podiam ganhar mil por cento. Hoje em dia estão quase na miséria os comerciantes. Só conseguem arrancar um lucro de novecentos e cinquenta por cento.
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