ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

26.11.05

VINICIUS: OS AMORES DE UM POETA


"Que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure." Nove esposas teve Vinicius. Os relatos sobre as nove esposas foram extraídos do livro Vinicius de Moraes: o poeta da paixão — uma biografia, de José Castello (Companhia das Letras, 1994). Excelente livro!


1- Tati de Moraes (1938-50):

Vinicius chega à casa de Carlos Leão sempre meio tímido, e se instala num sofá, na companhia daquelas homens mais velhos e mais sábios. E, deixando-se embalar pela conversa, se perde em divagações. Agora se dá conta de que está diante de uma moça esperta chamada Beatriz Azevedo de Mello, a Tati, irmã mais nova de Ruth, a mulher do anfitrião. Tati, que mora em São Paulo, passa uns dias de férias com a irmã. Vinicius se encanta de imediato, mas se mantém discreto. Sabe esperar. [...]

Tati, que está noiva de um rapaz da alta burguesia paulista, tem uma paixão fulminante por Vinicius. [...] A casa de seu pai é freqüentada pela intelectualidade paulista, que a enche de afagos e de presentes. Monteiro Lobato, um dos mais assíduos, é tão encantado por ela que chega a batizar uma personagem de seu As reinações de Narizinho, um doce peixinho vermelho, de Tati. Foi mais longe: inspirou-se em Tati, mais precisamente em seu delicioso narizinho arrebitado — que ela, nos anos 50, destruirá com uma plástica de gosto duvidoso a que se submete nos Estados Unidos —para compor sua Narizinho. [...]

Contra a vontade de sua família, e já siderada pelo charme de Vinicius, ela rompe o noivado. Seus pais vêem o poeta como um rapaz perdido em sonhos improváveis, que trabalha meio vagamente como jornalista, nunca usou seu diploma de direito e tem uma vida sem rumo. Além de tudo, tem essa mania, que só poucos conseguem transformar em vocação: a poesia. (págs. 101-2)

2- Regina Pederneiras (fins de 1945-46)

Apesar de tudo, a vida transcorre serena no Leblon. Até que uma mulher vem fazer o mundo do poeta desabar. Chama-se Regina Pederneiras, é nove anos mais moça que ele — está com 23 anos — e trabalha como arquivista do Itamaraty. Os dois se conhecem em fins de 1945. O casamento com Tati entre em crise. [...]

A carioca Regina Pederneiras é uma mulher de pele muito branca, olhos verdes, pequenina e gordinha, conhecida por sua vivacidade e extroversão. É uma mulher charmosa, mas pouco vaidosa, que não se veste bem. [...]

Quase todo dia, ela e Vinicius encerram o expediente num barzinho em frente ao Itamaraty, onde sorvem seguidos cálices de cachaça de macieira — a bebida preferida da arquivista. Vinicius, por fim — e sem muita convicção — sai de casa. Regina toma o controle da situação. Casam-se no religioso, numa pequena igreja de Petrópolis...

O casamento é uma surpresa mesmo para os parentes mais próximos dos noivos. Seu único irmão, Arnaldo Pederneiras, estuda a essa época num colégio interno em São Paulo. Um dia, é pego de surpresa por um telefonema da mãe, d. Hilda Pederneiras: "Meu filho, tenho uma novidade", ela começa. "Sua irmã se casou com Vinicius de Moraes." Arnaldo é um rapaz desligado: "Ah, é? E quem é ele?", pergunta. A mãe responde: "Vinicius é um funcionário do Itamaraty." Faz uma pausa e comenta: "Ah, e também escreve umas poesias..."O irmão não gosta nada do que ouve. Diz: "Ih, em que fria minha irmã se meteu! Casar logo com um poeta..."

O casamento não dá certo e nem um ano depois de se conhecerem Regina Pederneiras decide abandonar Vinicius. O poeta cai em profunda depressão. (págs. 132-33)

3- Lila Esquerdo Boscoli (1951-56)

1951. O cronista Rubem Braga entra, agitado, no Bar Tudo Azul, no posto seis, em Copacabana. [...]

Nessa noite, Rubem Braga chega acompanhado de duas mulheres exuberantes: Lila Esquerdo Boscoli e Danuza Leão. Braga está apaixonado por Danuza, de quem Lila é grande amiga. E se aproveita de Lila para se aproximar de seu amor secreto. Procura disfarçar sua ansiedade invertendo a situação e encenando para lila o papel de Cupido. "Vai chegar um amigo meu daqui a pouco e vai ser muito chato", avisa, encarando Lila, logo que se sentam. "Chato por que se ele é teu amigo?", ela se surpreende. "Chato porque eu sou muito amigo da mulher dele, mas sei que vocês dois vão se apaixonar."

[...] Minutos depois, discreto, pede licença e vai até o balcão telefonar para Vinicius. "Quero que você venha ao Tudo Azul agora mesmo", ordena. "Por que essa pressa?", o poeta quer saber. "Não adianta porque não vou explicar. Faça o que eu estou dizendo." [...] Pouco depois, o poeta, sempre frágil diante das armações do sorumbático Braga, entra no bar. "Não posso acreditar", Lila pensa ao vê-lo. "Então o tal amigo é o Vinicius de Moraes?" Lila Boscoli, uma leitora voraz de poemas, tem há muito tempo um ídolo: Vinicius de Moraes. Agora o ídolo desce do pedestal e se materializa diante dela como candidato ao posto de grande amor.

Rubem Braga não mede as palavras nas apresentações. Levanta-se e diz: "Esta é Lila Boscoli, este é Vinicius de Moraes... e seja o que Deus quiser." (págs. 153-4)

4- Lucia Proença (1957-62)

Lucinha Proença faz uma viagem a Paris. Vai sozinha, de navio, acompanhada apenas do filho pequeno, João Pedro. O marido irá encontrá-la dias mais tarde. Durante a travessia do Atlântico, mergulhada na melancolia de alto-mar, Lucinha se põe a refletir sobre seu casamento. [...] "Meu Deus, eu não tenho mais nada a ver com o Jorge". [...]

Desembarca. Paris a envolve e ela se dedica apenas ao presente. Um dia, está circulando por uma avenida quando uma voz masculina a chama aos gritos. Vem de um carro que diminui a velocidade. Vinicius está ao volante. Os dois se cumprimentam e ele pede seu endereço parisiense. É segunda-feira. O poeta a convida para jantar no dia seguinte. Lucinha, difícil, diz que só pode na sexta. Assim que fala, se corrige: "Mas é Sexta-Feira Santa..." E, algo constrangida, conclui: "Talvez seja melhor ficar para outro dia." Vinicius, senhor de si, não a deixa esmorecer: "Não, Lucinha, não é Sexta-Feira Santa. É Sexta-Feira da Paixão", rebate. Está tudo dito. Jorge chegará na segunda. Lila [esposa do poeta], que também está no Brasil, na terça. Os dois sabem que não têm tempo a perder. (pág. 206)

5- Nelita de Abreu (1962-67)

Nelita, na exuberância de seus vinte anos, [...] é uma moça comum. Estuda pedagogia na PUC do Rio, leva a vida metódica de quem tem um namoro sério e faz planos fantasiosos para o casamento. [...] Estamos em junho quando sua prima, Noelza Guimarães, tentando animá-la, a convida para uma festa em sua casa. Uma mulher exuberante com quem Vinicius de Moraes tivera, então, um rápido flerte. [...]

