ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

29.6.06

RIO VISTO DO ALTO

Existem várias maneiras de ver o Rio de cima: você pode morar na encosta de um morro. Ou pode subir um morro: de trem (Corcovado), teleférico (Pão de Açúcar), bonde (Santa Teresa), subindo uma trilha a pé (o Parque da Catacumba, na Lagoa, é uma boa pedida), de carro (são tantas as opções de mirantes no Rio), subindo escadas (Igreja da Penha). Ou pode praticar vôo livre. Ou sobrevoar a cidade de helicóptero. Ou sonhar que está voando. Pode comprar o livro Rio das Alturas com fotos magníficas de Nilo Lima tiradas de helicóptero. Ou — se não quiser sair de casa — pode sobrevoar o Rio virtualmente no seu computador por meio do Google Earth, fazendo mil e uma piruetas, dando uma de Superman dos quadrinhos. Quer ver como é irado?


Você — que é o Superman, mas prometo não revelar sua identidade secreta — sobrevoa o estado do Rio de Janeiro a 360 quilômetros - a altura da Estação Espacial Internacional (o marcador amarelo indica a Baía da Guanabara, pequenininha).


Agora você desce à altura de um avião a jato (11 km). Dá para ver a Lagoa (marcador), com o Jóquei à sua esquerda, as praias de Ipanema, Copacabana, a enseada de Botafogo, o Aterro do Flamengo (marcador), até o Maracanã (marcador).


A quatro quilômetros de altitude em cima de Ipanema (o marcador indica o Arpoador).


Com seu olhar telescópico, consegue ver uns surfistas indo para o Arpoador.


Você dá um rasante por Copacabana (marcador: Praça do Lido)...


...sobrevoa o Leme e a Urca (marcadores)...


...o Aterro do Flamengo (marcador: Marina da Glória)...


...e chega ao Centro. Olha lá a Praça Tiradentes, a Catedral e o Teatro Municipal (marcadores)!


Que tal descer na Lapa?


Você prefere a Cinelândia... (marcadores: Teatro Municipal, Museu de Belas Artes e Biblioteca Nacional)...


...e vai tomar seu chope no Amarelinho que ninguém é de ferro (nem mesmo o Superman)!

Fotos aéreas por satélite obtidas no Google Earth. Texto e fotos terrestres do editor do blog.

24.6.06

GARRINCHA NA COPA DE 62

Texto de Ruy Castro, com fotos do Rio enfeitado para a Copa


Rua Anita Garibaldi (Copacabana)

Só faltava ao Brasil derrotar a Tchecoslováquia para ser bi. Nas oitavas-de-final, os tchecos tinham jogado para empatar com o Brasil e conseguido. Mas, agora, teriam de jogar para vencer.

Garrincha não se preocupava com o adversário, qualquer que fosse. Não era menosprezo, mas um sublime desinteresse por táticas, chaves ou esquemas. O futebol era uma coisa muito simples, de onze contra onze, as camisas pouco lhe importavam. [...]

[No dia do jogo], Garrincha amanhecera resfriado e estava com 39 graus de febre. Jogou a poder de aspirina.

Recebia a bola, dançava na frente dos três tchecos que saíam para marcá-lo e a soltava para Zito ou Didi, que a lançavam para Amarildo ou Vavá livres lá na frente. Quando o inimigo percebeu que Garrincha não estava nos seus melhores dias, já era tarde. [...]

O Brasil era bi. Os jogadores deram a volta olímpica e Mauro levantou a Jules Rimet. Zagalo, Nílton Santos, Gilmar e outros choraram de novo [...] Nas cadeiras especiais, Elza Soares desmaiara ao ouvir o apito final. [...]

O vestiário era uma festa. Os jogadores pelados eram sufocados pelos dirigentes, jornalistas e torcedores que iam misturar-se a eles nos chuveiros. Dezenas de embandeirados brindavam com champanhe, uísque e cerveja aos gritos de "É bicampeão!". [...] Mas a entrada de Elza, com seu vestido de cetim verde-amarelo, provocou um imediato silêncio. E, segundos depois, pôs todo mundo em polvorosa. Era uma mulher num ambiente de homens nus — algo impensável para 1962. [...]

