1- COPA DE 1950 (trechos de A HISTÓRIA DA SELEÇÃO BRASILEIRA EM CORDEL do cordelista CLAUDIO ARAGÃO à venda por R$12,00 na LIVRARIA DA TRAVESSA) 
Dois de agosto de 1, 9, 4, 8
 
teve início, afinal, a construção
 
do maior estádio de futebol 
 
o templo da magia e da paixão 
 
Em um ano e dez meses, tempo recorde 
 
todo o Rio já tinha uma visão 
 
da oitava maravilha do mundo 
 
o mais belo postal desta nação 
 
Em dezesseis de junho, afinal 
 
surge o Maracanã, fenomenal! 
 
Cariocas e paulistas fizeram 
 
a chamada partida inaugural 
 
e o primeiro gol, quem assinalou 
 
foi Didi, numa bomba genial 
 
Os paulistas viraram, três a um 
 
todos acharam muito natural 
 
Os paulistas, por muito tempo, vinham 
 
ao Maraca e faziam carnaval 
 
A Copa, em cinquenta, já estava 
 
contagem regressiva começava 
 
Nesse tempo, o Brasil de ponta a ponta 
 
não ficava com o radio desligado 
 
Logo após o massacre da Espanha 
 
o povo não fazia de rogado 
 
e o clima "já ganhou" foi se espalhando 
 
Contam que um delegado entusiasmado 
 
deu bandeiras pros presos e os soltou 
 
depois, no xadrez foi trancafiado 
 
Esse era o clima que predominava 
 
a semente do que nos esperava 
 
Os jornais não cansavam de insuflar 
 
com manchetes pra quebrar o moral 
 
do Uruguai e levantar o Brasil 
 
Pelas ruas, alarido geral 
 
"Hoje é dia de sermos campeões! 
 
Uruguai vai brincar o Carnaval! 
 
Salve o Brasil, o campeão do mundo!" 
 
De todo o território nacional 
 
vinha gente com o mesmo sentimento 
 
Me bateu estranho pressentimento 
 
Uruguai que merecia respeito 
 
a Celeste de glórias mundiais 
 
Obdulio Varela, Schiaffino 
 
Julio Perez e Gigghia, geniais 
 
Pra mexer com os brios uruguaios 
 
e botando no chão, todos pisavam 
 
e o grande capitão pedia mais 
 
que deixassem o sangue no gramado 
 
e só Deus pra dizer o resultado 
 
Enfim, o dia dezesseis de julho 
 
Jogadores em estado de tensão 
 
acordaram irritados de manhã 
 
tinham tudo, menos concentração 
 
Empresários, repórteres, políticos 
 
nesse dia, chamavam a atenção 
 
"Parecia que a Copa já acabara!" 
 
 As palavras do grande capitão
 
Mestre Ziza, de um lado pro outro andava 
 
temendo pelo que se aproximava 
 
Aos catorze e cinquenta e cinco deu-se 
 
o toque inicial dessa partida 
 
Ademir pra Danilo, e esse a Bauer 
 
Duzentas mil pessoas, a torcida 
 
Dum lado, a habilidade do Brasil 
 
do outro, a garra uruguaia conhecida 
 
Zero a zero o primeiro tempo e agora 
 
Logo o segundo tempo começou 
 
e uma grande surpresa preparou 
 
A coruja agourenta da má sorte
 
trinta e quatro minutos nos sorriu 
 
Julio Perez dá combate a Danilo 
 
rouba a bola e velozmente partiu 
 
troca passes com Miguez, toca a Gigghia 
 
devolvendo pra Perez que sentiu 
 
grande espaço no nosso lado esquerdo 
 
com talento, lançou, ninguém cobriu 
 
o Brasil se calou, ele avançou 
 
entre a trave e Barbosa colocou 
 
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| O Maracanã em sua primeira "encarnação" | 
Essa foi a tragédia do Maraca  
 
no Brasil, dizem que não houve igual 
 
morreu gente no Brasil e no Uruguai 
 
ambulâncias na porta do hospital 
 
jogadores chorando, pesadelo 
 
ambiente de um grande funeral 
 
Duzentas mil estátuas presas ao solo 
 
era um quadro dantesco, infernal 
 
Se queimavam jornais, sonhos, bandeiras 
 
cinzas junto a lágrimas brasileiras 
 
o soluço foi tanto que no Olimpo 
 
os deuses acordaram, foram ver 
 
Um menino pegou o pai chorando 
 
junto a um rádio de pilha e quis saber 
 
Ele disse: "Meu filho, vai andando 
 
É que o Brasil acaba de perder 
 
uma Copa em pleno Maracanã!" 
 
Respondeu: "Papai, pare de sofrer 
 
uma Copa, prometo conquistar!" 
 
E sapatos saiu pra engraxar
 
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| O Maracanã em sua primeira "encarnação" (detalhe) | 
2- A TAÇA DO MUNDO É NOSSA de IVO KORYTOWSKI 
 
Não sou nenhum Pelé ou Ronaldinho, mas as Copas do Mundo
fizeram parte também de minha vida.
 
