DICAS

29.1.23

UMA TARDE NA CIDADE FANTASMA: REMINISCÊNCIAS DO CENTRO DO RIO DE JANEIRO, de ISRAEL BLAJBERG

Centro
 

Janeiro de 2023. Aos 78, já faz quase 12 anos que deixei de comparecer diuturnamente ao BNDES. Há tempos não tenho ido ao Centro. A pandemia transformou aquele outrora pujante espaço quase que em uma Cidade Fantasma. Pagamentos e pendências diversas de toda a família (sempre sobra para mim...) me fizeram rumar para a região neste começo de ano. As filas são grandes, sendo essas as únicas ocasiões em que vale a pena ser idoso... sou atendido com prioridade, mas alegam que tenho muitas guias, e eles só podem imprimir uma única. Certa vez meu saudoso genitor me mandou comprar uma passagem; voltei com a resposta de que estavam esgotadas. Aprendi então, ainda criança, que essas conversas nada mais são que a senha para informar que sim, poderei ser atendido mediante um certo agrado... então voltei lá no guichê e como por milagre a passagem apareceu. Dessa vez não foi diferente, e ao final entreguei discretamente um papelzinho dobrado, contendo o tal agrado.

 

fotografadas por Augusto Malta

Uma vez cumpridas as missões, meus passos se perdem pelas ruas outrora elegantes da Belle Époque descritas por João do Rio e fotografadas por Augusto Malta. A chuvinha miúda, sem pressa de parar, escorre das nuvens que escurecem a tarde triste. Carioca, Ouvidor, Avenida Central, Uruguaiana, algumas dão até medo de tão vazias, mais parecendo uma Cidade Fantasma, tantas são as lojas fechadas, como se fosse um domingo. Em passado recente chegava a ser difícil esgueirar-se em meio à multidão. Antigas lembranças do tempo em que levado pela mão da saudosa Mamãe, junto com o irmãozinho menor, percorria o Centro pontilhado de lojas tradicionais, como a Perfumaria Kanitz, Casa José Silva, Principe, Clark, Sloper, Mundo dos Brinquedos, Colombo, Casa Cavé, Manon, endereços elegantes dos quais poucos restaram.

antigo prédio de belas linhas neoclássicas no qual estudei


Quase que por instinto caminho em direção ao Largo da Cruz de São Francisco, onde ainda altaneiro se ergue o antigo prédio de belas linhas neoclássicas no qual estudei. Eterna Polytechnica, no meu tempo a saudosa Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, hoje Escola Politécnica da UFRJ, na Cidade Universitária da Ilha do Fundão. Prédio onde Dom Joao VI mandou instalar a Academia Real em 1811. Ainda é a mesma edificação, pouco mudou. Aqui se formaram tantas turmas, entre elas a minha, Turma Povo Brasileiro, de 1968. Alma Mater da Engenharia Nacional, capim e plantas vicejam há anos pelos pisos e paredes. Na tardinha chuvosa do verão quasi-inverno de janeiro, o prédio é o retrato do Centro da Cidade, pouco cuidado, vazio, escuro e triste. Cidade Fantasma. Prédio Fantasma. Anos 60. Que contraste com aquela tarde luminosa, quando no meio da multidão de candidatos localizei meu nome na lista dos aprovados no vestibular, as folhas datilografadas afixadas no quadro de avisos do pátio interno! O prédio cheio de vida, alegria, esperança.”

 

sigo depressa em direção à Central, pegar o trem até Madureira

Passadas tantas décadas, de pé naquele mesmo pátio, cerrando os olhos pensativo, vejo-me garoto, vibrando com a aprovação. Com a agilidade dos meus 18 anos, desço correndo as escadas e sigo depressa em direção à Central, pegar o trem até Madureira e de lá caminhar até o Campinho. Logo chego em casa para dar a boa notícia aos meus saudosos genitores. Não tínhamos telefone, celular nem pensar... Eles me abraçam, emocionados, imigrantes acolhidos aqui nesta terra abençoada, antevendo um futuro melhor para o filho, diferente das agruras na Polônia sofrida e gelada, onde o “numerus clausus” barrava sonhos. Logo desperto das minhas divagações e me entristeço com o prédio coberto por antigas pichações. As instalações resistem, resta saber até quando.

densa linha de cumulusnimbus
 

Mais uma breve caminhada, e já estou adentrando o BNDES, pela Av. Paraguai. De novo vêm as lembranças, no silêncio e solidão do prédio que o trabalho à distância mantém quase vazio. Era um final de tarde em pleno verão. Da minha mesa à janela podia ver ao longe a densa linha de cumulusnimbus e ouvir as trovoadas distantes que prenunciavam o aguaceiro. Logo o dia escureceu, faiscaram os relâmpagos, de repente tudo ficava iluminado. A chuvarada logo passou, o sol voltando e permitindo a visão do casario, das montanhas distantes. Foi uma bênção ter passado tantos anos trabalhando naquela supermesa à beira da janela. E pensar que ainda nos pagavam para estar ali, pensando o progresso do Brasil.

eterna saudade 

Seis décadas já se passaram... Nem todos a quem acompanhei nas fantásticas jornadas politécnicas e benedenses ainda estão aqui neste Vale de Lágrimas. Uns partiram cedo, logo nos primórdios, outros prematuramente, nos deixando a eterna saudade de tempos felizes.

 

Valeu a pena?

 

Como ensinou o piedoso cristão-novo Fernando Pessoa:

 

“Tudo vale a pena... se a alma não é pequena"


Casa Cavé


Um comentário:

  1. Dom Blajberg:

    Mais um excelente artigo de sua lavra!
    Parabéns!

    Receba um abraço amigo do
    Dom Beto

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