CRÔNICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA VEJA SP DE 31 DE AGOSTO DE 2018. FOTOS DO EDITOR DO BLOG.
Começo pedindo desculpas aos fãs da Paulista Aberta — eu, entre eles —, mas a verdadeira cara de São Paulo se mostra todo domingo no Parque Ibirapuera. Vem gente de todo canto, figuras de todo tipo, com a certeza de que serão bem recebidas nas alamedas lotadas de bikes, cães, atletas e preguiçosos.
Não há modelitos a seguir, o à-vontade impera. Lá estamos entre feios e bonitos, gordos e magros, casais gays e crianças barulhentas, gringos e nativos. Tem de tudo, como sempre acontece em São Paulo.
Inaugurados em 1954, os 158 hectares do Parque Ibirapuera parecem insuficientes para receber todo mundo que cruza seus portões aos domingos. Só em 2017, foram 14 milhões de visitantes, um número que seguramente nem passava pela cabeça do então prefeito da cidade, José Pires do Rio, quando, nos anos 1920, ele chegou a ventilar a ideia de criar um espaço nos moldes dos parques europeus na área antigamente ocupada por uma tribo indígena. A ideia afundou nas partes alagadiças da região.
Foi só em 1927 que a coisa começou a pegar. Um funcionário da prefeitura chamado Manequinho Lopes — o que dá nome ao viveiro — passou a plantar eucaliptos na região, para “chupar” a água. Resumindo a ópera: a ideia ressurgiu e, quando a cidade comemorava seu quarto centenário, foi inaugurado o parque que conhecemos hoje.
Tenho certeza de que nenhum dos barulhentos skatistas que se exibem em manobras, às vezes geniais, outras vezes amadoras, sabe dessa história. Os casais de namorados, que embaralham pernas, braços e bocas nos gramados, também não pensam nisso. O que importa para eles é ter um espaço amplo e que possa ser chamado de seu, mesmo que por alguns breves rodopios e amassos.
A cidade respira e desfila no parque. Há quem vá para visitar os ótimos museus — o de Arte Moderna e o Afro Brasil, sempre com mostras atraentes, e o de Arte Contemporânea, que ocupa o antigo prédio do Detran, já fora do Ibira. Aliás, é do terraço dele que se tem uma vista linda do parque, vale a visita. Outros vão paquerar, fazer piquenique ou só bater perna.
Entre cerejeiras em flor e sabiás saltitantes, tudo é bacana e, ao mesmo tempo, caótico no domingão do Ibira. Outro dia — um domingo, claro —, encontrei a amiga Carla Jimenez, sentada extasiada diante do lago. “Como é bom ficar contemplando”, disse ela, que tinha ido a pé da Pompeia até lá. “A gente, às vezes, esquece de curtir a cidade.”
É claro que o domingo no parque não é uma amostra do paraíso. Se fosse, nem seria São Paulo. Tem banheiro cheio, faltam opções de lanche, alguns ciclistas acreditam que estão disputando medalha de ouro numa prova olímpica e de vez em quando dá trabalho convencer o dono daquele bloodhound de que seu pet é enorme e não merecia ser batizado de Pipoca.
O encontro e a convivência de universos tão disparatados é que dão o tom ao domingão. É a “cota de natureza”, que saboreamos antes de voltar à rotina dos ônibus lotados, trânsito lento e contas a pagar. O sabiá que saltitava poucos parágrafos acima continuará cantando em nossa memória por mais alguns dias, até que chegue outro domingo.
2 comentários:
Que beleza, mestre Ivo! As imagens estão maravilhosas e não nos permitirão esquecer a beleza do Ibirapuera. Por acaso, eu e meus colegas da FNA/UB de 1951/1955 o vimos em seu nascimento, na segunda Bienal. Foi minha segunda visita à Paulicéia. A primeira, em 1946, inesquecível, ainda pude ver uma paulicéia não tão desvairada, com o sotaque italianado do Brás e adjacências... Pela primeira vez provei uma banda de pizza, modesta fatia que sobrava de um prato de sobremesa... Parabéns pela escolha do texto.
Abração do HB
Hum... Me senti em pleno Ibirapuera. Papel de Roça = Sheila Castello.
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