Noelza ajuda, agora, a prima a se aproximar de Vinicius. Nelita vai à festa de Noelza, mas parece desligada, perdida em seus pensamentos. Quieta a um canto com o olhar flutuando sobre os convidados. Vinicius, já encantado por ela, aproveita para se aproximar. "O que está havendo contigo, menina?", pergunta numa intromissão repentina nas divagações da moça. Tem que ouvir a resposta que mais desejaria ouvir, mas que menos poderia esperar: "Não sei bem", ela diz, "mas acho que estou apaixonada por você". (págs. 237-8)


6- Cristina Gurjão (1968-69)

Um dia, Lila [ex-mulher de Vinicius] vai a São Paulo fazer compras. Convida a amiga [Cristina Gurjão] para ir junto. Cristina aceita. Vão no trem noturno das onze horas. Na plataforma de embarque, mal chega à estação, Cristina depara com Vinicius...
Cristina está instalada numa dessas apertadas cabines individuais, em que para usar o vaso sanitário é preciso, primeiro, desmontar a cama — que fica sobre ele. Sente-se sufocada. Não consegue se acomodar e vai para o vagão-bar, a essa altura já tomado pelos amigos. Bebem muito. A noite passa. Todos vão dormir, menos Rubem Braga, Cristina e Vinicius. Rubem logo percebe as atenções com que o poeta [ainda casado com Nelita] cerca a amiga. Toma um último uísque e diz: "Vinicius, eu vou dormir. Mas cuide direito da Cristininha". (pág. 280)

7- Gesse Gessy (a partir de 69)

Uma mulher — que os amigos, às vezes, tratam como deusa e os inimigos como bruxa, sempre por força de sua aparência exótica e de seu espírito misterioso — aparece para abalar a já precária união com Cristina Gurjão. Cristina, grávida de Maria, precisa ir a Portugal para receber direitos autorais em nome do marido. Estamos no segundo semestre de 1969. Quando volta, descobre que Vinicius está apaixonado por outra mulher. A rival se chama Gesse Gessy. É baiana, tem ligações com o candomblé...

[Dias depois, Cristina pergunta a Vinicius:] "Olha, poeta, sei que você está namorando uma moça chamada Gesse. Só quero saber uma coisa: ela é mesmo importante para você? . Vinicius não consegue encará-la. A tempestade se arma e tudo depende, agora, apenas de uma resposta. O poeta se enche de coragem e diz: "É." [...]
Cristina Gurjão se transtorna. "Você é um canalha!", grita. "Um grande canalha!" Os dois começam a ficar fora de si. [...] Seus olhos batem, então, em dois enormes castiçais de estanho que decoram a mesa. Não pensa: pega o primeiro castiçal e avança sobre Vinicius. Quebra-lhe o castiçal na cabeça. (págs. 306-7)

8- Marta Rodriguez (1976-77)

Marta Rodriguez Santamaria, a quem Vinicius de Moraes conhece em 1975 e com quem se casa um ano depois, é uma filha exemplar da classe média argentina. A pequena moça parece uma italiana com seus olhos imensos e a pele muito alva, rosto muito mais belo que o corpo. [...] Mora com os pais, estuda direito e escreve contos e poemas. Em 1975, Vinicius tem uma de suas temporadas programadas para Punta del Este, no Uruguai. [...] No fim de um show de Vinicius e Joyce [cantora e violonista] no La Fusa, Martita vai aos camarins e se apresenta ao poeta como "uma fã". Têm uma longa conversa, que se prolonga, depois, por meio de uma série de telefonemas internacionais. O poeta gasta uma fortuna para pagar essas ligações com que tenta, sem sucesso, seduzi-la. Joyce, vendo os dois envolvidos por aquela rede de palavras carinhosas e sabendo que a relação com Gesse Gessy já não anda nada bem, pensa: "Lá vai o Vinicius se apaixonar outra vez". Só não pode imaginar que seja por aquela menina gorducha e encabulada que invadiu o camarim. (pág. 365)

9- Gilda de Queirós Mattoso (de 1978 até a morte do poeta, em 1980)

Em agosto de 1978, Vinicius retorna a Paris. Já não é mais o mesmo homem. A relação com Martita azedou; vem sozinho. Gilda trabalha como cicerone, há alguns dias, para Tom Jobim e sua mulher, Ana. O destino move, mais uma vez, seus peões. Aninha é amiga íntima de Ruth Washington. O triângulo se fecha: ela e Gilda logo se tornam também muito próximas. Quando Gilda Mattoso depara com Vinicius na sala de desembarque, acompanhada da filha Georgiana — que trabalha agora nos shows do pai como percussionista —, logo percebe mudanças. Para pior. O poeta trata de se explicar: sua saúde não vai nada bem. O diabetes complicou e ele é obrigado a se auto-aplicar, diariamente, doses regulares de insulina. [...]
No ônibus que os conduz ao hotel, o poeta faz questão de sentar ao lado de Gilda — e logo os dois estão de mãos dadas. Georgiana, rápida, sussurra ao ouvido da moça, fazendo-se de vítima: "Estou doida para que papai arranje logo uma namorada para não me alugar mais." A senha, finalmente, está dada. (pág. 399)



Ilustrações: Cartaz do filme Vinicius (obtido na Internet), capa do livro Vinicius de Moraes: o poeta da paixão — uma biografia, de José Castello, capa do disco Vinicius de Moraes da coleção Música Popular Brasileira da Abril Cultural, detalhe da parte de trás da capa desse disco (capas fotografadas pelo editor do blog).

8.11.05

TERRORISMO & RIO DE JANEIRO

Está no Globo de 5 de novembro de 2005: “Traficantes da Favela do Rebu atacaram microônibus a tiros de fuzil. Uma pessoa morreu e oito ficaram feridas. A diarista Janaína Santos de Jesus foi atingida na cabeça e no tórax e morreu na frente dos filhos...”

Atacar transporte público cheio de passageiros a tiros de fuzil constitui terrorismo. Terrorismo em pleno Rio de Janeiro. No subúrbio, contra gente humilde. Se fosse na Zona Sul...

Se eu fosse o presidente Lula teria telefonado para a família de Janaína a fim de expressar minhas condolências — como fez no caso do brasileiro morto por equívoco pela polícia de Londres. Se eu fosse a governadora do Estado anunciaria medidas para trazer a paz de volta à cidade. Se eu fosse o prefeito do Rio, pressionaria a governadora e o presidente por ações mais eficazes contra o banditismo. Se eu fosse um deputado ou senador eleito pelo Rio proferiria um discurso em Plenário repudiando atos de terrorismo como o que vitimou Janaína. Se eu fosse o presidente da OAB, lançaria um manifesto pela restauração do Estado de Direito nas áreas dominadas pelo tráfico. Se eu fosse o presidente da ABI, protestaria contra o cerceamento da ação da imprensa nessas mesmas áreas. Se eu fosse o bispo, mandaria rezar missas pelo restabelecimento da paz na cidade. Se eu fosse a esquerda, organizaria manifestações ruidosas de protesto contra o arbítrio imposto às populações das áreas marginais e periféricas. Se eu fosse...

Este fim de semana não teve literatura nem Rio de Janeiro no blog. Estamos de luto por Janaína.

27.10.05

AMANHECENDO / ANOITECENDO de ANA LIA VIANNA AMBROSIO


AMANHECENDO

Cedo cedinho despertei. Escuro ainda, olhei para o relógio – horário de verão – cinco e meia da madrugada. Boa noite de sono, apesar das poucas horas. Bem humorado levantei, decidindo por um passeio nas ruas. A pé. Aproveitar das vantagens de morar sozinho, sem ter que dar satisfação a ninguém. Logo me veio à cabeça a violência que impera na cidade e os riscos da minha aventura. Resolvi arriscar. De saída, vi de perto os feirantes arrumando suas barracas, reconhecia alguns deles. Em seguida, peguei o caminho do mar: nas pedras encantei-me com os pescadores apostando nas futuras presas. Alegres, homenageando o oceano, a terra, os sonhos. A noite se despedia, cedendo lugar à nova jornada que, triunfante, clareava. Cachorros solitários abanando os rabos, adolescentes voltando das farras, gente (de todas idades) cuidando da forma. Sem falar nos inúmeros bêbados vagando pelas calçadas. Alguns falando sozinhos, outros cambaleando.

