ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

25.7.07

JOGOS PAN-AMERICANOS


Bandeira do Pan (e do Mengo também)

Prometi que a próxima postagem seria da Feira de São Cristóvão. Tinha me esquecido do Pan. Ele vai furar a fila. A abertura dos Jogos Pan-Americanos vi no Jornal Nacional. Podemos (ainda) não ostentar as "virtudes" de um país de Primeiro Mundo, mas conseguimos realizar os maiores espetáculos da Terra: desfiles das Escolas de Samba e agora esta abertura espetacular. Nos fins de semana do Pan, saí às ruas da Zona Sul para curtir o “clima”. Eis algumas fotos (acompanhadas de alguns textos que selecionei sobre o evento).

PS. Mais informações sobre os Jogos Pan-Americanos você encontra no site da Prefeitura, site da revista Época, site Lance!Net ou blog do Comitê Olímpico Brasileiro.



Galera assiste à maratona aquática na Praia de Copacabana

O Rio estava precisando do Pan. Até agora as manchetes dos jornais registraram em 2007 um dos anos mais dolorosos na história da cidade. O menino João Hélio, arrastado por facínoras pelas ruas; as lágrimas da mãe da menina Alana, vítima de bala perdida; os mais de cem mortos e feridos na guerra do Complexo do Alemão; uma empregada doméstica espancada, por ter feito... nada. A cidade merece uma trégua. E é possível encontrar inspiração para isso no esporte. [...]

O Pan do Rio 2007, que acontece entre os dias 13 e 29 deste mês, é uma chance para todos – moradores, governantes e visitantes – mostrarem que é possível haver disputas sem balas, mortos ou feridos. Em meio a facções criminosas, polícias e exércitos, chegou a hora de falar dos 15 mil voluntários dos Jogos, das pessoas que abrigarão turistas em suas casas, das famílias que compraram ingressos para assistir às partidas, do orgulho dos pedreiros que ajudaram a construir um grande estádio. Chegou a hora de falar dos atletas de todas as regiões do país, muitos deles nascidos ou radicados no Rio de Janeiro, o que torna ainda mais especial este Pan. (Trecho da matéria de Rafael Pereira publicada na revista Época de 9 de julho de 2007.)




Maratona aquática

Setenta e cinco mil espectadores viram o Maracanã transformar-se numa galeria da alma brasileira. Elza Soares reviveu Garrincha: paralisou o estádio com a interpretação a capela do Hino Nacional. Era o prelúdio de um show de raízes. Em ritmo de samba, a delegação verde-amarela foi festejada com a alegria do gol. Joaquim Cruz também animou a multidão, ao acender a pira. Dos batuques que anunciavam a ópera amazônica à Aquarela do Brasil, os Jogos Pan-Americanos foram abertos por um espetáculo impecável de danças, luzes e sons. Melhor inspiração, os atletas não haveriam de ter. (Capa do Jornal do Brasil de 14 de julho de 2007.)


Bandeira do Brasil

Essa festa esportiva produziu como efeito colateral um Rio menos violento, mais ameno e civilizado, demonstrando que isso é possível quando existe disposição política, recursos, policiamento e, sobretudo, quando os governos se unem e trabalham na mesma direção. O resultado aparece nas últimas estatísticas e é visível no astral das pessoas que estão redescobrindo as calçadas e as ruas à noite. Pena que não se tenha um Pan o ano todo. [...]

Promover festa aqui é mole, organizar grandes eventos sem confusão é conosco mesmo, faz parte de nossa vocação desde os tamoios. Já provamos isso várias vezes. O desafio para os governantes é como manter as conquistas, é como tornar permanentes esses efêmeros momentos de paz coletiva. (Trecho da crônica de Zuenir Ventura, “O desafio pós-Pan?”, publicada em O Globo de 25 de julho de 2007.)



