DICAS

26.1.22

HOMENAGEM A ELZA SOARES


Elza Soares em foto da revista O Cruzeiro de 1961 (e respectivo texto), ano em que “estourou” nas paradas de sucesso.

 

Evidente, houve uma coincidência

Louis Armstrong e Elza estavam lá

Faziam várias apresentações

Isso fez Garrincha se motivar

Garrincha disse à Elza“Essa Copa

Dedicada a você, eu vou ganhar

Elza foi a grande motivação

Pro Brasil ser de novo campeão

De: Claudio Aragão, Prosopopeias de Mané Garrincha: A história de um herói mítico em forma de Literatura de Cordel, pág. 55.

 

Da coluna Mexericos da Candinha (tão famosa que mereceu até uma canção de Roberto Carlos), de uma edição da Revista do Rádio de 1960. Reproduzo aqui para dar uma ideia de como era uma coluna de fofocas naquela época. 

ELZA SOARES (texto de Cyro de Matos)

Arrebatava a plateia com seu ritmo musical diferente, que arranhava a garganta e brincava com o som. Vi de perto em minha juventude quando deu um show de espetáculo cantante ao se exibir com uma voz esplendorosa no Cine Teatro Itabuna e no Clube Social de Itabuna. Sua voz era puro jazz na garganta inflamada, no melhor proveito, improviso e efeito. Uma desordem musical causando harmonia impetuosa e prazerosa.

Uma mulher negra, que veio da pobreza, na favela com a lata d'água na cabeça, no morro ainda adolescente subia e descia, não se cansava, noite e dia. Em condições precárias cantava para enganar a difícil dureza da vida e foi se descobrindo com uma entonação musical que só ela tinha, cheia de malabarismos vocais.

Voz das vozes, flor do samba que expandia alegria para quem a ouvisse, contagiando a todos com aquele timbre musical forte. E assim com seu jeito de cantar versátil ganhou o mundo, nos lugares mais distantes mostrou que o Brasil é grande quando beneficiado com criaturas como Elza e outras do mesmo naipe.

Que mulher incrível com sua entonação musical! Eu só acreditava porque estava vendo, como era que ela fazia aquilo com a voz? Só podia ganhar o mundo, com indiscutíveis méritos, e receber os beijos merecidos da glória.

          Trouxe no coração Garrincha, o gênio de pernas tortas, a alegria do povo com os seus dribles incríveis. Quando o craque já não mais valia para o futebol, como mulher corajosa deixou que se fosse no jogo adverso da vida. Amparou seu menino grande, aquecendo o corpo do campeão mundial de futebol com a febre do amor, adoçando o seu coração quando o sentia com a cor triste da manhã e a incerteza da noite.

         Notável exemplo de vida. Acredito que tenha ido para o lado de lá, na sua viagem sem volta, cantando e sambando. Levou Elza, na sua chegada do lado de lá, meu beijo gravado no lado de cá quando eu a ouvia cantar e ficava com uma vontade assanhada para sambar. Não somente eu, mas quem gostasse de viver com o ritmo delirante do samba.


Nota publicada na seção "Notas em 78 Rotações" da coluna Discolândia da última edição da revista Radiolândia de 1959


O SAMBA DE GARRINCHA (texto de Mário de Moraes com foto de Rubens Américo, publicado originalmente na revista O Cruzeiro de 18 de julho de 1964)


Mané Garrincha, que sambou como quis frente a “João” de toda ordem, e balançou muita rede internacional com seus chutes de endereço certo, volta ao cartaz numa nova faceta, bem diferente da que o fez famoso. Garrincha, agora, fará os outros sambarem, dando receita para balanço. Não é conselho para furar arco adversário, mas forma acertada de cair no mais autêntico samba brasileiro. Porque Mané virou sambista. E, na base do teleco-teco, lançou seu primeiro sucesso, que tem como título “Receita de Balanço”. E, com intérprete, Elza Soares, a bossa em pessoa.

A história é simples, como simples são os seus personagens, apesar da fama que os cerca.

