Bonita crônica de Isabella Nelson (pseudônimo do jornalista e político Abner Carlos Mourão) publicada no jornal O Paiz
de 7 de março de 1916
Eu, por mim, amo a chuva. Quando acordo e ela cai, após
alguns dias de sol intenso e de desmesurado calor tropical, penso logo no banho
reparador que estão tomando as árvores. E precipito-me para a janela, na ânsia
de vê-las, lavadas e verdes, com a alegria dos rebentos novos e todas as folhas
cantando triunfalmente, sob as bátegas sonoras.
Porque as árvores cantam quando, em pleno verão, descem de
muito alto as chuvas musicais… E a sua canção é tão doce, tão lírica, de um tão
incomparável esplendor, que um poeta divino, de uma sensibilidade agudíssima —
Guy Charles Cros — uma vez definiu o amor assim:
C’est la chanson de l’arbre, en juillet, sous l’averse. [É
a canção da árvore, em julho, sob o aguaceiro.]
Bem defronte da minha casa fica um maravilhoso jardim adolescente. E são as suas pequenas árvores redondas, sempre sugando vorazmente a terra, sempre bebendo avidamente a chuva quando ela desce reconfortadora e benéfica, na incessante procura da energia que lhes permita desenvolverem-se e subirem para o sol, são essas pequenas árvores exuberantes, de um tão visível e magnífico ardor para a vida, as que mais amo entre todas as árvores da terra.
Vejo-as palpitar de prazer sob a chuva. E, quando o vento
passa, agitam braços verdes e atiram umas nas outras e para o meu rosto
milhares de gotas d'água e gritam, excitadas, arrepiadas, nervosas, como um
bando de meninas travessas.
E toda eu vibro, tanto essa agitação gárrula,
indominável, bracejante, é comunicativa.
Se o sol tira perfumes rudes das plantas, produz a intensa
exalação aromal dos matos aquecidos, a chuva faz a terra cheirar suavemente. E
o ar fica tão frio, tão vivo, tão fino, que respirar é uma delícia tonificante.
Por isso, quando chove, eu me alegro e de uma profunda,
imensa, seivosa alegria vegetal…
E todos os ritmos da chuva, desde os imprecisos e
embaladores, até os mais estrepitosos, sinto-os cantar e correr e envolverem-me
prodigiosamente.
Volto para a cama, cerro os olhos, e deixo-me ficar. E os
ritmos prodigiosos me vão estesiando e readormecendo e sinto pouco a pouco
fundirem-se na melancolia monocroma e monótona, que Guy Charles Cros pôs nestes
versos:
“Froide, froide comme ton cœur, mon beau serpent,
avec un doux bruit collant
tombe la pluie, tombe la pluie...”
[Fria, fria como teu coração, minha bela serpente,
com um doce ruído colante
cai a chuva, cai a chuva...]
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