Elza, indiferente à comoção que causara, atirou-se a Garrincha debaixo do chuveiro e carimbou-o de beijos. Seu vestido de cetim, ao molhar-se, colou-se mais ainda ao seu corpo. Ele lhe prometera a Copa e cumprira. A Copa era dela. O resto que fosse para o diabo.

Se Elza não saísse logo para continuar a comemoração com a torcida, Garrincha, sem querer — mas querendo —, teria ficado inconveniente.

Texto extraído do livro Estrela Solitária de Ruy Castro. Fotos do Rio enfeitado para a Copa do editor do blog.


Largo do Machado


Bairro Santa Genoveva (São Cristóvão)


Rua Senador Pompeu (Centro)


Rua dos Inválidos (Centro)


Ladeira do Russel (Glória)

12.6.06

COPA DO MUNDO NA CINELÂNDIA

Cronica de Cyro de Mattos, com fotos do Rio enfeitado para a Copa (2006)


Rua André Cavalcanti (Centro) *

Idem

Idem

Rua Honório de Barros (Flamengo) *

Idem

Fui redator do Jornal do Comércio no Rio, anos 60. Às vezes aparecia na Cinelândia pela tarde quando encerrava o trabalho no jornal. Ia tomar uns chopes no Amarelinho, bar que ficava em frente da praça. Acomodado na cadeira de uma das mesas, junto à porta de entrada, ficava dali vendo a vida desfilar no ritmo agitado da cidade grande.

Apesar de já estar quase um ano no Rio, não havia me acostumado ainda ao ritmo impulsivo da metrópole. Causavam-me espanto rostos anônimos que passavam apressados a todo instante, carros velozes que cantavam os pneus no asfalto, subindo rumo à Zona Sul. Os que seguiam disparados para a Zona Norte desciam pelo outro lado da Cinelândia, na avenida Rio Branco, onde ficava a Biblioteca Nacional.

As distâncias grandes, edifícios de muitos andares, túneis, viadutos e avenidas formavam uma paisagem que me parecia cheia de solidão, ocupando um espaço vazio próprio da selva feita de cimento e pedra. Embora soubesse que naquele tempo ainda se podia andar a pé, à noite, por certos lugares do Rio. Do Catete ao Largo do Machado, caminhei sozinho várias vezes à noite e nunca fui assaltado. De vez em quando ia tomar uns chopes no restaurante Lamas, perto do Largo do Machado. Por lá chegava o conterrâneo Alberto Silva para conversar sobre literatura e cinema.

Na Copa Mundial de Futebol de 1966, realizada na Inglaterra, fui à Cinelândia três vezes em menos de dez dias, para assistir no telão armado na praça os jogos da Seleção Brasileira. Queria ver o Brasil sagrar-se campeão mundial de futebol em gramados estrangeiros pela terceira vez e comemorar a conquista do título no meio do povo. Havia uma euforia que contagiava a todos na praça. Éramos os melhores do mundo, disso ninguém tinha dúvida, não dava mesmo para nenhuma seleção deste planeta ganhar da nossa formada por craques e dois gênios. Quem tinha Pelé, um rei que surgiu nos gramados da Suécia, na Copa de 1958, quando fomos campeões mundiais de futebol pela primeira vez, e Garrincha, o das pernas tortas, que ganhou sozinho a segunda Copa Mundial de Futebol para o Brasil em campos do Chile, em 1962, com suas jogadas e gols espetaculares, só podia ter a certeza de que mais um título de campeão mundial de futebol viria para as nossas cores sem maior esforço.

A primeira partida contra a Bulgária deu a entender que o terceiro título de campeões mundiais de futebol chegaria daí a algumas semanas. Era só esperar, ver e festejar. Aquele gol de falta que Garrincha bateu, a bola entrando na rede adversária sem que o goleiro visse por onde havia passado o passarinho, só trazia ventos da felicidade. Gritos, abraços, pulos e vivas dos que estavam fazendo a corrente da vitória na Cinelândia.