Há dias Elza Soares preparava, na cozinha da sua bonita casa da Ilha do Governador, um bem temperado feijão, quando ouviu o ritmado assovio. O samba não era conhecido. O assobiador, sim. Mané Garrincha surgiu, e com ele o diálogo:

 Onde aprendeu esse samba, Nenen?
 Não aprendi, Crioula. É meu.
 Seu? E tu é sambista?
 Não sou, mas dou meus assobios.

A música era gostosa. Faltava a letra. Ali mesmo, entre pratos e panelas, Mané Garrincha preparou a primeira parte. Depois do almoço, saiu a segunda. Elza deu uns retoques, e veio o batismo: “Receita de Balanço”.

 Vou gravar esse samba, Nenen.
 Deixa pra lá, Crioula.
 Mas, ele é muito bonito.
 Então, é todo seu.

A turma da Odeon ouviu o samba. Gostou e marcou gravação para o dia 24 de junho. “Receita de Balanço” completará um compacto de 4 sambas. Unindo-se a “O Morro”, “Bossambando” e “Na Roda do Samba”. Garrincha misturando-se com compositores do quilate de Carlos Lyra, Orlandivo e Helton Menezes.

Agora o diálogo é conosco:

 O samba é bom, Garrincha?
 Não sei. A Crioula gostou.
 Você já tinha feito algum outro samba?
 Não me lembro. Talvez, sim. De brincadeira.
 Qual é a letra?
 Não repare a voz. É assim: “Vamos balançar/ Cantando/ Vamos balançar/ Sambando/ Vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Agora, a segunda parte: “Como é que nasce o amor?/ Balançando/ Como é que se cura uma dor? Cantando/ Então vamos balançar/ E deixando a tristeza da vida pra lá”. Gostou?


Gostamos. Principalmente depois que ouvimos a repetição na voz de Elza Soares. É impossível, porém, separar Garrincha do futebol. Ainda mais na semana em que só se fala no seu joelho enfêrmo.

 Como vai o joelho, Garrincha?
 Acabei o tratamento hoje. Agora, segundo o médico que está me tratando, terei que ficar mais quinze dias parado. Depois posso voltar a jogar, em plena forma.
 Quem é êsse médico?
 É um holandês, de nome complicado. É muito bom, e deu jeito no meu joelho.

Garrincha se desabafa. Está triste com os que o criticam, por não ter excursionado com o Botafogo. Explica que teve vontade. O seu médico, porém, avisou ao técnico do clube:

 Se quiser, podem levá-lo. Mas, na volta, não quero mais vê-lo, nem me responsabilizo pelo que lhe possa acontecer. Se não fizer o tratamento direito, pode ter certeza de que Garrincha não ficará bom.
Mané não foi, pensando no próximo campeonato carioca. E na Copa do Mundo de 66:
 Essa eu trago, nem que tenha que morrer em campo.

Falaram que êle só pensa em dinheiro:
 Não é verdade. Gostar de dinheiro, eu gosto. Mas gosto ainda mais do futebol. Se o que dizem fôsse verdade, eu teria ido. Jogava cinco minutos em cada partida, garantia a cota do Botafogo e embolsava 200 mil cruzeiros por jôgo. Além disso, não indo, deixei de ganhar um milhão e pouco. Estou há 13 anos no Botafogo e só não excursionei porque preciso ficar bom. Para o bem do meu próprio clube.

Elza Soares vai trocar de roupa, para novas fotos. E comenta:
 Hoje eu posso escolher um vestido, entre muitos que enchem o meu guarda-roupa. Não era assim no tempo da Conceição.

“Conceição” era um vestido. O único que Elza Soares possuía quando iniciou no rádio. Presente de Ziza, espôsa de Aerton Perligeiro. Côr coral, era lavado todos os dias, para as apresentações da bossa crioula. Hoje Elza ganha 200 contos por “show” e faz de dois a três por semana.

Elza Soares apresentando-se para a seleção brasileira na concentração em Campos do Jordão. Foto da matéria "Seleção Despede-se com Show" da edição 28 de 1962 da revista O Cruzeiro, acessada na Hemeroteca Digital



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