Na Lagoa as bóias para as competições de remo


O Cristo e as bandeiras


Simpáticos guias cívicos (12 mil jovens entre 14 e 24 anos selecionados em 115 áreas pobres do Rio e capacitados para orientar visitantes sobre a cidade, segundo a Época)


Escultura de areia: Bem-vindos, welcome, bienvenidos

Acalentado pelas pesquisas que o paparicam, o presidente Lula custou a acreditar que estava no epicentro de uma vaia. Não figurava entre suas preocupações tal coisa. [...]

No Maracanã, cuja acústica modula a voz rouca das ruas, Lula estava de corpo presente, mas o espírito soprava longe, sobrevoando o Rio nas asas das pesquisa, quando, para não haver dúvida de que era com ele mesmo, a segunda vaia confirmou o sentido político da primeira e prenunciou a terceira da meia dúzia com que o distinguiu a classe média.[...]

A vaia continua a ser a sombra do homem público para lembrá-lo, por onde passe, de que a democracia o faz politicamente mortal. Do Maracanã ficou a impressão de que, ao ser apresentado à vaia, o presidente não a reconheceu como legítima, não obstante ter sido, em tempos excluídos, uma das formas preferidas do petismo para maltratar homens públicos. Vaia dispensa tradutor: quem a promove não precisa apresentar as razões, e quem a recebe sabe o motivo de estar sendo distinguido. É a legítima defesa da cidadania.[...]

O velho Winston Churchill, que levantou do chão os ingleses em 1940, foi retumbantemente vaiado num comício eleitoral, três meses depois de terminada a Segunda Guerra em 1945, e ainda por cima perdeu a eleição. Como não prezava o papel de vítima, aproveitou a oportunidade e mandou o recado: “Feliz do povo que pode vaiar seus governantes”. (Trecho da crônica de Wilson Figueiredo "O eterno direito de vaiar" publicada no Jornal do Brasil de 23/7/07.)


Escultura de areia: Maracanã


O movimento


Patriotismo


Ciclistas na prova de pentatlo


Patriotismo II


Em frente à arena do vôlei de praia


Cauê, o mascote do Pan

22.7.07

A CARA DO RIO


Antonio Pereira da Silva: Sem Título (serigrafia)

Exposição A Cara do Rio no PAN 2007

Centro Cultural Correios
R. Visconde de Itaboraí, 20 - Centro (pertinho do Centro Cultural Banco do Brasil)
até 26 de agosto de 2007

terça a domingo de 12 às 19hs
entrada franca - não deixe de ir!



Ana Maria Lessa: Público Alvo (fotografia e plotagem digital)


Clare Caufield: Mais Um Dia Em Copacabana (óleo sobre tela)


Denise Araripe: São Sebastião do Rio de Janeiro (técnica mista)


Isis Braga: Regata Azul (fotografia com interferência digital)


J. G. Fajardo: Competição Impossível (óleo e grafite sobre tela)


Mathieu Fontaine: Corco (técnica mista)


Vicente Pereira: Pão-de-Açúcar (aquarela)

Fotos e informações obtidas no site da Villa Olívia

7.7.07

CRISTO REDENTOR

(UMA DAS SETE MARAVILHAS DO MUNDO)
VISTO POR DIFERENTES FOTÓGRAFOS

A Grande Muralha da China, Petra, Taj Mahal, Cristo Redentor, Machu Picchu, pirâmide de Chichén Itzá e o Coliseu de Roma são as Sete Maravilhas do Mundo, anunciadas em 7 de julho numa cerimônia que decorreu em Lisboa.

A primeira nova maravilha a ser anunciada foi a Grande Muralha da China, erguida há mais de dois mil anos e que se estende por cerca de 6.700 quilômetros.

Petra (Jordânia), a estátua de Cristo Redentor, situada no topo do Corcovado, e a cidade inca Machu Picchu (Peru) também foram eleitas as novas maravilhas do Mundo.

O futebolista português Cristiano Ronaldo anunciou a vitória da pirâmide de Chichén Itzá, localizada na península de Yucatán, no México.