"A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar..."

Navio, ao longe, dá margem às recordações do meu tempo de criança. Tempos de muita brincadeira, tempos ingênuos, tempos tristes. De brincar de pique esconde, de cabra cega, de mamãe posso ir. Cantigas de roda, primeiro beijo, malícia entrando no circuito. Como não quer nada. Êta malícia gostosa – provocando arrepios no corpo e na alma. Submarinos: imperdível cenário de nossas imaginações. Nada melhor do que as lembranças!
E a violência? Desta vez nem a percebi. Cego?
Aos poucos, pessoas nas ruas. O trabalho, a escola, a vida. Portadoras, quem sabe, de um emblema invisível chamado Esperança. Que as leva a prosseguir viagem.

"Sem a qual a vida é nada, sem a qual se quer morrer."

Amanheceu no meu caro e fiel bairro - Leme.



ANOITECENDO


Contemplando o céu – horário de verão – fascinado com o belíssimo quadro que me ofuscava os olhos. Retratá-lo? Impossível. Enquanto o sol se despedia, uma faixa de nuvem clara anunciava a noite chegando. Esplêndido único raro momento! Cenário tranquilo. Crianças brincando, amantes se encontrando, gente simples caminhando. Os idosos, satisfeitos, sorriam numa terra de ninguém. Confuso e esperançoso nosso país, imerso em tão formosa ilha, parecia esquecer-se dos inúmeros problemas.
Ilha da fantasia e da realidade.
Pés macios, firmes, poderosos deslizavam numa direção. Mão única. Voltei atrás no tempo, rememorando violentas paixões, amores ternos, eternas amizades. Desejava fotografar cada segundo, perpetuando sonhos fecundos e viáveis. Os inviáveis, maioria, fica para outra vez. Barulho do mar, quase sem ondas – melodia em meus passos. Profana canção. Areias brancas a embalar-me no colo. Feito criança. Lembranças e mais lembranças embelezando minha andança. Andança promissora; olhei de novo para cima – nada se transformara. Faixa de nuvem cristalina no mesmo lugar. Alívio...
Segui até o final. Final de quê? Pouco importa. Revesti-me de coragem, decidindo voltar. Sabia de cor e salteado que na vida tudo tem um fim: triste, fugaz, porém sábio acalanto. Fotografei no coração inesquecível passeio. Noite mal começara. Ao retornar, procurei o quadro perfeito em seus encantos. Desaparecera. Céu escuro por completo, apenas uma tímida estrela ameaçando despontar.

Anoiteceu.

E com a noite as eternas ondas do Leme! Até amanhã.




Saiba mais sobre Ana Lia Vianna visitando seu blog "Prosa Hoje" em http://prosahoje.blogspot.com/

26.10.05

DOIS NOVOS ASTROS

Dois novos astros brilham no firmamento poético: Wanda Lins, poesia radicalmente original, paranormal, paradoxal, paralática. Wanda Lins nasceu no Rio de Janeiro em 1949. Aos doze anos foi viver na França, onde se formou pela École Supérieure d’Interprètes et Traducteurs. Em 1986, publicação do livro Les Monstrillons. Em novembro de 99 volta para o Brasil, em janeiro de 2000 começa a escrever em Português. Seu livro de estréia: 50 tempestades (Oficina do Livro, 15 reais). E-mail para contato: wlins@superig.com.br

se fosse
Wanda Lins


se fosse uma curva seria parabólica
saída do chapéu cônico de uma bruxa diabólica

se fosse uma linha seria duas paralelas
retas infinitas magrelas

se fosse um ângulo seria paralático
nada como ser um ângulo galático

se fosse um objeto sem dúvida um parabelo
verde e amarelo

e se fosse um raciocínio
seria pitbullmente paradoxal

mas não sou nada disso
sou

eu

parahybana e paranormal


Isabel Corsetti, nascida em Antônio Prado, RS, e criada no Rio de Janeiro, formação básica em artes visuais. "Poetar permitiu conectar-me à literatura, magnífica forma de arte que alia todos os sentidos em um só meio de expressão, sulcando as marcas e traçando as trilhas de nossos descaminhos." Poesia lânguida, sensória, devaneante. Seu livro de estréia: Plano de Fundo (Oficina do Livro, 20 reais). E-mail para contato: isabel.orlandi@bcb.gov.br


Tango
Isabel Corsetti


Olhaste para mim tantas vezes
por vezes de modo profundo
pintaste as mais belas cores
e flores em plano de fundo.

Tuas mãos me tocaram a esmo
e logo segui o teu mundo
teceste comigo mil planos
e o tempo passou num segundo.

Tua voz acalmava-me os passos
devassos perdidos soturnos
e assim estreitaram-se os laços
teus braços e um sono fecundo.

E foste pintando com calma
a me aprisionar nessa trama
e emparedar-me na alma
e a contracenar nesse drama.

E a tela a princípio simplista
tornou-se real como um todo.
Ao desvencilhar-me do artista
lancei-me perdida no lodo.

Fotos de Wanda (acima) e Isabel (abaixo) tiradas por Ivo no lançamento de seus livros.

19.10.05

RIO DE JANEIRO A DEZEMBRO

Vilma Duarte (a cronista de Araxá)



Ser brasileiro é ter certidão de Estados da graça.
Qualquer um, tem o seu charme de seduzir.
Mas o cortejo do Rio... cativação para sempre.
Quem pode resistir?

Inspirar beleza e expirar poesia, função vital de coração de poeta.

Desvendar a alma do Rio... ousadia de quase morrer lindamente, de emoção.

Deixar as praias, os "points" da moda, os shoppings, todos os lugares-comuns e mergulhar de cabeça nas origens da terra de São Sebastião.

Aninhar-me no centro da cidade maravilhosa, fazer amor com a história e acordar redimida e saciada com as badaladas musicais dos sinos da Candelária.

Cansar as pernas e refrescar a alma no entra e sai das Igrejas Majestosas do Rio, sentir verde Brasil no peito benzendo-me no Largo São Francisco, posando faceira no Largo da Carioca, senhora da paz na ternura da rua tombada como patrimônio da cultura e da sensatez.

Resfriar o calor do corpo com o chope do Bar Luiz, inaugurado em 1887 na rua da Assembleia, e desde 1927 na Rua da Carioca, para desfrute da boemia famosa como Bezerra da Silva, Ziraldo, Chico Caruso, Jaguar, João Bosco e simples e sedentos mortais como nós.

Sentir as batidas da brasilidade no coração com a restauração caprichosa do Centro Administrativo da Colônia, no Paço Imperial, amar cada detalhe, e gritar que a Praça Quinze, é uma das mais belas alegorias da Escola-Anais do Rio de Janeiro.

Comover-me literal e literariamente com o Real Gabinete Português de Leitura e deixar escondido, no meio das estantes de preciosidades, lágrimas de pesar pelo pó enegrecido que destrói sem piedade as palavras dos imortais das letras.

Embrenhar-me nas ruelas encantadoras, onde o tempo cunhou a poesia e suspirar com a dicotomia do homem: A Bolsa de Valores capitalista, vizinha de grito do despojamento da casa da "Pequena Notável".

