ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

21.1.07

ZÓZIMO BARROSO DO AMARAL

E AÍ, ZÓZIMO? de ARNALDO BLOCH (Crônica publicada originalmente no Segundo Caderno do jornal O Globo de 14/01/2006 e reproduzida com permissão do autor)

Estátua de Zózimo Barroso do Amaral "contemplando" a Praia do Leblon

Zózimo, vou dizer uma coisa, sempre que passo pela sua estátua e o vejo olhando o mar, na ponta do Leblon, me vem uma baita tranquilidade, daquela que é raro sentir, parecida com a tranqüilidade de ficar uns dias sem celular e ver a vida como ela é — ou, dirão, como ela era (lembra?), e eu de bobo ainda acredito que pode ser, pelo menos de vez em quando.

Vou dizer: ontem vi um sujeito tentando sair apressado e encontrando no elevador o peão de obra a retirar dúzias de sacos de areia (o elevador social parado).

O sujeito ansioso balançava a perna, com aquele velho ímpeto escravocrata que continua forte por aqui, e o peão dizendo a ele, esbaforido, "já vai terminar, já vai terminar", mas faltavam ainda uns dez sacos de areia.

Aí veio a transformação, o sujeito parou de balançar a perna e disse: "Melhor eu ir de escada". O peão, servil, ainda cismou,"já termino num instante!". Mas o sujeito, que abrira a porta de ferro, disse: "Não. Faz aí o seu trabalho com calma. Posso descer de escada. Não tem motivo para essa pressa toda".

Zózimo, vou dizer: eu, se fosse o peão da história, ia logo acreditar mais no Brasil, mais no cidadão, mais na dignidade dos homens. O diabo é que eu não saberia dizer se o sujeito agiu com medo de punição divina, esperando prêmio por boa ação, ou, simplesmente, por ser um homem de princípios. Não sei quão raro é tal gesto, essas coisas as estatísticas não medem, solidariedade, princípios.

Talvez você, Zózimo, nos revelasse um indicador confiável de princípios, numa nota que começasse dizendo: "Convidem para a mesma mesa o peão e o morador", e peço desculpas por ousar aqui parodiá-lo, amigo. Sei que digo "amigo" sem tê-lo, de fato, sido: quando você ainda trafegava pela redação papeamos só duas vezes, no café.

Digo "amigo", sim, como quem fala com a estátua aqui no Leblon, com o Zózimo figura pública, e sente saudades da sua elegância. Diferente da elegância fabricada do fashionismo galopante: falo da elegância de espírito, de viver, de olhar, ver, o mundo. Elegância que se vê nas coberturas e nos morros, nos conjugados e nos palacetes, no magnata e no peão, elegância e cafonalha não distinguem classe social, não há roupa ou fantasia que dê jeito quando, na alma, falta classe.

Zózimo, você ainda estava por aqui quando o pessoal começou a dizer que inveja é uma merda? Andei pensando esses dias: pior que inveja é vaidade. Mas tem coisa pior ainda: ser chato. E a coisa pior entre todas as coisas piores: não ter humor, levar-se a sério demais. Uma merda.


Para inveja, vaidade e chatice há perdão. Mas não para a falta de humor. Quem rejeita o humor pode até exercer poder, mas não morrerá antes de ter o nome gritado com escárnio nas ruas. E, quando morrer, o peso da vergonha tornará penosa a sua passagem para o nada — ou para o tudo, conforme for o que nos espera do outro lado.

Falando nisso, eu poderia arriscar uma pergunta: o que há (se é que há) aí do outro lado? Mas não pergunto, pois sei que você não responderia, e falta-me a habilidade tão praticada por aí de conversar com os que se foram.

Por isso digo, sem expectativa de ser escutado: Zózimo, ontem vi um fuscão azul-marinho que vou te contar. Belezura. Se pudesse, comprava, mas nem pensei em fazer oferta. Afinal, o fuscão estava no Rebouças — se emparelhasse, o dono era capaz de pensar que era assalto. E o proprietário estava tão feliz ao volante da charanga que pensei: "fuscão com tanta felicidade dentro não tem cotação, não tem preço, é um vintage , qualquer oferta seria uma ofensa.".