O coliseu de Roma, o único monumento europeu a ser eleito, e o Taj Mahal (Índia), monumento mandado erguer pelo imperador Shah Janan em honra da mulher, a princesa Mumtaz Mahal, completam a lista das Sete Maravilhas do Mundo. A eleição das Novas Sete Maravilhas do mundo, que decorreu no Estádio da Luz, em Lisboa, foi uma iniciativa da
New 7 Wonders Foundation, criada em 2001 pelo antigo produtor suíço Bernard Weber.
(texto extraído do site Sapo)


Soraya Villani

Desde o início da implantação da cidade, a montanha do Corcovado chamava a atenção dos viajantes e moradores. Picadas foram abertas e o seu topo foi alcançado. [...]

No século XIX, já era comum programar-se um passeio culminando com um belo piquenique lá em cima. Assim, em 1884, foi inaugurada a estrada de ferro de acesso ao Corcovado, um audacioso feito da engenharia nacional: uma pequena "Maria Fumaça", com sistema de tração à cremalheira, empurrava o restante da composição até o alto.

Lá em cima, novas melhorias aguardavam o visitante, pois, há muito tempo, o velho barracão cedera lugar a um charmoso caramanchão, carinhosamente batizado pela população como o "Chapéu do Corcovado", pois seu estilo de construção lembrava um chapéu chinês. Em 1912, com a eletrificação da via férrea, a "Maria fumaça" foi aposentada e os passeios ao Corcovado perderam parte de seus encantos.

(Texto extraído do livro Rio Antigo por Camões - conheça um pouco da arte de Eduardo Camões na postagem Imagens do Rio Antigo deste blog.)


Rogério Haesbaert


Rogerio Bandeira


Pedro Arias Martins


Luiz Mauro Gomes Silveira


Os novos passeios foram mais consideráveis.

Primeiro ao Corcovado, assalto ao gigante, hoje domado pela vulgaridade da linha férrea.

Às 2 horas da noite, troaram os tambores como em quartel assaltado. Os rapazes, que mal havíamos dormido, na excitação das vésperas, precipitaram-se dos dormitórios. Às 3 e pouco estávamos na serra.

Aristarco rompia a marcha, valente como um mancebo, animando a desfilada como Napoleão nos Alpes.

Passeio noturno de alegria sem nome. [...]

Ao passo que nos elevávamos, elevava-se igualmente o dia nos ares. Apostava-se a ver quem primeiro cansava. Ninguém cansava. Cada avanço da luz no espaço era como um excitante novo para a jornada, suavizando a doçura do alvorecer todo o esforço da ascensão. Quando a música parava, ouvíamos na alvenaria do grande encanamento, pelos respiradouros, as águas do Carioca, ciciando queixas poéticas de náiade emparedada.

Avistávamos por hiatos de perspectiva a baía, o Oceano vastamente desdobrado em chamas, extenso cataclismo de lava.

No planalto do Chapéu de Sol paramos. O diretor convencionou que, ao sinal de debandar, assaltaríamos na carreira o espigão de granito empinado à extrema do monte. A rapaziada aclamou a proposta, e, com um alarido bárbaro de peleja, arrojamo-nos à conquista da altura.

(Raul Pompéia, O Ateneu, VIII)



Lucio Vianna Alves


Fabio Fernandes


Diogo de Souza


Cristiano Goldenberg


Arthur Guilherme Eder


Com que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente, andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que fosse deveras secreto. Antes dela ir para o colégio, eram tudo travessuras de criança; depois que saiu do colégio, é certo que não estabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a pouco, e no último ano era completa. Entretanto, a matéria das nossas conversações era a de sempre. Capitu chamava-me às vezes bonito, mocetão, uma flor - outras pegava-me nas mãos para contar-me os dedos. E comecei a recordar esses e outros gestos e palavras, o prazer que sentia quando ela me passava a mão pelos cabelos, dizendo que os achava lindíssimos. Eu, sem fazer o mesmo aos dela, dizia que os dela eram muito mais lindos que os meus. Então Capitu abanava a cabeça com uma grande expressão de desengano e melancolia, tanto mais de espantar quanto que tinha os cabelos realmente admiráveis - mas eu retorquia chamando-lhe maluca. Quando me perguntava se sonhara com ela na véspera, e eu dizia que não, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos.