A decepção veio com a segunda partida quando o Brasil jogou contra Portugal. A seleção portuguesa sempre fez jogo duro com o Brasil. Havia formado um time que era tido como um dos favoritos para ganhar a Copa Mundial de Futebol de 1966. O arqueiro Costa Pereira, o marcador implacável Vicente, o maestro Coluna, o goleador Eusébio e o ponta Simões destacavam-se numa seleção que vinha encantando platéias em gramados da Europa. O jogo causou espanto e medo aos torcedores na Cinelândia, que viam a defesa portuguesa sem dar espaço a Pelé, caçando o rei com pontapé e empurrões a todo instante. Faltas eram cometidas no rei, uma atrás da outra, sem que o juiz expulsasse um jogador português sequer. Pelé saiu de campo contundido e não mais voltou.

Perdemos o jogo por três a um. E ficaram dúvidas quanto ao desempenho do Brasil no próximo jogo. Nossa seleção mostrava falta de preparo físico, sem tática, desorganizada e individualista. Parecia um bando de jogadores espalhados no gramado. Não mostrava garra em cada jogada enquanto Portugal executava um futebol solidário, compactado. Tinha um ritmo veloz, disputando a bola com valentia em qualquer parte do campo.

A decepção da derrota para a Hungria, pelo mesmo escore que Portugal nos impôs, dessa vez foi mais amarga. Pela primeira vez a Seleção Brasileira havia sido eliminada de uma Copa Mundial de Futebol na primeira fase.

A verdade do desastre de nossa seleção em gramados da Inglaterra estava ali mesmo na Cinelândia, coberta de silêncio em seus ares fúnebres. O futebol arte tinha sido vencido pelo futebol solidário, de nada mais servia a nossa habilidade, improviso, magia e outras qualidades insuperáveis, que só o jogador brasileiro possuía.

A cena que vi com um senhor sentado no banco da praça afastou um pouco minha tristeza de torcedor frustrado. Ele dava comida aos pombos. O mesmo homem tão do mundo, apaixonado como eu pela Seleção Brasileira de futebol. Achava um lugar ao sol na praça deserta onde os pombos formavam uma bela aparição. Igual a uma vez que eu vi na praça da Matriz, em São Paulo. Os pombos baralhavam em festa tormentas, dissabores, suavizavam o audaz andarilho, naquele momento em estado de graça.

Rua Santa Clara (Copacabana)

Rua Carlos Carvalho (Centro) *

Rua Fonseca Teles (São Cristóvão) *

Rua Inhangá (Copacabana)

Idem

Rua Paissandu (Flamengo) *

Idem

Rua Riachuelo (Centro)

Travessa dos Tamoios (Flamengo) *

Cyro de Mattos é autor de 28 livros, entre eles O Goleiro Leleta e Outras Fascinantes Histórias de Futebol e Contos Brasileiros de Futebol. Texto gentilmente enviado pelo autor. Fotos de ruas do Rio enfeitadas para a Copa do editor deste blog. As ruas marcadas com * estiveram entre as finalistas do concurso "Minha Rua É Louca pelo Brasil", a Honório de Barros tendo sido vencedora na Zona Sul e a André Cavalcanti no Centro. Clique com o botão direito do mouse e escolha "Definir como plano de fundo" para transformar uma foto em papel de parede de seu computador durante esta Copa.

24.5.06

CORCOVADO & CRISTO REDENTOR






Lembranças de uma tarde no Russel
Carlos Heitor Cony
Nunca levei a sério os tipos folclóricos que surgem em toda a parte, nos bairros, bares, repartições, sobretudo em Redações. Não os levo a sério, mas gosto deles, achando que são um momento da condição humana, com seus exageros, é claro, mas com uma transparência que todos percebem. Por isso mesmo são geralmente desprezados, mas queridos. A distinção entre não levar a sério e gostar pode ser um paradoxo, mas às vezes tem coerência.

