Em 1884, retornando de uma viagem à Argentina que resultou na obra Sull'oceano (sobre a qual fiz uma postagem no meu outro blog, o Sopa no Mel, que você pode acessar aqui), o escritor italiano Edmondo de Amicis, mais conhecido por seu clássico Coração, fez uma breve escala no porto do Rio de Janeiro, mas somente dezoito anos depois (1902) veio a escrever um artigo sobre a cidade, publicado no suplemento La Lettera do jornal milanês Corriere della Sera. O artigo foi incluído como "bônus" na edição brasileira do livro citado, intitulada Em Alto-Mar, publicada em 2017 pela Nova Alexandria em coedição com o Istituto Italiano di Cultura, com tradução, curadoria e notas de Adriana Marcolini. Em seguida, alguns trechos do artigo de De Amicis. Observe que esta talvez seja a primeira vez em que se faz alusão à cidade como "maravilhosa" numa crônica. As três fotos de Marc Ferrez de 1890, obtidas na Biblioteca Nacional Digital, dão uma ideia de como teria sido a cidade na época em que De Amicis a visitou.
– Por que o senhor nunca escreveu nada sobre o Rio de Janeiro?
Esta pergunta me foi feita uma centena de vezes durante os dezoito anos que se passaram desde que fui ao Brasil, e cem vezes dei sempre a mesma resposta pronta, tal como fazem os deputados quando conversam com os eleitores: – Porque fiquei apenas três dias, quando o Sírio, o navio em que viajei de Buenos Aires para Gênova, fez uma escala no porto da cidade. Amigos bondosos se desdobraram para me mostrar tudo, levando-me para todos os lados de carruagem, de bonde e em via férrea, desde cedo até a noite, como alguém que quisessem salvar da caça de uma banda de credores; vi muito, mas vi tudo correndo, afobado e com os olhos ofuscados pelo cansaço, de forma que me esqueci de muitas coisas, e de outras só tenho uma vaga lembrança, e até das imagens que se mantiveram mais vivas tenho lacunas obscuras, sobre as quais mesmo se reflito longamente nunca consegui captar uma mínima recordação. O que poderia escrever? Seria como descrever um sonho.
A esta resposta de sempre, poucos dias atrás, um intrépido italiano, que recentemente voltou do Brasil para Itália, rebateu sagazmente: – Mas o senhor não se sente tentado a fazer a descrição de uma cidade maravilhosa, onde permaneceu somente poucas horas, e da qual se lembra apenas como um sonho?
– Eis aí uma ideia – pensei.
E aquela ideia colocou-me a pena na mão e pregou-me à escrivaninha.
Mas eis uma lacuna da memória justamente bem no começo, no momento em que o Sírio, em uma esplêndida manhã de junho, ainda balançava no porto do Rio de Janeiro. [...] O mensageiro bem-vindo estava no meio de muitos italianos queridos: lembro-me do nome de alguns, mas não me lembro da fisionomia de nenhum deles. E não me recordo nem mesmo como desembarquei, com quem subi na carruagem, o que vi nas ruas que percorri para ir a Botafogo, o bairro da aristocracia e dos diplomatas, onde me esperava o secretário da legação italiana [...] Lembro-me só de um detalhe daquele trajeto: a forte tentação, vencida com muito sofrimento, de pular da carruagem quando passamos por uma feira de frutas. Ah, que atração mágica, aquelas frutas tropicais grandes, de formas e cores desconhecidas! Eu me esqueci dos bairros, dos monumentos, dos personagens ilustres, mas ainda tenho diante dos olhos, em meio às vendedoras de frutas negras e mulatas, agachadas no chão, entre as pilhas de abacaxis e de bananas douradas e prateadas, aquelas frutas misteriosas que se parecem com pinhas verdes, com bolas douradas, com tomates em forma de fuso, com abóboras metálicas, algumas das quais, cortadas ao meio, revelavam uma cremosidade branca e rosada e prometiam sabores extraordinários.