(Machado de Assis, Dom Casmurro, Cap. XII)



Arthur Guilherme Eder


Alaor Modesto


Ivo Korytowski

As fotos desta postagem foram finalistas do concurso Imagens do Cristo promovido pelo Jornal do Brasil, em parceria com a Oi, tendo sido publicadas em encarte especial do jornal em 19 de novembro de 2006. Veja também neste blog a postagem Corcovado & Cristo Redentor.

12.6.07

PARQUE LAGE

UMA HISTÓRIA DE AMOR

O Parque Lage abriga uma história de amor.



Antiga cavalariça

A área foi adquirida, em meados do século XIX, pelo comendador Antonio Martins Lage Junior, cujo neto, Henrique Lage, apaixonado pela cantora lírica italiana Gabriela Bezanzoni, mandou construir um palacete, com esplêndidos jardins, presenteando-o à amada, em 1922.


Piscina do solar

O projeto foi do arquiteto italiano Mario Vodrel, que importou azulejos, ladrilhos e mármores da Itália. A pintura ficou a cargo do pintor paulista Salvador Payols Sabaté, que cobriu de ouro as estrelas que decoram a parede e o teto do quarto de dormir de Bezanzoni.


Corcovado visto do solar

A mansão está situada numa floresta de 522 hectares, em plena Rua Jardim Botânico [Rua Jardim Botânico, 414 - Tel.: (0xx21) 2538-1879], onde existem várias trilhas; a mais famosa é a que faz o percurso entre o Parque Lage e o Corcovado.


Jardim defronte ao solar

Lá, hoje, funciona a Escola de Artes Visuais do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que serviu de cenário para a obra-prima de Gláuber Rocha, o filme "Terra em Transe".


O solar


Solar e Corcovado


Escultura em bronze de um pintor


Jardim


Jardim e solar


Torre do Castelinho


Coreto

Texto extraído do interessante livro Onde morou, de Alda Rosa Travassos, Elizabeth de Mattos Dias e Gilda Boruchovitch. O livro, volume 2 da coletânea Retratos Cariocas, editada pela Fundação Biblioteca Nacional, mostra onde moraram figuras ilustres do Rio de Janeiro.
Fotos de Ivo & Mi.

7.6.07

E FOI UM SONHO! UM SIMPLES SONHO!

TEXTO DE SÉRGIO ANTUNES DE FREITAS

O Solar dos Abacaxis, imponente casarão neoclássico erguido em 1843, não distava muito do chalé de Machado (endereço atual: Rua Cosme Velho, 857)

Casarão que foi a sede da fazenda de café onde morou o Visconde de Taíde. Vizinho do chalé de Machado, na sua capelinha, Machado casou-se com Carolina (endereço atual: Rua Cosme Velho, 218)

O livro, Várias Histórias de Machado de Assis, ganhei do meu compadre.

Deitado em rede macia e desbotada, na varanda de uma Brasília de 2005, o livro aberto caiu sobre o meu peito. Adormeci e fui remetido a um sobrado no Bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro de 1890.

Enfiei-me por um corredor e subi uma escada. “A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão era pegajoso”.

“A noite caíra de todo”.

Encontrei Machado sentado em uma cadeira de balanço de palhinha e madeira envernizada.

Olhou para o lado, ” ... tlic do lampião de gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira.”

Ainda não havia notado a minha presença. “... foi pegar a jarra em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até a porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem planos. Sentou-se outra vez... A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude.”

Foi quando me anunciei, para sua surpresa discreta. Olhei em volta, procurando uma pena e tinteiro que me propiciasse um autógrafo, mas não era o seu escritório. Disfarçadamente, fiz algumas perguntas evasivas sobre a sua vida, o momento político, a desejada evolução industrial e o espírito bom do brasileiro simples.

“E referiu muita cousa, observações relativas aos costumes do interior, dificuldades da vida, atraso, concordando, porém, nos bons sentimentos da população e nas aspirações de progresso. Infelizmente, o governo não correspondia às necessidades da pátria; parecia até interessado em mantê-la atrás das outras nações americanas. Mas era indispensável que nos persuadíssemos de que os princípios são tudo e os homens nada. Não se fazem os povos para os governos, mas os governos para os povos...”


