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E.F.C.B. (Estrada de Ferro Central do Brasil) Realengo 1937 |
Duas semanas depois de minha aventura em Bangu (postagem anterior), resolvi
repetir o teste do trem expresso, agora até as antigas terras realengas, as
terras de serventia pública pertencentes à Coroa. Desta vez o trem saiu londrinamente
no horário marcado no quadro eletrônico e as viagens (Central-Realengo, Padre
Miguel-Central) duraram 41 minutos cada, uma ótima marca. Pontos para a Supervia!
Assim como administrações recentes construíram a Cidade do
Samba e a Cidade da Polícia, parece que os primeiros governos republicanos se
empenharam em erguer uma espécie de “Cidade do Exército” nos (naquela época)
descampados pós-suburbanos a partir de Deodoro. De fato, as instalações
militares são um oásis de "capricho", “limpeza”, boa arquitetura,
“ordem e progresso” em meio a uma região que, ocupada por populações de
média-baixa e baixa renda, sofre certo “desordenamento urbano”. Ao passar de
trem por essas instalações militares de “Primeiro
Mundo” a gente até entende a “ideologia tenentista” de que o glorioso exército, uma vez ascendendo ao poder,
poria ordem na casa brasileira. Não foi bem assim.
Dito isso, seguem as fotos de meu périplo por Realengo/Padre
Miguel e trecho do livro de Brasil Gerson, História das ruas do Rio,
alusivos aos referidos bairros (pp. 405-6).
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Coreto da Praça do Canhão (Campo de Marte). "Com inspiração romântica, tem planta octogonal, assentado sobre balaustrada." (Guia do patrimônio cultural carioca) |
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Colégio Pedro II de Realengo |
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Escola Militar do Realengo: Grupamento de Unidades Escola e 9a Brigada de Infantaria Motorizada. A Escola propriamente dita foi transferida para as Resende. |
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Antigas instalações militares em Realengo do final do século XIX com elementos neoclássicos (as colunas e o desenho simétrico). |
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Cine Theatro Realengo, atual Igreja Internacional da Graça de Deus em estilo art déco, de 1938. "Possui composição arquitetônica simples, em linhas retas, com formas geométricas articuladas e ausência de elementos decorativos." Guia do Patrimônio Cultural Carioca |
Não
são poucos (e alguns de alta categoria intelectual) os que pretendem ver em
Realengo um diminutivo, uma abreviação de Real Engenho. Porem o manuseio dos
documentos antigos, dos pedidos de sesmarias, principalmente, nos convencerá de
que essa é uma teoria sem fundamento nesse particular, tal a insistência com
que neles se fala de terrenos e campos realengos, destinados à serventia
pública, e em maior número para a pastagem do gado por parte dos que não
possuíam para isso terras próprias, e esses campos eram tanto onde ficaria
sendo o Realengo dos nossos dias como perto da igreja de Irajá, onde (como
vimos na historia do Recôncavo) já os antepassados do Juca Lobo da Penha e
outros criadores haviam protestado por causa de uma sesmaria dada a Manuel da
Costa Figueiredo "em terras que não podiam deixar de ser realengas"
...
A
Igreja de N. S. da Conceição, de que era vigário Monsenhor Turíbio Villanueva
Segura, na verdade nasceu pequenina à beira da Estrada Real de Santa Cruz, e
para cuidar dela os seus moradores (criadores, tropeiros, roceiros, lenhadores)
fundaram uma Irmandade ainda na segunda metade do Setecentismo, que é também de
onde vem, talhada em madeira em Portugal, a imagem da Virgem guardada
cuidadosamente num nicho na sua sacristia. Nos seus fundos havia um cemitério e
ao lado, no lugar da Escola Nicarágua, uma fonte de pedra e um marco, um pedaço
do qual Monsenhor salvou das demolições para colocá-lo à porta da sua casa
paroquial como recordação desses seus antanhos.
E
assim, pequenina, ainda a encontrou o Padre (e depois Monsenhor) Miguel Santa
Maria Mochon, vindo da França para ser no Sertão dos cariocas um missionário,
um catequizador tão abnegado e persistente que dele se deveria dizer que
reviveria entre nós os Anchietas, os Nóbregas dos começos da colonização.