Que ruas terei eu subido para chegar ao morro da Tijuca, o famoso belvedere da Baía, o passeio clássico do Rio de Janeiro? Parece-me agora que a carruagem puxada por quatro burros, na qual, se não me equivoco, estavam comigo o cônsul Glória, o valoroso Jannuzzi e o gentil farmacêutico Foglia, tenha chegado lá em cima como uma bola voadora através da neblina. Recordo apenas do último trecho do longuíssimo trajeto, pelas vielas de um parque encantador, ladeadas por uma vegetação soberba, entre as quais despontavam samambaias gigantescas elegantemente esbeltas que tinham a forma de guarda-chuvas e uma admirável tonalidade verde-clara, onde, com breves intervalos, a carruagem passava rente a solitários cidadãos brasileiros que estavam ali pacientemente à espera da graciosa presa, com o rosto voltado para o alto e segurando a rede para caçar borboletas, em pose de filósofos armados.
Sim, Mantegazza tinha razão quando me escreveu: – Queira me desculpar, mas o Rio de Janeiro é mais bonito que Constantinopla. Não é que a cidade seja mais bonita, mas sim o lugar, as águas, toda a natureza que a circunda. Oh, não há comparação!
O que dizer da cidade do Rio de Janeiro? Quem a definiu melhor comparou-a a um polvo imenso, que tem a cabeça na pequena cidade original de São Sebastião – implantada entre duas colinas à beira da baía, todavia quase intacta; cheia de ruas estreitíssimas e em linha reta, de aspecto antigo, embora ainda não tenha quatro séculos – e avança para o mar; seus infinitos tentáculos, formados por fileiras de bairros cujas extremidades têm entre si uma distância maior do que de uma ponta à outra de Londres, enfiam-se por aqui e ali, em volta de lagoas e curvas, subindo morros, entrando por vales, adentrando em extensas planícies. Percorri intermináveis trajetos de carruagem entre os mais distantes pontos. Meu cicerone anunciava de vez em quando o nome de um novo bairro, e me indicava uma vista diferente das ilhas, da outra margem da baía, e das montanhas que a circundam. Mas como lembrar-se daquele monte de nomes portugueses e indígenas, daquela grande variedade de panoramas admiráveis, de tantas passagens de um bairro deserto para outro cheio de vida, de um porto para um parque, da planície para a altitude? Às vezes parecia que a cidade tivesse acabado, mas pouco depois recomeçava. Às residências carregadas dos primeiros construtores portugueses seguem-se as casas de campo surgidas há pouco, que dão ostensivamente para os jardins como para tomar grandes goles de ar.
Todas as minhas lembranças do Rio de Janeiro brilham de verde: admita-se a metáfora de mau gosto. Revejo em pensamento que, para além de qualquer coisa, o mais bonito é a vegetação opulenta, ostensiva, dominadora, e vem-me à mente a imagem de pobreza, aquela que, mesmo esquálida, também confere beleza e alegria às cidades dos nossos países. As árvores brotam do empedrado das ruas assim como na Itália os tufos de grama surgem dos velhos muros, obstinados em viver a qualquer custo, nas condições mais adversas para a vida; dos muros dos jardins despencam ramos floridos, cabeleiras esverdeadas, guirlandas e cascatinhas de folhagens e flores; por todos os lados abrem-se jardins cheios de todo tipo de samambaias, orquídeas, bromélias, bananeiras com folhas grandes, exuberantes e carregadas que parecem competir com o espaço e a luz e querer dominar as casas. A maioria das praças é palco de jardins deslumbrantes, onde as árvores gigantescas, com troncos estranhos e folhagens graciosas são tão densas, disformes e de aspecto tão diverso, com tons tão diferentes de verde que o olho se cansa até de vê-las pouco, e quase tem uma sensação de ofuscamento, como se estivesse diante de um espetáculo em constante mutação.
Sim, sem dúvida, subi no topo do Corcovado, o glorioso morro corcunda que forma a cabeça de um Gigante deitado; do qual o não menos celebrado Pão de Açúcar representa os pés unidos, que despontam do mar. [...] Visitei o admirável Jardim Botânico, nas proximidades da Lagoa Rodrigo de Freitas, mas com exceção da grande alameda das Palmeiras gigantes, famosa na América tal como o pinheiral de Ravenna na Europa, e de um copo de cerveja que engoli quando senti uma sede enorme, não tenho mais nenhum rastro na memória.
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