Adolpho Bloch foi um personagem folclórico, provocava cóleras naqueles que não gostavam dele -- e eram muitos, alguns por despeito, ressentimento, outros por motivos ideológicos, raciais, econômicos e trabalhistas, afinal, durante 50 anos, foi dono de um dos maiores mercados de trabalho na área da comunicação.
Dele tenho recordações variadas, algumas dramáticas, outras afetuosas, mas a maior parte delas é de admiração pela sua personalidade fora-de-série, capaz de ir em poucos segundos do sublime à banalidade mais crua e, muitas vezes, à mais indecente.

Eu o conheci tardiamente, já havia sido editor num jornal, publicara alguns livros, ganhara prêmios, estava sem emprego, nenhum jornal me aceitava desde que fora processado pelo ministro da guerra que logo tornou-se presidente da República. Adolpho não deu bola para o regime, aceitou-me em sua empresa, deu-me um salário equivalente ao que ganhava como diretor do outro jornal, mas abriu o jogo: que eu ficasse quieto na Redação, fazendo o trivial variado, mas, no fundo, que ajudasse JK a redigir suas memórias, começadas por Josué Montello e Caio de Freitas, mas que estavam emperradas, necessitando de um texto final e de uma edição. JK ficaria à minha disposição e eu à disposição dele.

Mas não era isso que eu desejava lembrar. O lado folclórico de Adolpho era vário e divertido, como soem ser os folclores. Eu ainda não o conhecia bem, ouvia histórias sobre ele, mas nunca presenciara nenhuma de suas pantomimas. Até que um dia, pouco depois do almoço, estava no sexto andar, fui chamado pelo telefone, em voz baixa, pelo Justino Martins, editor de "Manchete", cuja Redação era no oitavo andar. Adolpho, segundo Justino, estava "impossível". Não gostara do número que fora para as bancas, esculhambou todo mundo aos gritos, com gestos de mujique (ele era russo) e os olhos chispando fogo, como os de Rasputin, cuja resistência física e temperamento eram mais ou menos iguais ao seu. Em momentos de raiva, ficava sublime.

Dispensei o elevador para chegar mais depressa, Justino achava, sem razão alguma, que com minha presença as iras de Adolpho se abrandariam. Pelas escadas, ouvia os gritos dele, palavras grosseiras, lubrificadas pela cólera.
Quando cheguei ao oitavo andar, vindo das escadas, encontrei-o numa pausa: estava no corredor de serviço, bebendo no bebedouro para refrigerar a boca e a garganta em brasa. Vindo das escadas, ele não me viu. Eu é que o vi e ouvi. Depois de beber água, enxugou a boca com o punho da camisa e disse em voz calma e baixa para si mesmo: "Hoje eu estou terrível!".

Logo saiu da copa e entrou novamente na Redação, aos gritos, dando início ao segundo tempo daquela bronca, que só não foi memorável porque todas as suas broncas eram inesquecíveis.

Encolhido em sua mesa de editor, cercado de cromos e textos, Justino olhou para mim, cobrando-me uma intervenção salvadora. Não foi preciso. Adolpho finalmente me viu e veio contra mim: "E você, que botou na capa do "Desfile" aquela mulher com chapéu?! Já disse que não quero mulher com chapéu na capa de nenhuma revista!".
"Aquela mulher" era a princesa de Mônaco, a Grace Kelly, que naquela semana estava sendo acusada de ter tido um caso com um playboy internacional, chifrando o príncipe Rainier e, segundo a matéria que havia vindo de uma agência internacional, "dando mau exemplo às suas filhas, ainda púberes, Caroline e Stéphanie". (Aliás, nenhuma das duas precisavam do mau exemplo da mãe, tinham um DNA caprichado, logo em seguida iniciaram elas próprias uma carreira respeitável de casos que emocionaram os consumidores de escândalos).

Bem, diante da ira do Adolpho, me defendi como pude. Disse que a mulher de chapéu era a princesa de Mônaco, que Grace Kelly sempre vendia bem as revistas que a traziam na capa, tanto no Brasil como em todo o mundo. Era um dos recursos dos editores, apelar para ela como para Liz Taylor, Sophia Loren, Rachel Welch. Com chapéu ou sem chapéu elas vendiam.
Adolpho esbravejou:

- Com chapéu elas não vendem nada!