Primeiro Vigário do Realengo, sua jurisdição se estendia até Ricardo e a
Anchieta e Pavuna no princípio do Novecentismo, e entre as Casas de Deus a cuja
construção se dedicou, logo figurou a atual da Conceição do Realengo, por ele
toda refeita e ampliada, e é nela, adequadamente, portanto, que descansam seus
restos.
É
da tradição oral do Realengo que nas suas viagens para Santa Cruz, D. Pedro I e
sua comitiva paravam na fonte de pedra da Igreja, para que seus cavalos
bebessem água, enquanto ele buscava sofregamente a magnífica pinga do vendeiro
que ficava defronte, famosa desde Campinho até Campo Grande...
Já
na segunda metade do Oitocentismo, e sob D. Pedro II, o Realengo se foi
convertendo em zona militar, nas terras logo chamadas do Governo — e daí nele a
Rua do Governo também. Toda a sua área à esquerda da estação seria o Campo de
Marte. O Exército instalou nele em 1859 a sua Escola de Tiro, num lugar
descrito como o melhor do mundo para esses exercícios, dada a ausência nele de
ventos que os prejudicassem. E a Imperial Academia Militar. E a seguir, num
edifício que começara a ser erguido no Império para um quartel, instalou-se a
Escola Preparatória e de Tática, ao extinguir-se a de tiro em 1897. E o 1o
Batalhão de Engenheiros. E em a 1898 a Fábrica de Cartuchos, que outra não era
senão o antigo Instituto Pirotécnico até então funcionando no Campinho, nos
limites de Cascadura e Jacarepaguá. E neste século, quando a Vila Militar
principiava a crescer bem perto, a Escola Militar famosa de outrora na Praia
Vermelha, e que tinha sido dissolvida no Governo Rodrigues Alves [...] — a
mesma famosa Escola (hoje Academia Militar de Agulhas Negras) que em 1922 de
novo se levantaria, e desta vez no Realengo, mas por outros motivos, e sob o
comando do Coronel Xavier de Brito, para lutar ao lado dos 18 do Forte, no primeiro
dos 5 de Julho que precederam a Revolução de 1930... (Brasil Gerson, História das ruas do Rio, 5a edição, pp. 405-6)
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Igreja de Nossa Senhora da Conceição de 1912 com traços neorromânicos (Realengo) |
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Antiga fonte de pedra da Estrada Real de Santa Cruz. É bem possível que tenha sido usada pelos cavalos da diligência diária que fazia o transporte de passageiros entre a Fazenda de Santa Cruz e o Palácio de São Cristóvão numa viagem de mais de cinco horas! Esta "bica imperial" foi recentemente tombada pela Prefeitura. |
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Sorria, você está em Padre Miguel! |
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Fiação |
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Horrores arquitetônicos |
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Vista da Estação Padre Miguel com a Paróquia Sagrado Coração de Jesus à direita. Fotos do editor do blog. |
3 comentários:
Caro Ivo, excelente matéria com belas fotos. Ninguém faz melhor do que você essas reportagens. Pensei em colocar algo nos "comentários", mas sempre acho complicado o sistema.
Uma sugestão para outras "reportagens". Onde morou o escritor/ músico, etc. Exemplo: Cruz e Sousa morou no Encantado, na rua Teixeira Pinto, 48, hoje rua Cruz e Sousa (a casa há muitos anos passara a n° 172 (talvez não exista mais). E assim outros escritores, artistas, compositores etc. (comentário enviado por e-mail e inserido aqui pelo editor do blog)
Belo trabalho, Ivo. Partilhamos o amor por nosso Rio, e adoro ver seu empenho. (enviado por e-mail)
Ivo,
há bastante tempo acompanho o seu blog e inclusive comprei mais de um livro seu. Veio trazer-me aqui em casa, no Flamengo. Não vejo mais a relação dos seguidores do blog. Havia inclusive uma foto minha lá.
Poderia dizer-me algo?
Abs
Jurema Ricardo dos Santos
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