Enfeitar os sentimentos de ufanismo na rua Gonçalves Dias, e regalar-me com o Festin de Rois no segundo piso da coquete e chique, Confeitaria Colombo.

Aprender ao vivo nos centros históricos, subir Santa Teresa no último bonde de ofício regular desse país variado, cumpliciar aquele jeitão de interior do bairro comportado nas barbas da metrópole, arquivar sua beleza doce na alma, ver a Baía de Guanabara de longe...lá de cima...e pedir desculpas ao mar por traí-lo seduzida pela magia do Rio colonial.

Caminhar pela orla marítima em Copacabana, depois de conhecer-lhe ângulos nunca dantes nem sonhados. O estilo dos prédios quarentistas, o lugar dourado do começo da bossa-nova, tudo debaixo de chuva, essa coisa divina de escritor, rezando com a mesma fé no breviário do guia-nativo, conhecedor do seu hábitat, gentil e generoso, nada mais nada menos que Ivo Korytowski, o escritor, carioca da gema e querido das multidões.

No arremate da semana da cinderela deslumbrada na carruagem da história do Rio, café com glamour literário na "Letras e Expressão" em Ipanema, rodeada de livros e cobrões das letras, oferecendo a amizade de primeira com laços de fita vermelha, como presente de Natal.

Já nem sei quantas vezes fui ao Rio, mas esta, teve gosto e cheiro de primeira vez.

Convidada pela Academia Brasileira de Letras, Global Editora, Ministério da Cultura e Fundação Biblioteca Nacional para o lançamento da Enciclopédia de Literatura Brasileira, com carona de biografia modesta no maior inventário da literatura já publicado no Brasil, como não ir e amar?

Vi os notáveis, os amigos dos notáveis e mesmo pequenina, senti a energia tribal acalorar-me as emoções.

Vi muitas pessoas, vestidas com o fardão da simplicidade com motivos de sobra da gente amar para sempre.

Vi e arquivei um outro Rio, que a sensibilidade à flor da pele, com bronzeado na alma pede licença para repetir:
" O Rio de Janeiro continua lindo..."


Vilma Duarte, a "cronista de Araxá", publica crônica semanal no Correio de Araxá e em O Planalto.



Algumas informações para quem quiser seguir o roteiro da Vilma:

As "igrejas majestosas", barrocas, estão no Centro da cidade. As principais: Igreja e convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Igreja da Candelária, na Praça Pio X, Igreja e mosteiro de São Bento, na Rua Dom Gerardo 68. Mas há outras, muitas outras.
A "rua tombada como patrimônio da cultura e da sensatez" é a Rua da Carioca.
O centenário Bar Luiz, onde se bebe o melhor chope do Rio, fica na Rua da Carioca, 39.
O Paço Imperial fica na Praça XV de Novembro (onde saem as barcas para Paquetá e Niterói) e funciona como centro cultural.
O Real Gabinete Português de Leitura foi abordado na postagem "Programas de Bibliófilo".
As "ruelas encantadoras" podem ser acessadas penetrando-se no Arco do Teles, verdadeiro "túnel do tempo", na Praça XV. A casa da pequena notável fica lá.
A Confeitaria Colombo, de atmosfera art nouveau irresistível, fica na Gonçalves Dias, 32.
Santa Teresa já foi objeto de várias postagens neste blog.
Os "prédios quarentistas" em estilo art déco ficam nas imediações da Praça do Lido. E "o lugar dourado do começo da bossa-nova" hoje abriga boates de garotas de programa e fica na Rua Duvivier, entre a Avenida Atlântica e a Nossa Senhora de Copacabana.
A charmosa Livraria Letras e Expressões fica na Visconde de Pirajá, quase esquina com Vinicius de Morais.
A Academia Brasileira de Letras foi abordada na postagem "Programas de Bibliófilo".


Fotos do Bar Luiz, Paço Imperial, casario colonial e Confeitaria Colombo tiradas pelo editor do blog.

12.10.05

PROGRAMAS DE BIBLIÓFILO


Três programas pra bibliófilo nenhum botar defeito, carioca ou em visita ao Rio. Primeiro, conhecer a Academia Brasileira de Letras. Pode ser uma visita virtual ao Petit Trianon (o prédio antigo da Academia, cópia de uma construção existente em Versalhes, doado pelo governo francês em 1923). Mas também é possível fazer uma visita guiada gratuita, nos meses de abril, maio, junho, agosto, setembro e outubro, às segundas ou quartas, às 14 ou 16 horas. Reservas devem ser feitas com Therezinha pelo telefone 3974.2526 ou pelo e-mail visita.guiada@academia.org.br. A Academia fica à Avenida Presidente Wilson, 203 - Centro.


Programa número 2: a Folha Seca, na rua do Ouvidor, 37 (perto da Praça XV), uma simpática livraria especializada em MPB, futebol e Rio de Janeiro. Lá você encontrará maravilhas como A alma encantada das ruas, de João do Rio (ver trecho abaixo), História das ruas do Rio, de Brasil Gerson ou Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manuel de Macedo (autor de A Moreninha). Lá tem até o Édipo, meu livro de contos premiado pela União Brasileira de Escritores.



Terceiro programa: Real Gabinete Português de Leitura, à Rua Luís de Camões, 3 (entre o Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes - foto acima). A maior biblioteca de autores portugueses fora de Portugal, em prédio no estilo manuelino que lembra o Mosteiro dos Jerônimos de Lisboa, existe desde os tempos de Machado de Assis. Aliás, Machado a freqüentou, e algumas das primeiras reuniões da Academia (ainda sem sede própria) realizaram-se ali. É inacreditável, é ver pra crer. Parece uma daquelas bibliotecas saídas da imaginação de um Borges.


A RUA
João do Rio

Eu amo a rua. (...) Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. (...) A rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! (...)

Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. (...)

Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde...

É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.

Do livro A alma encantadora das ruas (Companhia das Letras, 1997). Também é possível fazer download do livro no site
Domínio Público.

Fotos de Ivo & Mi: Estátua de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras; Livraria Folha Seca; Real Gabinete Português de Leitura; clarabóia do Real Gabinete.

29.9.05

MUNDO INTERIOR (soneto de Machado de Assis)



Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
Do sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, - a natureza externa, -
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida,
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E, contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro de mim
, vejo à luz de outro sol, outro
abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro
orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, - e dorme.


Glossário:
Hidra de lerna - Serpente de sete cabeças, que renasciam assim que eram cortadas, morta por Hércules.
Armida - heroína da Jerusalém Libertada, de Tasso, mulher que fascinava pelos seus encantos



Observe que neste soneto Machado contrasta o mundo exterior, a natureza, com o mundo interior, a alma humana, ambos igualmente imensuráveis. Clique no marcador Machado de Assis abaixo para ver outras postagens sobre o escritor neste blog. E aceite meu convite para assistir ao vídeo acima onde abordo minha velha paixão pelo "bruxo do Cosme Velho".

6.9.05

PROGNÓSTICO, de ALBERTO CARRAZ



— Vai dar merda!

Foi a única coisa que falou durante toda a reunião. Falou, não. Murmurou.

Como estava do lado, apenas eu ouvi. Fingi que nada tinha acontecido, qualquer reação minha poderia chamar a atenção para ele.

E toma falação. Nova estrutura da empresa, contratações de peso e demissões de toda maneira - justas e injustas.

Os que já estavam na companhia há algum tempo sentiram-se preteridos e desprestigiados. Mas ela continuou, ainda tinha muito a informar.