Por exemplo — acredite se quiser — estive na fatídica final
da Copa de 1950, aqui no Maracanã. É bem verdade que, oficialmente, eu sequer
havia nascido (nem se trata de regressão a vida passada), mas minha mãe já
carregava a sementinha no ventre quando foram, ela e meu pai, assistir à
partida. A vitória brasileira, tão certa como o fato de que no dia seguinte o
sol se levantaria. Mas o sol não se levantou! Quantas vezes ouvi meu pai
narrando o silêncio, a desolação de enterro que se abateu sobre aqueles quase
200 mil espectadores: todos saíram do estádio cabisbaixos, depressão coletiva,
ninguém ousando puxar conversa com ninguém. Meu pai me contou.
 
Da Copa de 58 guardo vagas lembranças: todos ao pé do rádio,
vibrando, brado de guerra: “aleguá” (sabe-se lá o que isso significava?). E a
canção:
 
Com brasileiro não há quem possa!
 
Na Copa de 62 o rei se contundiu logo nos primeiros jogos e
a estrela foi “Seu Mané”: assim os locutores esportivos se referiam a Mané
Garrincha, a Alegria do Povo. Alegria de pobre dura pouco.
 
Quatro anos depois, só um cético empedernido duvidaria de
que traríamos o tri. O dia em que Brasil perdeu de Portugal, ainda na primeira fase, de grupos, viu-me em São Paulo, em visita à vovó. Aliás, o apartamento de minha
avó, na Avenida Angélica, dava para o Pacaembu: a gente conseguia ver os jogos.
Pois foi da janela do apartamento de vovó que, certa feita, vi (com auxílio do
binóculo de corridas de cavalo do vovô) Pelé jogando pelo Santos. Teria sido
contra o Vasco? 
 
Com brasileiro não há quem possa!
 
1970. Ditadura militar. Noventa milhões em ação, pra frente
Brasil, salve a seleção! Saldanha quis barrar Pelé da Seleção: acabou barrado
do cargo de técnico (ao resistir à pressão de Médici pela convocação de Dario).
A seleção ia mal das pernas, só mesmo um otimista empedernido acreditava na
possibilidade do tri. Foi a primeira Copa televisionada: a imaginação, que
antes transformara a descrição radiofônica em imagens do jogo, agora
transformaria o preto-e-branco em vistosas cores. A turma se reunia no Castelinho (bar na Vieira Souto em forma de castelo medieval, já
demolido), que instalou uma televisão do lado de fora — acho que foi pioneiro
nesse hábito hoje generalizado de instalar televisões em locais públicos. Eu
andava solitário, sem namorada, na época. Ganhamos o tri! 
 
Com brasileiro não há quem possa!
 
Levamos longos 24 anos pra repetir a proeza. E muita água
rolou sob a ponte: o Brasil se redemocratizou e a Copa de 94 me vê casado, pai
de um encantador menino, bem-sucedido tradutor. Meu grande sonho ainda
irrealizado: o sucesso como escritor. Sozinho: filho e esposa passam as férias
em Minas. Solidão, eterna sina. Meio de porre. O tri de 1970 vem à lembrança:
folheio antigos diários em busca de alguma referência à velha Copa. Encontro
umas filosofias de botequim que escrevinhei naquela ocasião, embalado pela
euforia geral. Euforia que agora se repetia.
 
Com brasileiro não há quem possa!
 
E eis que o pentacampeonato, na Copa de 2002, me vê
descasado, escritor enfim. E solitário como nas Copas anteriores! Eterna sina?
 
