Paulo da Mata-Machado Jr.
De todos os feitios, tamanhos e cores. Quando comecei a dar conta do mundo, enfiado em um imenso quintal suburbano do Rio de Janeiro, os velhos daqueles tempos deixavam bem claro que já não havia mais salvação. Bom tinha sido no tempo deles, eu jamais poderia ser feliz, pois os bondes não eram mais o que tinham sido, as diferentes versões para cada ocasião específica tinham sido substituídas pela sem-graça da oferta única do coletivo de dois carros, bancos de madeira e um ou dois estribos.
Eu não tinha coragem de discordar abertamente, mas na certeza decorrente das minhas ponderações e profundas reflexões durante aqueles primeiros três ou quatro anos da minha existência, sabia que não podia ser tão ruim assim. Afinal, velhos tendiam naturalmente ao pessimismo: má-digestão, intestino preso, rugas...
Em todo o caso as histórias me fascinavam. Diziam que bondes os havia para diversas ocasiões e propósitos da vida urbana: engalanavam-se para casamentos, esfumavam-se funéreos para enterros, transportavam mudanças, móveis, objetos e animais domésticos, eram utilizados como ambulâncias do sistema de saúde pública ou em campanhas de vacinação. Sem falar, é claro, do ilustre passageiro que ia, todo pimpão, lindeiro ao belo tipo faceiro...
E apesar da apregoada decadência e do pessimismo dos antigos, ainda passamos bons anos juntos, eu e eles. Foram mais de dez anos, do bondinho vagaroso e amável da Ilha do Governador aos elegantes e algo empelicados "semoventes" (como os imaginava o poeta) das linhas da cidade, que iam das Barcas ou do Tabuleiro da Baiana para a Tijuca, Camerino, Penha, Bonsucesso, São Cristóvão, Méier, Engenho de Dentro, Copacabana, Urca, Ipanema, Leblon, Gávea, Jardim Botânico... tantos locais, uma lógica urbana perfeita e absolutamente funcional.
Mais tarde, já adolescente, passei a considerar Belo Horizonte uma das mais civilizadas cidades do Mundo: os bondes eram vagões fechados, com portas de entrada e saída, corredor central, bancos laterais e cada um com sua janela fechada com vidros!
Depois percebi que nem todos eram assim, veros bondes europeus: a maioria, para dizer a verdade, estava mais para o heróico e ronceiro bondinho da Ilha que para os orgulhosos “ingleses de polainas” do Rio.
Até em São Luís do Maranhão andei de bonde. Em ruas silenciosas, calçadas com paralelepípedos e ladeadas de casinhas amáveis, onde ecoavam as músicas de
Vicente Celestino, cantadas do estribo por um menino, tipo popular da cidade, pouco maior que os meus seis anos daqueles tempos e que dessa maneira ia amealhando alguns tostões.
Soube depois, embora não chegasse a tempo para ser transportado por eles, que existiam bondes em Juiz de Fora, Belém, Campinas, Curitiba, Porto Alegre... e mais um punhado de cidadezinhas amáveis e acolhedoras pelo Brasil afora, daqueles modorrentos anos cinqüenta.
Anos de transição, percebemos quando chegou a década seguinte. Como transitórios todos somos: eu, o cantorzinho, meu pai, os velhos da remota infância. À exceção, claro, da felicidade daqueles tempos, do condutor e do motorneiro...
Fotos de bondes antigos obtidas na Internet. Saiba tudo sobre os bondes visitando o site do Novo Milênio. E pra quem gosta de bondes, uma sugestão: visitar o Museu do Bonde em Santa Teresa (Rua Carlos Brant, 14 - Tel: 2220-1003). Outra dica: o documentário de Jean Manzon sobre os bondes cariocas no YouTube.