A estabilidade funcional na área de vendas seria determinada pela produtividade mês-a-mês. Metas atingidas, garantia de emprego.

Como teste de compreensão e agressividade de marketing, estabeleceu que cada um dos 18 vendedores, que a empresa chamava de "operadores de mercado" -- também gostavam de presepadas -- teria de vender dois automóveis por dia, nesta primeira semana. Que dessem o seu jeito. Que apelassem pra família. Que recorressem a amigos. Que procurassem por antigos clientes.

Fodam-se! Agora é política de resultados. Temos compromisso sério com a empresa!

Muito prazer em conhecê-los, bom-dia para todos e mãos à obra.

Naquele dia sobrou café na copa. Ninguém deu a costumeira passadinha antes de ir à luta.

Juvenal pegou seu cansado automóvel e, sem marcar visita, resolveu arriscar aquele velho e fiel cliente no outro lado da cidade. Nutria a esperança de, por ali, começar a escalada para a garantia de seu emprego.

Enquanto dirigia, ensaiava o discurso de venda. Procurava uma maneira de mesclar abordagem comercial com entremeios de amenidades, para que o papo ficasse menos pesado.

Tinha que dar o máximo de si. Oportunidade única de mostrar à nova chefe que ele era um dos melhores.

O sinal fechado aumentava-lhe o tempo de reflexão.

Porra, outro ambulante. Agora tem de tudo nos sinais.

Olhou com desinteresse, preparado para a negativa automática.

Que surpresa!

O cromado do revólver foi suficiente para que entendesse tudo.

Levantou a cabeça devagar e pediu calma ao meliante.

Calma é o caralho! Abre logo esta porra e pula pra lá. Perdeu, meu camarada.

Explicou que aquele era o seu único bem. Mais ainda: seu instrumento de trabalho. Seu sustento.

Porra, maluco. Tô ficando bolado.

Dois tiros e nada mais.

Sentiu que o mundo se afastava.

Onde estão minhas mãos? Cadê minhas pernas? Por que este silêncio?

E, num último momento de regozijo, achando que esboçava um sorriso, pensou: "Que bom! Estou liberado da meta desta semana."

Alberto Carraz é professor de língua portuguesa. Teve oportunidade de, por alguns anos, viver fora do Brasil. Por isso, dá muito valor a tudo que o país oferece. Com ressalvas, é claro.

23.8.05

RIO NUBLADO

Pão de Açúcar visto da Praia Vermelha

Os cartões postais mostram um Rio eternamente ensolarado. "Rio de sol, de céu, de mar", canta o "Samba do avião" de Tom Jobim. O sol é tão típico do Rio como o fog é de Londres e a garoa, de Sampa.
Mas quando chegam as chuvas de verão, noticiários de TV e jornais mostram um outro lado do Rio: ruas alagadas, desmoronamentos...
Entre esses extremos meteorológicos, um meio-termo menos badalado: o Rio nublado, que também tem seus encantos, sua poesia em tons cinzentos. O tempo ideal para longas caminhadas ou passeios de bicicleta: volta à Lagoa, pista Cláudio Coutinho, calçadão...
E tem mais: as fotos do Rio nublado, que você vê a seguir, dão excelentes "papéis de parede" de computador.

Baía da Guanabara

Botafogo visto da Urca (com o Corcovado encoberto)

Praia Vermelha

Colônia de Pescadores do Posto 6

Fotos de Ivo & Mi

9.8.05

CENA ESTRELADA POR RUBEM FONSECA (de Geneton Moraes Neto)



RIO DE JANEIRO, 2005


Os detetives dos livros de Rubem Fonseca são espertíssimos. Notam tudo. Quem navegou deliciado pelas páginas de um livro como Bufo & Spalanzanni certamente se surpreendeu com a argúcia dos investigadores criados pela imaginação de Fonseca. Mas lamento informar que o próprio Rubem Fonseca não é tão atento: não notou que eu segui seus passos sorrateiramente pelas ruas do Leblon. Fonseca nem desconfiou. O criador não é tão arguto quanto suas criaturas.
Faz pouco tempo: Rubem Fonseca estava na fila do Supermercado Zona Sul, na rua General Artigas. Sozinho. Anônimo. Silencioso. Usava um boné, não para se proteger do sol - porque já eram sete da noite -, mas certamente para se resguardar da investida de algum leitor inconveniente ou, pior, algum repórter intruso, como eu. O horror, o horror, o horror.
Pensei com meus botões: vou fazer uma foto de Rubem Fonseca, a Greta Garbo das letras, o homem que devota um consistente horror a repórteres e fotógrafos. O problema é que minha máquina - amadora - estava em casa. Resolvi acompanhar, à distância, a caminhada de Fonseca pelas ruas, na saída do supermercado. Quem sabe? Se ele passasse em frente ao meu apartamento, eu teria trinta segundos para correr, pegar a máquina lá dentro e voltar para a rua, a tempo de eternizar o flagrante num disquete.
Rubem Fonseca saiu do supermercado, entrou à direita na General Artigas, dobrou à esquerda na Ataulfo de Paiva e seguiu, anonimamente feliz sob a lua do Leblon. Guardei uma distância prudente: fiquei sempre a uns dez passos do homem, para não perdê-lo de vista. Não perdi.
Rubem parou diante de uma banca. Bela imagem: o homem célebre e solitário contemplava as manchetes dos jornais pendurados na banca como se fossem roupas num varal. Mas lamento informar que perdi a foto perfeita. Não deu tempo ir buscar a máquina.
O homem sumiu de vista, entrou à direita na rua General Urquiza, caminhou em direção ao mar do Leblon. O repórter ficou a ver navios.
É tudo o que Rubem, o fugidio, sempre quis.

CENA 1 de "TRÊS CENAS ESTRELADAS POR RUBEM FONSECA". As cenas 2 & 3 você pode ler no excelente site do jornalista Geneton Moraes Neto em http://www.geneton.com.br/archives/000118.html.


FOTOS DO LEBLON: Ivo & Mi

29.7.05

TRÊS MARINHAS

AS POESIAS DESTA POSTAGEM FORAM TRANSFERIDAS PARA "POESIAS SOBRE O MAR (e uma crônica também)" NO MEU OUTRO BLOG, O SOPA NO MEL. PARA ACESSAR CLIQUE AQUI.

10.10.03

IGREJA DA PENHA



Quem entra no Rio pela Linha Vermelha ou Avenida Brasil vê ao longe, à direita, a igrejinha da Penha no alto do penhasco.

Com a pacificação do complexo de favelas da Penha, por muito tempo dominado por traficantes, a Igreja da Penha vive um renascimento, voltando a atrair fiéis e turistas. Situada no coração da Zona Norte — no tradicional bairro da Penha, um dos “subúrbios da Leopoldina”, como se dizia no século passado — oferece uma vista impressionante, diferente das vistas do Corcovado ou de outros mirantes da Zona Sul. A Festa da Penha já foi uma festa importante que atraía números enormes de fiéis. A Festa da Penha também atraía grande número de sambistas na primeira metade do século XX. Noel cita a Penha em várias de suas canções — dizem que cita mais a Penha do que Vila Isabel. “Não há quem tenha / Mais saudades lá da Penha / Do que eu, juro que não”, canta Noel em Meu Barracão. Escreveu João Máximo, biógrafo de Noel: “O Noel Rosa tinha um espírito suburbano, amor pelos locais afastados do centro da cidade.”

São famosos os 382 degraus cortadas na pedra até a igreja no alto, que pagadores de promessas costumavam subir de joelhos. Porém quem estiver fora de forma pode subir por um bondinho.