Ao lado de onde Machado morou de 1883 a 1908, ergue-se agora o Edifício Machado de Assis (endereço atual: Rua Cosme Velho, 174)

Do conjunto de chalés da Condessa de São Mamede administrados pelo irmão de Carolina, um deles ocupado por Machado, sobrevive este, verdadeira relíquia (ao que me consta, não tombada) à Rua Cosme Velho, 120

Aproveitei para puxar o assunto da literatura brasileira. Ele já desconfiava que eu não era daquele tempo, pelas vestes, pelas palavras, pelo olhar, e fez questão de responder com tal desconfiança. Também percebeu que havia interesses relativos ao seu ofício. Cedeu ao aconselhamento, já que eu deveria parecer um iniciante.

“O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”

Rodopiei em volta de seu comportamento esquisito, pensando que poderia advir algum ataque epilético, caso não suportasse a situação transcendental e absurda. Preocupei-me em tirar de perto de seus braços uma lamparina e um cortador de páginas, para que não se ferisse, caso estrebuchasse. O ambiente não me era estranho, já que conheci lugares semelhantes em museus, filmes de época, páginas de livros.

Ouvi o barulho de um tílburi, de cascos de cavalos, o grito seco do cocheiro, estimulando a velocidade do animal. Senti a brisa e o cheiro de um mar distante. Imaginei, tão próximas de mim, praias cariocas nativas, sem violência, sem poluição, paraísos com marcas noturnas de pés de índios, de negros e de mamelucos.

Olhei para o escritor, que estudava cada movimento de meu corpo e perguntou, nervoso, autoritário, à queima-roupa: - O que veio fazer aqui?

Respondi-lhe, com sinceridade: - Nada, além de produzir um texto que vincule tempos passados em dois séculos, com outro no meio. Que mostre a possibilidade de idéias serem mantidas vivas ao longo de tempos maiores que vidas.

Também para demonstrar que seu trabalho é admirado lá pelo terceiro milênio, algo que certamente nunca ou pouco lhe passou pela cachola.

O escuro, ajeitando os seus óculos, olhou para os meus olhos, sorriu de modo forçado, apontou a sua bengala em minha direção, como se fosse uma arma, e ameaçou: - “Malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco,” vá se aproveitar da literatura de sua mãe!


No seu trajeto diário, de bonde puxado por burros, para o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, onde trabalhava (não dá pra viver de literatura!), Machado passava pelas Casas Casadas, seis casas residenciais geminadas em estilo neoclássico com influência eclética, construídas em 1874 (endereço atual: Rua das Laranjeiras, esquina com Rua Leite Leal)

Se não estivesse absorto demais nas “suas próprias reflexões, ruminando idéias, pensando em temas de romances ou de contos” (R. Magalhães Júnior, Vida e obra de Machado de Assis, vol. 3, p. 64), Machado via também este casarão de 1878, que abrigou a primeira sede do Instituto Pasteur da América do Sul e hoje abriga o CCAA (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 308)

Pouco mais à frente, a chácara do conde Modesto Leal, “um dos mais belos casarões do bairro e um exemplar raro do século XIX” (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 304)

Quase chegando na Rua Guanabara, atual Pinheiro Machado (onde ficava o palácio da Princesa Isabel e seu marido, atual Palácio Guanabara), Machado contemplava o Instituto Nacional de Educação de Surdos, fundado em 1857 por determinação de D. Pedro II (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 232 - se você passa todos os dias por Laranjeiras e nunca notou estes tesouros arquitetônicos, está precisando ler um pouco mais de Machado!!!)

Fotos tiradas no Cosme Velho e Laranjeiras pelo editor do blog. Várias informações das legendas das fotos foram obtidas no guia Cosme Velho & Laranjeiras, da coleção Bairros do Rio, editada pela Casa da Palavra. Texto gentilmente enviado por Sérgio Antunes de Freitas.