Mudei a linha de defesa e argumentei: não podendo falar mal do governo, não tinha nenhum assunto que merecesse capa. Ponte Rio-Niterói, a grande obra do governo naquela época, é que não vendia mesmo, ainda mais numa revista feminina.
Adolpho mudou de tom, mesmo assim me fuzilou:

- Quando não tiver assunto, bote o Cristo Redentor! Ele vende tudo.

E foi novamente ao bebedouro, constatar que estava terrível.

(Publicado originalmente na Folha de São Paulo em 19.5.2006)









Fotos tiradas do alto do Corcovado, Rio de Janeiro, por Ivo & Mi. A estátua do Cristo Redentor, no Corcovado, é o maior monumento em estilo art déco do mundo. Construído pelo engenheiro Heitor da Silva Costa, com a colaboração do escultor Landowski, foi inaugurada em 1931 pelo então presidente Getúlio Vargas e pelo Cardeal Sebastião Leme. Contruída em concreto armado, revestido por pequenos triângulos de pedra-sabão, sobre um pedestal de 8 metros de altura, onde há uma capela para 150 pessoas, a estátua mede 30 metros de altura. (Guia Michelin do Rio de Janeiro). Outras informações sobre o Cristo e o acesso por trem podem ser obtidas no GUIA DO RIO, o seu guia turístico carioca simples, prático & grátis, neste mesmo blog. Basta clicar na guia CORCOVADO lá em cima, no cabeçalho do blog.

19.5.06

POESIA JOVEM

(ILUSTRADA COM GRAFITES)


Existe uma poesia jovem, assim como existe uma música jovem, uma moda jovem? Se você pesquisar “poesia jovem” no Google, encontrará mais de quinhentos ocorrências. Mas em que a poesia jovem se distingue da poesia “não-jovem”? Quais as características da poesia jovem? O falecido (e querido) Antonio Carlos Villaça sintetiza bem o espírito da juvenilidade poética no belo prefácio que escreveu para o livro Visão “Burracha” de um mundo sóbrio dos poetas Bruno Chagas Barbosa, Daniel Luz, Gildázio Agra e Rian Gomes Corrêa. “São poemas juvenis” — diz Villaça — “verdadeiramente e felizmente. Poemas intensamente juvenis. Esta juvenilidade nos cativa. Há sempre a busca do outro. A procura do Amor. [...] Superar a solidão, encontrar o amor, eis o que esses poemas nos trazem comovidamente, emotivamente, tão reveladores de um desejo ardente de viver. Os poetas querem viver. Querem construir o futuro. [...] Eles querem construir a própria vida, a felicidade de cada dia, a vitória sobre o tempo e a solidão. Os jovens poetas querem criar o seu próprio destino.” Vejamos o que os jovens poetas cariocas têm a dizer.



Vivendo em mundo sóbrio

Vida corrida, mundo sufocante,
Adrenalina do dia-a-dia instigante.
De olhos abertos não consigo enxergar,
E a minha mente perece sem trabalhar.

O homem sóbrio não sabe viver,
Somente assimila o sofrer.
O mundo sóbrio apenas concebeu
O pensamento do somente eu.

Quando começo a me entorpecer
A realidade consigo ver.
Enxergo sem os olhos usar,
E minha mente começa a trabalhar.

O mundo sóbrio quer me rotular
Pois a mim não podem manipular.
Prefiro ser o sonhador de Cervantes
Do que ser um sóbrio ignorante.

Julgam-me por saber
Como neste mundo viver.
Hoje ser lúcido é "maluquez",
E a minha loucura é a verdadeira lucidez.