Além da famosa igreja no alto do penhasco, no pátio ao pé da escadaria existe uma outra igreja, loja de artigos religiosos, concha acústica, estacionamento, a sala de milagres repleta de ex-votos (peças de cera ou madeira, muitas vezes em forma de uma parte do corpo, deixadas por fiéis em agradecimento a graças alcançadas) e o museu do santuário, abertos nos domingos de festa.

A Festa da Penha costuma começar no primeiro sábado de outubro com a lavagem das escadarias (foto abaixo) e a procissão luminosa. Eventos variados ocorrem também nos domingos de outubro. No dia 12, de Nossa Senhora da Aparecida, ocorre o evento Corações Unidos. A programação detalhada pode ser obtida no site do Santuário da Penha. Portanto se você, turista ou morador da Zona Sul, quiser provar o gostinho dos “subúrbios”, que tal pegar um "trem da Central" ou mesmo um "busão" e curtir o trajeto até a Penha?



Endereço: Largo da Penha, 19 — Penha (ver mapa abaixo).

Telefone: (21) 3219-6262


E-mail: faleconosco@santuariopenhario.org.br

Preço: Gratuito, mas acho que um visitante com espírito cristão deva deixar uma contribuição na caixa de esmolas.

Horário do museu: Domingos, 7h às 12h. Visitas de segunda a quarta podem ser agendadas pelo telefone ou museu@santuariopenhario.org.br.

Horário das missas: Segunda-feira e de quarta a sábado às 8h; domingo às 7h, 8:30h, 10h e 16h. O primeiro domingo do mês é consagrado a Nossa Senhora da Penha.

Horário de abertura do santuário: Diariamente das 7h às 18h.

Como chegar: A melhor maneira de ir à Igreja da Penha é pelo trem da Supervia. Vá (de metrô) até a Central do Brasil e lá pegue um trem do ramal Saracuruna (plataforma 12). Eis o percurso:  Central, São Cristóvão, Triagem, Manguinhos, Bonsucesso (de onde sai o teleférico do Complexo do Alemão), Ramos, Olaria e enfim Penha!  Você também pode saltar do metrô e pegar o trem na Triagem. Confira no site da Supervia os horários exatos e veja se os trens estão operando normalmente, se não há nenhum "contratempo".

As seguintes linhas de ônibus passam perto do Santuário (peça ao trocador que avise quando chegar lá): 483 (Penha-Siqueira Campos via Túnel Santa Bárbara) e 497 (Penha-Laranjeiras). Estas linhas, depois de transporem o Centro da cidade, percorrem a Avenida Brasil até Manguinhos, onde pegam o Viaduto de Manguinhos e passam a atravessar uma série de bairros da Zona Norte: Bonsucesso, Ramos, Olaria e Penha. Você vai saltar no terceiro ponto da Rua Quito, antes da Praça Panamericana (veja no mapa).


Visualizar Igreja da Penha em um mapa maior

História: O culto a Nossa Senhora da Penha de França começou no século XV quando o peregrino francês Simão Vela descobriu na montanha Peña de Francia (Penha de França em português), da Serra de França, em Salamanca, Espanha, uma imagem de Nossa Senhora. 

A construção da primeira ermida, em torno de 1635, está envolta em lendas. Conta-se que o capitão português Baltazar de Abreu Cardoso, proprietário das terras no entorno do atual santuário, ao subir o penhasco para ver suas plantações, foi atacado por uma serpente. Pediu auxílio a Nossa Senhora, que o salvou do perigo. Em agradecimento, construiu uma capela com uma imagem de Nossa Senhora no alto do rochedo. Como ficava no alto de uma penha (penhasco), passou a ser chamada de Nossa Senhora da Penha e mais tarde foi associada a N. S. da Penha de França.

Em 1728 criou-se a irmandade de N. S. da Penha de França, e a capela original foi substituída por uma nova e maior.

Em 1817 a Sra. Maria Barbosa prometeu que, se tivesse um filho, mandaria esculpir uma escadaria no granito do penhasco para facilitar o acesso à capela. Em 1819 a escadaria estava concluída.

Em 1870 a capela foi demolida, erguendo-se em seu lugar um templo novo, de inspiração neogótica. Na primeira década do século XX, Luís de Moraes Júnior veio de Portugal especialmente para remodelar a decoração arquitetônica. Viajando de trem para acompanhar as obras, conheceu Osvaldo Cruz, que o convidou a projetar Manguinhos. Com essa reforma a Igreja assumiu sua feição definitiva, que vemos hoje. (Informações obtidas em Ivo Korytowski, Guia da Cidade Maravilhosa, Editora Ciência Moderna. Para ver outras postagens neste blog sobre a Igreja da Penha clique no marcador abaixo.)

14.9.03

CENTRO CULTURAL CARTOLA


O Centro Cultural Cartola, na Mangueira (pertinho da quadra da popular escola de samba) é ao mesmo tempo um Centro de Referência de Documentação e Pesquisa do Samba Carioca, um centro comunitário oferecendo oficinas gratuitas de vídeo, cinema, fotografia, design gráfico, história em quadrinhos e animação para os moradores e um Museu do Samba Carioca, contando a história do samba do Rio de Janeiro, das escolas de samba e de seus personagens (com destaque para o grande Cartola) em vídeos, exposições de fantasias, painéis e ótimos textos explicativos. É possível agendar uma visita guiada (para qualquer número de pessoas, mesmo uma só) pelo telefone (21) 3234.5777 ou você pode aparecer espontaneamente por lá que será muito bem recebido. O Centro de Cultura fica a pouco mais de um quilômetro da estação de metrô Triagem e os mais aventureiros (desde que não ostentem sinais de riqueza) podem ir andando. Aos menos corajosos recomendo o táxi.


Endereço: Rua Visconde de Niterói, 1296 (Mangueira)

Site: http://www.cartola.org.br/

Telefone para agendar visitas guiadas: (21) 3234.5777

Horário: Segunda a sábado, 9h às 17h. Domingos e feriados, 9h às 14h.

Preço: Gratuito.

Como chegar: O Centro Cultural Cartola fica a 1,1 km da estação de metrô Triagem.



Visualizar Centro Cultural Mangueira em um mapa maior

10.9.03

OS SERTANEJOS, de COELHO NETO

Crônica "Os Sertanejos" de Coelho Neto na edição de 29-30 de outubro de 1908 de A Notícia. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil.

Crônica publicada na página 3 da edição de A Notícia de 29-30 de outubro de 1908 (pesquisada na Biblioteca Nacional e aqui transcrita na ortografia original). A crônica conta a história de um grupo de artistas sertanejos contratados para se apresentarem na Exposição Nacional daquele ano, mas que, assustados com a modernidade da metrópole, não conseguem repetir ali os mesmos cantos e danças em que são exímios no seu ambiente natural, o plácido sertão, e acabam por decepcionar o público. Afinal, conclui o autor, “almas não são batatas que se exibam em exposições, a alma só se expande livre e espontaneamente”. A aplicação do termo “Cidade Maravilhosa” à Exposição, comum na imprensa da época, gerou o mito de que foi Coelho Neto quem cunhou esse epíteto para o Rio de Janeiro, o que a leitura da crônica desmente. Em 10 de janeiro de 1927 Coelho Neto publicou na pág. 8 do Jornal do Brasil uma versão bastante modificada desta crônica, onde a Exposição dá lugar a um cinema, e, aí sim, a Cidade Maravilhosa se aplica ao Rio, mas àquela altura o epíteto já tinha se consagrado, como você pode conferir aqui.