Assim terminei esta crônica originalmente escrita em julho de 2002 e que agora retomo. (Da Copa de 2002 lembro ainda que foi disputada do outro lado do mundo, as partidas travadas de madrugada pelo horário daqui, deu pra ver quase nada.)  
Desencalhei, voltei a casar. A Copa de 2006  na Alemanha curti a dois (a Alemanha foi a terra pela qual meus dois avôs, materno e paterno, arriscaram a vida na Grande Guerra para depois serem escorraçados por serem judeus). A Copa de 2010 do outro lado do oceano foi bem animada por aqui, a gente se identificou com os irmãos africanos... Vuvuzela, jabulani...
Em 2014, quando enfim a Copa volta às nossas plagas e temos a chance de nos exibirmos ao mundo e alavancarmos nossa indústria do turismo, nosso velho complexo de vira-lata e uma "Santa Aliança" de black blocs fascistas, ultraesquerda, políticos de passado suspeito, sindicalistas radicais, movimentos sociais de sem isto e sem aquilo afagados pelo desgastado PT e os ranzinzas-chatos-de-galocha-mal-humorados-cricris de sempre tenta gorar tudo, pôr água no nosso chope.  Mas quando a bola começar a rolar, a verdadeira natureza lúdica e alegre e descontraída do brasileiro virá à tona, e vai rolar a festa, vai rolar!
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| Reforma do Maracanã para a Copa de 2014 | 
3- COPA DO MUNDO 50, de CYRO DE MATTOS (texto gentilmente enviado pelo autor para este blog) 
Já vão longe
aqueles idos. Tento tirar da memória alguns momentos daquele mundo
que rolava com a infância na bola. Da fumaça do tempo procuro
encontrar o menino que jogava pelada nos campinhos improvisados dos
terrenos baldios, espalhados pela cidade pequena, com alguns bairros
e poucas ruas calçadas. Às vezes o campinho era improvisado em
algum fundo de quintal ou pastagem de uma roça perto do centro da
cidade. O jogo era disputado debaixo de chuva ou sol escaldante.
Havia o Campinho do
Fole no outro lado do rio. Ali eram jogadas aos domingos, pela manhã,
as partidas mais importantes. O time de garotos da rua de cima contra
o da rua de baixo. No vaivém do jogo não faltavam empurrões,
bate-bocas, xingamentos e algumas brigas intensas. Terminando o jogo,
o banho na correnteza de águas límpidas serenava os ânimos. Uma
amizade feita de relações naturais logo se refazia com mergulhos e
saltos a partir dos barrancos íngremes.
O pai levava-me para
ver os jogos dos times amadores da cidade no Campo da Desportiva. No
início cercado com folhas de zinco, depois murado, o Campo da
Desportiva era uma festa aos domingos. As folhas de zinco que cobriam
a arquibancada zuniam forte quando as rajadas de vento penetravam
entre suas frestas. Dava arrepios, parecia que algumas folhas de
zinco na cobertura da arquibancada podiam se soltar a qualquer
momento e causar danos entre os torcedores.  
Lá, naquele campo
de grama maltratada, o menino viu lances para não esquecer. Os
dribles do meia-esquerda Macaquinho faziam os torcedores sorrir, a
bola ficava grudada no seu pé, ninguém conseguia tomar dele. 
Delicado era um maestro, como sabia tocar a bola com sutileza para o
companheiro. Carrapeta tinha uma visão de jogo que só o craque
possui. Distribuía o jogo com a cabeça erguida, lançava a bola
para o atacante fazer o gol, sem maior esforço.  Mais adiante, na
época da seleção amadora de ouro, conheci o centroavante Zé Reis,
um artilheiro que se o marcador desse uma bobeira sabia marcar sua
presença. Não era jogador técnico, mas longe de ser cabeça de
bagre. Cumpria bem a sua missão de fazer gol. Jogou no Fluminense
local, na seleção de Itabuna e no Leônico de Salvador, onde foi
artilheiro do campeonato por várias temporadas. 

 
E a pior derrota? Em
1950, Brasil contra Uruguai, final do campeonato mundial, no Rio. O
Brasil jogava pelo empate. Um gol fazia balançar o estádio com 200
mil pessoas. Foi de Friaça no início do segundo tempo, lenços
acenavam para os valentes atletas uruguaios. “É campeão! É
campeão!” Todos os brasileiros cantavam o grito de glória numa só
corrente de vasto amor.  Veio o gol de empate dos uruguaios,
Schiafino o autor da proeza. Um calafrio penetrava ossos e nervos do
Maracanã com a lotação máxima. O inexorável iria acontecer aos
34 minutos. O ponteiro Gighia chutava a bola e a grama. Ninguém
acreditava no que se estava vendo,  a bola entrando entre a trave e o
goleiro Barbosa. Lenços já não acenavam. Aquela coisa que só
infundia medo, estupidamente sem tamanho, percorria todo o estádio.
Dominava o ar de milhões de brasileiro. Ninguém podia reverter o
capricho dos deuses. Contava o locutor que, encerrado o jogo, a
procissão de mortos saía do Maracanã, o país em chuteiras, que
pensava e amava pelos pés naquele dia, em caos desencantava-se. 
Na cidade pequena,
eu via as ruas desertas, bares fechados, a praça em silêncio. O
padre não rezou a missa das oito da noite. Daí para frente o canto
amargo da memória iria lamber as chagas daquele menino que ficou
frustrado no cais da vida, esquecido de si, preso ao nada.
Ainda tentei reagir
àquela frustração sem igual com os amigos de minha rua.  Soube na
semana que, em cada domingo, o Cine Itabuna iria projetar na tela as
partidas do Brasil no Campeonato Mundial de Futebol. Meus olhos
ávidos não perderiam um lance em cada partida da nossa seleção.
Hipnotizados acompanhariam cada jogada,  drible, chute contra a meta
adversária. Vibraria com a garotada em cada gol que o Brasil
marcasse. Contra a Suécia e a Espanha tinha sido demais. 
O plano que armei
com os outros meninos para driblar as sombras de um pesadelo que se
alojava em meu pequeno coração era simples. Não assistiríamos
mesmo, na tela do Cine Itabuna, a derrota do Brasil na final contra o
Uruguai.  Em algazarra sairíamos pela rua gritando “É campeão! O
Brasil é campeão!”, batendo com pau nas latas vazias. 
Eu liderava o
desfile, ia  na  frente da turma, segurava  o cartaz com o letreiro
grande: 
BRASIL CAMPEÃO
MUNDIAL DE FUTEBOL 1950. 
  | 
| O novo Maracanã | 
  | 
| Valeu a pena? Tudo vale a pena 
se a alma não é pequena. | 
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