Bruno Chagas Barbosa (do livro Visão "burracha" de um mundo sóbrio)



mergulho

Não leve nada à minha boca
que não seja mar
navio em ressaca
peixe desbravando meus vazios
Só traga à minha boca
o que tem sal
desenhe em mim o salto de um golfinho
quem sabe gaivotas sobre a língua
dela farão
nosso ninho
Só leve à minha boca o que me mude
que seja a farpa de um ouriço
mas me invada
flauta sobre a pedra a ostrar conchas
me guarde nelas
me faça pérola
mas não guarde nada em mim
que tenha chaves
não quero trancas maçanetas
é o mar aberto
que beija minhas baías
Não leve nada à minha boca
sem paixão
para que vejamos
de longe
perto
o que atrás do horizonte
ainda é pôr/nascer-de-sol
no coração

Igor Fagundes. Carioca, 24 anos. É poeta, contista, ensaísta, dramaturgo, jornalista e ator. Autor dos livros de poemas Transversais (2000), sete mil tijolos e uma parede inacabada (2004) e por uma gênese do horizonte (2005, no prelo). Poema obtido no site Panorama da Palavra.



Cortinas

Fechando cortinas
Eu inventei minhas noites
Calei meus olhos
Não esperei mais nada

Dormi no meio do sonho
De um dia insone
Tomei a voz de um cicerone

Na meia-luz do raio que entra pela fresta
Faço um alarde nestas folhas sem pauta
É mais que o choro, é mais que a flauta
É mais que uma festa

Da minha língua latina
Faço palavra bailarina
Ressuscito flores que morreram

Persianas fechadas
Mas aqui dentro é dia claro
Sei começar e terminar jornadas

Thiago Oliveira (do folheto Teague, o bardo, que o autor me vendeu na porta do Centro Cultural Banco do Brasil)



Silêncio

Escute o vão
o silêncio
O calar do som
Um contra-anseio peralta
O branco na pauta
Em suas infindas pausas
insuflação divina à arte
o vazio em alarde
que se parte
no ranger dos dentes
no pulsar dos corpos
no querer de um povo
no erigir da vida
ou no esvair da tez
Insistes em não se exibir, silêncio
Pois há de existir
no não ouvir da surdez

Marcelo Felippe (do livreto Duas artes: palavras rabiscos de poesias faladas caladas que o autor me vendeu na entrada do Centro Cultural Telemar). Carioca, 25 anos, embora esteja se graduando em música pela UNIRIO, revela que "me vejo a cada dia tomado de poesia, não apenas subjetivamente; o que a literatura me concede chega até a sufocar minhas intenções musicais".


Liquidificando pensamentos

Meu Melhor Medo é Misturado com Música.
Encenando Enredos, Envolvo Exaustivamente Erros Éticos.

Unicamente Unido aos Urros, Ultrajo o Ultimato.
Finalizando as Feias Formas Físicas.

Anulam-se os Alicerces Alados do Amor.
Digo que Depois Disso Derramar-se-ão Débeis Desejos.

Poesia Pouca e Porca, Priva-me do Puritanismo.
Sem Sentido, Sentindo a Sensibilidade Sôfrega.
Faço Fantasias Falsas, Forçadas e Faltosas.

Alto no Abismo, Atrapalho-em Atento às Aberturas.
Choro Chamando Cada Cabeça Chapada, e
Drogadas Desistem de Determinar os Dias Dantescos.

Novamente, Nocivo ao Nostálgico e Narciso ao Novo,
Corro, Caçando o Caráter Céptico dos Capachos.

Todo Trêmulo, Tiro as Transitoriedades,
Sendo Sereno, Sigo Semeando Sensatez e
Tentando Terminar a Trajetória com Três.

Daniel Luz (do livro Visão "burracha" de um mundo sóbrio)


Idealismo

Quem destruirá nossas idéias?
De um mundo melhor os ideais?
Quem sabe, a ditadura opressora?
Não! São impotentes os cassetetes.
Quem destruirá nossas idéias?
Será a opressão de nossos pais?
Não! Pensamentos idealistas
Encontram à frente um só rival:

O tempo, corrosivo, é o inimigo terrível!
Um dia, burgueses, os nossos ideais mortos.
E, em protesto pelas ruas, os nossos filhos:

– Abaixo a ditadura dos pais

(Do editor deste blog na época em que era adolescente)


Fotos de grafites tiradas por Ivo & Mi na margem da Lagoa Rodrigo de Freitas e acesso ao túnel Rebouças, no Rio de Janeiro. Se gostou dos grafites, clique no marcador "arte nas ruas" abaixo para ver mais.