Chegaram em turma, contractados para cantar e dansar no recinto da Exposição. Gente escolhida! Os homens, guapos, destorcidos, como por lá dizem; as raparigas, lindas, de voz suave e d’uma graça languida no boliar do corpo, mas, depois de um ensaio canhestro, o emprezario, esticando desanimadamente o beiço, antevendo, sem duvida, o fiasco, devolveu-os ao sertão com os seus trajos pittorescos e todo o instrumental languoroso com que se alegram as noites lindas das suaves campinas sertanejas.

Foi um desapontamento, disseram me.

Os pobresinhos, tão airosos nos seus pagos, perderam de todo o garbo, desaprumaram-se logo ao deixarem a estação de desembarque e os primeiros passos com que pisaram o asphalto não seriam mais medrosos e incertos se fossem dados em desfiladeiro de má fama, por entre cruzes, em noite negra e aziaga de agosto.

Lividos, d’olhos esgazeados, achegavam-se uns aos outros, com o terror presago com que se apinham as ovelhas em marcha para o matadouro.

“Ó famanaz [que tem muita fama] da serra, que é da tua arrogancia! Trazes a viola  á bandoleira e caminhas d’olhos baixos, tu, o mais atrevido cantador da serra, dono de tantos corações, vencedor em tantos desafios... Eh! valentaço, que é da tua grimpa [orgulho]?

E tu, moça do collo timido ["tumido" na versão de 1927], musa morena das floralias serranas, tu, que tem [corrigido para "tens" na versão de 1927] sido a deusa da discordia, accendendo rancores com a luz dos olhos negros e despertando a sêde do sangue com a cor da bocca mais cheirosa do que uma baunilha; moça da serra, porque vais tão triste e com os quadris tão quietos, tu que tão bem os cirandas quando, na ponta do pésinho arisco, saltas, ao som da viola, requebrada e risonha, desfiando a fieira.

Moça cheia de graça, que é da côr das tuas faces, que é do teu dengue, que é da tua alma, feita de volupia ?

Estas vozes interrogativas soavam á passagem melancolica da tribu. Pobre gente ! O mar largo, sereno e azul, dobando as suas ondas caireladas [=debruadas] de espumas, conteve a pequena grey. Quedaram os homens estarrecidos, as moças persignaram-se procurando, com dedos tremulos, no papo da camisa, as contas do rosario bento.

Diz a história de Xenophonte que os gregos, livres de Tissaphernes e da gente perfida e bravia das rechans asiaticas, ao avistarem o mar lustroso, lançaram por terra escudos e sarissas e, prostrando-se de joelhos, com lagrimas pela face, saudaram movidamente o mar, a estrada verde que os devia levar, em rumo facil, aos suaves vergeis da Patria desejada.

Sim, mas os gregos eram de origem pelasgica, filhos do mar, e os sertanejos... vinham das campinas ramilhetadas de montas [na versão de 1927 corrigido para “moutas”, ou seja, “moitas”]; vinham das florestas floridas, vinham dos valles avelludados, longe dos littoraes arenosos onde o mar se espreguiça. Acompanhando, com desconfiança, o movimento das ondas, carregavam o cenho, communicando-se suspeitas, e as moças, em voz sumida, juntando as cabeças em colloquio, diziam pasmadas: “Que mundo d'água, Virgem do Ceu!”

Depois do mar, a cidade formidavel, a cidade devoradora d’homens, com as avenidas largas, margeadas de palacios colossaes, com o mover incessante de uma multidão apressada, com o reboliço vertiginoso dos vehiculos, com a zoeira dos automoveis, com o troar dos pregões, com todo esse confuso movimento que é a vida, desde o passo subtil, despercebido de um mendigo andrajoso que se esgueira, ao longo dos muros, resmungando lamurias, até a estropeada heroica de um regimento com a bandeira desfraldada ao vento, as armas lampejando ao sol e os clarins resoando em notas marciaes.

Pobre gente da tranquillidade ! E a tribu lá foi airadamente a seu destino.

Ao entrar na Exposição, na avenida dos palacios brancos, o pasmo subio de ponto.

Uma das moças, aduncando os dedos, puxou a companheira pelo chale e segredou-lhe:

— Assumpta, Clodina: não parece qu'a gente tá vendo uma cidade encantada como aquellas das história?
— É mêmo.
— Oia bem.
— É tal e qual. Parece qu'eu tou uvindo nhá Nica.
— Quem sabe, Clodina !...
— U quê ?
— Quem sabe se aquelle home que foi buscá a gente lá em riba não é mandado...
— Cruz! Crédo! Mecê não trouxe reza ?
— Eu trouxe os meus breves e uma reliquia da Santa Cruz. Mas agora, Clodina, agora eu acho que elles não servem de nada, porque a gente já sta no poder do diabo, e ocê bem sabe que alma que cahe nu inferno não sahe mais, nem á mão de Deus Padre. E a outra, d’olhos lacrimosos:
— Eu bem não quiria vi. Tanto dinhêro mode cantá e sambá era mêmo p’ra gente discunfiá. E os homens, mudos, arrastando as alpercatas, lá iam cabisbaixos, mazorros, refugindo, com timidez, á curiosidade publica.

Era ao cahir da tarde, uma tarde elegiaca, violacea, quieta, sem o silvo de uma cigarra. Os penhascos pareciam de lapis lazuli e os palacios, ainda mais brancos sobre o fundo escuro das rochas portentosas, alvejavam marmoreos.
Longe, nos estábulos, o gado tino mugia, nostalgico, pondo no silencio enlevado a tristeza bucolica das varzeas, em contraste com o requinte da cidade maravilhosa. A moça estremeceu á voz dos animaes, e logo, relembrando histórias, cochichou á companheira:

— Ocê ouvio, Clodina ? A mode qu’é boi berrando. Não vá sê gente encantada ! 

E os homens, alguns vaqueiros, á plangencia dos touros, reviam as terras de longe e os marroás robustos sahindo dos banhados com um filete de baba a escorrer ao focinho, parando, firmes nos jarretes e mugindo para o céo sereno, como num adeus aos sol.

Era a hora angelical e a tribu poz-se a rezar baixinho, á medida que a noite, lá ao alto, começava a desfiar o seu rosario de estrellas.

Subito uma deflagração ! Collares de lampadas em fogo e a linha dos edificios debruada a luzes. Foi um medo panico indizivel: “Vote ! Misericordia ! T'esconjuro ! Nossa Senhora !”

—Clodina, ocê tá vendo ? Eu não dixe ? É o inferno ! Oia cumo tudo se accendeu d’uma vez e sem phosque [fósforo].

Estacaram deslumbrados. A Cidade Maravilhosa resplandecia como nas lendas. No fundo, na concha do palacio das Industrias, a agua escachoava colorindo-se à refracção das luzes. Surgiram monstros flammineos acaçapados, no relvedo, esguicharam repuchos polychromicos e a misera gente tremia e encommendava-se aos santos, fazendo promessas arduas, arrependida de haver seguido o diabo seductor que a fôra buscar no repouso feliz da sua terra para arrojal-a naquelle inferno.

E, quando appareceu um automovel urrando, com os dois immensos olhos accesos em clarões, a debandada foi tumultuosa e os gritos e os esconjuros atroaram.

Foi em tal estado d’alma que os sertanejos ensaiaram no theatro os cantos e as danças em que são exímios.

Mas que podiam os miseros cantar se lhes faltava a voz ? como dançariam elles se as pernas eram como flexiveis juncos ? O fiasco foi absoluto e o emprezario, corrido, recambiou-os na manhã seguinte, desfazendo no espirito do povo uma formosa illusão poetica. E toda a gente está hoje convencida de que cantos e danças de sertanejos são estopadas ridiculas.