Zózimo, o Rio tá que tá, vou dizer. A violência é um problema sério, mas o medo desmedido dela é um problema ainda mais sério. Tem gente com tanto medo que se enfurna em casa e se esquece de viver. Essas pessoas, Zózimo, acho que têm medo de algo além da violência — medo de não saber viver (de nunca ter sabido viver entre os mortais), então a violência acaba sendo o argumento para esperar a morte em casa.

Apesar disso as ruas estão cheias, a maior parte das pessoas, de todas as classes (apesar dos contrastes, das divisões, do gangsterismo) é boa e se encontra nos balcões das biroscas, nos bares, nas esquinas, nos quiosques, vai à praia, ao baile, anda de bicicleta, aplaude o pôr-do-sol, queira-se ou não.

Outro dia, Zózimo, foi engraçado, eu vinha caminhando pela areia, rápido, para alcançar o sol num finzão de tarde e vi, de frente, entre o Dez e o Nove, a multidão de cariocas, além de turistas brasileiros e estrangeiros, postados diante do sol, aplaudindo (era o primeiro dia ensolarado depois de muitos) e tirando fotos com máquinas e celulares. Parecia que o já manjado aplauso ao sol tinha virado eveiiiiinto organizado, mas felizmente não tinha patrocinador (já imaginou, pôr de sol patrocinado por empresa de telefonia? Arre!) .

E era bonito que só. Que sol! Tinha gente gritando uuuhúuuuu com as mãos espalmadas na direção da estrela ("estrela", de dia, soa estranho, mas o sol é exatamente isso, a estrela do dia). E pensei: "Caramba, isso é um culto, um culto ao sol, incrível como somos tribais, ou como estamos cada vez mais tribais".
Sabe, Zózimo, quanto a mim, não sei se mostraria a mão espalmada ao sol e gritaria uuuhúuuuu , mas, sei lá, já gritei uuuuuhúuuu pra tanta coisa tola que, pensando bem, não seria má idéia, ainda mais num passeio que comece com uma visita à sua estátua. Inté.

Fotos da estátua de Zózimo "contemplando" a Praia do Leblon e do pôr-do-sol em Ipanema do editor do blog.

4 comentários:

Anônimo disse...

Hi Ivo,

Que coisa bonita de se ler!
Emocionou-me a simplicidade da conversa, como quem conta um "causo". Falando de coisas importantes de forma sutil e "elegante". E eu nao sabia que o sol andava sendo aplaudido por ai!
Eh! Estamos carecendo de declararmos nosso amor a coisas simples e belas. Creio que desaprendemos a falar, entao so nos resta aplaudir.
Aplausos a voce tambem Ivo!
Beijinhos com carinho

Anônimo disse...

Excelente escolha da crônica, principalmente nesse início de ano, Ivo.
Na leitura do que a princípio parece apenas mais um texto de amor ao Rio, encontra-se um banho de esperança de que é possível resgatar muita coisa bacana e simples da vida.
Emocionei-me também, especialmente por ser carioca, conviver diariamente com todos os nossos problemas mas, acima de tudo, por acreditar que sempre valerá a pena dar uma paradinha pra aplaudir o pôr do sol, apostar em dias melhores e investir na elegância do caráter e das atitudes.
Junto-me aos aplausos de Dolores.
Beijo,
Isabella

Anônimo disse...

Bom dia Professor Ivo!
Parabens pela crônica!Parabéns pelas fotos!!!
Parabéns pelo sucesso deste blog!
Um abraço da sua fan
Siomara de Cássia Miranda

Anônimo disse...

como sempre, nota 10 pro blog do meu amigo Ivo. ler ele é como um dever de casa, melhor, um prazer de casa. tou viciada, portanto continue c/ ele, ivo, tenho medo dos sintomas de abstinência....