Na Exposição seriam, mas lá no verde sertão, com a lua a luzir no céo e as fogueiras flammejando, emquanto o rio murmura o seu canto dormente e a morena, arrepanhando a saia, labios entreabertos no fervor do samba, sacode, boleia os quadris redondos, e as violas e os machetes fremem e os violões soluçam e os adufes rebatem o rythmo do sapateio, lá é que é ver como os corações se agitam, lá é que é sentir o prestigio do canto, lá é que é comprehender como póde o almiscar estonteante de um corpo de mulher faceira fazer de um caboclo pacifico um assassino cruel e desprestigiar um santo tirando-o da ascese para o frenesi na eira.

Sertanejos é no sertão que são grandes. Pasmados e combalidos que haviam de fazer os pobresinhos ?

Veja-se o peixe espadanando n'água, siga-se o passaro no voo.

Sertanejos, só vistos no sertão, na moldura agreste do seu rancho, cantando e dansando, não como saltimbancos, para serem vistos, mas para gozarem e amarem na liberdade da vida ingenua que lhes proporciona a natureza simples. Demais a mais... com medo...

Almas não são batatas que se exhibam em exposições, a alma só se expande livre e expontaneamente.

24.5.03

CINEMAS CARIOCAS & O RIO NOS FILMES

O Rio de Janeiro está muito bem servido de salas de cinema, que exibem desde os grandes blockbusters em 3-D até filmes “cabeça” alternativos. A programação semanal de cinema, com a relação de todas as salas e filmes, você encontra na revista Rio Show que vem com o jornal O Globo na sexta-feira, na revista Veja Rio que vem junto com a Veja ou no Guia Rio Show online clicando aqui. Eis algumas sugestões de cinemas interessantes.

Cinépolis Lagoon
Conjunto recentemente inaugurado de seis salas de cinema de alta tecnologia, metade equipadas com tecnologia 3-D. Segundo a Rio Show, “já tem gente trocando o Parque dos Patins pelo Cinépolis para namorar”. Fica na Av. Borges de Medeiros, 1424, ao lado do Estádio de Remo da Lagoa (ver mapa).

Estação Botafogo
Inaugurado como um cineclube em 1985, tornou-se referência de cinema de arte, substituindo o antigo Paissandu como templo sagrado dos cinéfilos cariocas. Divide-se em três salas, e diariamente alterna diferentes filmes em cada sala. Fica bem na saída da estação de metrô Botafogo (acesso Voluntários da Pátria) e o telefone é 2226-1988.

Odeon
O “último dos moicanos”, ou melhor, o último cinema sobrevivente na Cinelândia. Aberto em 1932, foi restaurado alguns anos atrás, sem perder suas características originais como a cortina vermelha da tela e o gongo antes da sessão (coisas que os outros cinemas não têm mais). É o cinema oficial do Festival do Rio e sedia ao longo do ano outros festivais, como Anima Mundi e Curta-Cinema. Promove vários eventos como Maratona, Sessão Cineclube, Cachaça Cinema Clube e Miscelânea Odeon. Fica em plena Cinelândia, perto da saída do metrô (Pça. Floriano, 7 — tel. 2240-1093). Deve ser o cinema mais barato da cidade com inteira a R$14,00.

Roxy
O bairro de Copacabana já teve mais de dez salas de cinema (Rian, Bruni, Metro, Ricamar, Caruso, Copacabana, Condor, Art-Palácio, Joia, Cinema I, Cinema II) mas apenas o pequenino Cine Joia (que ficou fechado muitos anos) e o Roxy sobrevivem. Inaugurado em 1934 e tombado pelo município, é um digno representante do estilo art déco em voga naquela época. Em 1991 passou por ampla reforma que, preservando o majestoso hall de entrada com sua escada hollywoodiana de acesso ao balcão e a bonita fachada aerodinâmica, dividiu o cinema em três salas (Roxy 1, 2 e 3) que ganharam sistemas de áudio e vídeo novos e poltronas mais confortáveis. Av. Nossa Senhora de Copacabana, 945 (esquina com Rua Bolívar — perto da estação de metrô Cantagalo).

UCI New York City Center
Megacomplexo de 18 salas de cinema com excelente acústica e qualidade de projeção, sobretudo de filmes 3-D. Fica no New York City Center, o shopping com a Estátua da Liberdade em frente, no moderno bairro da Barra da Tijuca. O New York City Center fica grudado no Barra Shopping (existe uma ligação interna entre os dois shoppings). Para chegar lá compre um bilhete “Barra Expresso”, vá pela Linha 1 do metrô até a estação Siqueira Campos e pegue o ônibus Barra Expresso, saltando na estação Barra Shopping (a viagem leva uns 45 minutos).

Unibanco Arteplex
Conjunto de seis salas exibidoras que surgiu em 2005 no local dos antigos cinemas Scala e Coral. Oferece som THX, poltronas confortáveis, ótimos projetores e exibe um mix de filmes bem diversificados. Fica na Praia de Botafogo, 316, pertinho do Botafogo Praia Shopping (no 400, que também abriga um conjunto de salas de cinema, o Cinemark Botafogo). Tel. 2559-8750. A menos de setecentos metros da estação de metrô Botafogo (acesso São Clemente). (Informações obtidas em Ivo Korytowski, Guia da Cidade Maravilhosa, Editora Ciência Moderna.)


Ver Alguns cinemas num mapa maior

O Rio nos filmes

Desde que Fred Astaire e Ginger Rogers apareceram no filme de 1933 Flying Down to Rio, o mundo se fascinou com o Rio de Janeiro.

O mestre Hitchcock rodou um filme de espionagem no Rio de Janeiro, Notorius (título brasileiro: Interlúdio), contando a história de um agente americano (Cary Grant) que se infiltra num grupo de nazistas alemães que fugiram para o Brasil após a guerra.

Cenas de 007 contra o Foguete da Morte, de 1979, foram filmadas no Pão de Açúcar, incluindo uma luta em pleno teleférico.

Recentemente o brasileiro Carlos Saldanha dirigiu um filme americano de animação computadorizada em 3D que é uma bela homenagem à cidade: Rio. Segundo Saldanha, “em todo processo de sua produção, minha paixão pela cidade serviu de inspiração. Na criação artística do filme, eu imaginei que poderia tomar algumas liberdades criativas, mas também sabia que a essência do Rio de Janeiro precisava ser autêntica. [...] Como resultado, eu acredito que capturamos a verdadeira energia da cidade no filme Rio [...]”.


Entre os filmes nacionais que mostram o Rio estão:

Rio Zona Norte (1957), de Nelson Pereira dos Santos, com Grande Otelo e Jece Valadão.

Orfeu Negro (1959), filme ítalo-franco-brasileiro dirigido por Marcel Camus, baseado na peça teatral Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes.

Esse Rio que Eu Amo (1960), também de Carlos Hugo Christensen, com roteiro de Millôr Fernandes.

Crônica da Cidade Amada (1965) de Carlos Hugo Christensen, com roteiro escrito por um time de craques, incluindo Millôr Fernandes, Manuel Bandeira, e Carlos Drummond de Andrade.

Todas as Mulheres do Mundo (1966), de Domingos de Oliveira, com a saudosa Leila Diniz.

Garota de Ipanema (1967) de Leon Hirszman.

Menino do Rio (1981) de Antônio Calmon.

Redentor (2004) de Cláudio Torres.

(Informações obtidas em Ivo Korytowski, Guia da Cidade Maravilhosa, Editora Ciência Moderna.)