DICAS

8.3.16

CASAS (RESIDENCIAIS URBANAS) MAIS ANTIGAS DO RIO

A onda de modernização do Rio pós-proclamação da República – abertura da Av. Central, desmonte do Morro do Castelo, Exposição de 1922 que resultou na destruição do antigo bairro da Misericórdia – fez com que o casario colonial no Centro Histórico fosse totalmente arrasado, embora construções de maior porte, como igrejas, conventos, mosteiros, palácios, fortalezas felizmente fossem preservadas. Mas uma ou outra casa escapou à destruição, algumas acabaram sendo tombadas, outras resistem de teimosas. Alguma são anexos de igrejas, construídos para o pároco ou para alugar, contribuindo para a renda da irmandade. Vejamos quais são as casas residenciais urbanas mais antigas que sobrevivem na cidade

Se olharmos um mapa do Rio Antigo (para ver mapas antigos da cidade clique aqui) veremos que a zona urbana se limitava ao atual Centro, Lapa e Glória. O resto eram arrabaldes (subúrbios) e zona rural. Destarte, nossa procura se limitará a tal perímetro. É bem verdade que, desde o final do século XVIII, existia um núcleo residencial no atual Largo e Beco do Boticário, mas por estar fora da área urbana, não vamos tratar dele aqui. Já o Arco do Teles e a Casa da Glória não incluí nesta postagem por não terem sido estritamente residenciais, a casa sobre o primeiro tendo abrigado o Senado da Câmara e a segunda construída originalmente para abrigar os romeiros vindos de longe. 

Caso alguma casa residencial urbana antiga me tenha escapado, por favor, avise pelo e-mail ivokory@gmail.com. Agradeço a Alexei Bueno, ex-diretor do INEPAC, pelas valiosas informações fornecidas sempre que o consultei e ao Prof. Milton Teixeira pelas informações enviadas logo após a publicação da postagem que permitiram sua ampliação. A consulta ao livro de Nireu Cavalcanti  Rio de Janeiro: Centro Histórico Colonial 1567-2015 mês e meio após a publicação original desta postagem e outras informações fornecidas pelo historiador também permitiram sua ampliação.

Sobrado na Rua Regente Feijó, 74. "Exemplo da arquitetura urbana do Rio de Janeiro na passagem do século XVIII para o século XIX, mantém preservadas as vergas de madeira com arcos abatidos e os beirais de telha canal." (Guia do Patrimônio Cultural Carioca) "Embora a carreira de portas com vergas de gnaisse do térreo seja obviamente posterior às janelas — mas isso é uma adaptação comercial de época também interessante — ela é uma das poucas casas ainda com beiral de telha vã e vergas de madeira (umas de madeira, outras de gnaisse) do Centro. A casa sofreu um pequeno incêndio, mas foi bem restaurada." (Alexei Bueno) Tombado junto com os números 72 e 76 em 2001 pelo INEPAC. 

Casa (à esquerda) na Rua Leandro Martins, 38. "Não posso precisar a época de forma exata, mas morfologicamente é de um colonial puro, até com as vergas das portas e janelas em madeira. Ou é de fins do XVIII ou bem do comecinho do XIX, de qualquer modo antes da Independência. Descobri esse fóssil urbano há muitos anos, e quando fui diretor do INEPAC consegui tombá-la. Não há outra igual em todo o Centro." (Alexei Bueno).

A mesma casa da foto acima com o beiral adulterado por reforma recente, conforme alertou Fábio Cunha em comentário ao final da postagem.

Conjunto arquitetônico na Rua Gonçalves Ledo, 5 a 11. Segundo o Guia da Arquitetura Colonial, Neoclássica e Romântica no Rio de Janeiro, "um raríssimo conjunto preservado de sobrados médios do início do século XIX". Segundo Lúcio Costa, "a construção conserva ainda a estruturação arquitetônica tradicional [...] mas já apresenta tratamento de pormenores [...] de inspiração neoclássica" "Esse conjunto é um tesouro, é do Primeiro Império, escapou por milagre. Vi que finalmente restauraram a casa da esquina com a Luís de Camões, que ficou mais de dez anos com o beiral escorado. Foram os caras da Gentil Carioca que conseguiram isso, para uso próprio. Amém!" (Alexei Bueno) "Esse sobrado de esquina é o protótipo da arquitetura carioca setecentista. Para essa região (o entorno da Rocio Grande, Praça da Constituição e, hoje, Tiradentes) foram estabelecidas regras estéticas, que esse prédio representa bem. No século XIX essas regras foram abolidas e no final do século, a Prefeitura (Intendência) acatou o pedido dos engenheiros e arquitetos para que os projetos não fossem analisados com relação da estética da fachada. A experiência mostra que essa liberdade para os projetistas foi usada de forma perniciosa e para ajudar a especulação imobiliária. Passamos a ter a fachada principal, com alguma arremedo estético e as demais completamente ao sabor do lixo estético." (Nireu Cavalcanti) Tombado pelo IPHAN em 1980.

Casas geminadas do final do séc. XVIII ou início do séc. XIX na Rua do Riachuelo, 354 e 356. No número 354 residiu Francisco Alves, o Rei da Voz. "São originalmente duas casas, embora sem divisão visível, pois eram as famosas casinhas de 'porta e janela', das quais havia inúmeras no Centro. Essas são das últimas preservadas, e o telhado original, que conheci muito bem, era uma beleza." (Alexei Bueno) Tombadas pelo Município em 1987.

Sobrado na Rua Conselheiro Saraiva, 11. " Ele deve ser da época da Regência para trás, provavelmente do Reinado, mas, morfologicamente, é como se fosse do XVIII. As janelas são literalmente iguais às do solar do Visconde de São Lourenço, arruinado arruinado criminosamente na esquina de Inválidos com Riachuelo pela completa incúria do IPHAN e pelo analfabetismo dos nossos governantes. É uma beleza de sobrado, não? Quem me dera ter uma grana para comprá-lo e restaurá-lo!" Alexei Bueno

Casa natal (esquerda) do Barão do Rio Branco, atual Escola de Teatro Martins Pena, do finalzinho do século XVIIIna Rua Vinte de Abril, 14. O Barão nasceu aqui em 20 de abril de 1845, como informa a placa entre os dois portões. Tombada de IPHAN em 1938.

Casa na Praça Tiradentes onde hoje fica a Adega do Pimenta (foto tirada pouco antes da adega se instalar aí). Segundo Alexei Bueno, "ela pode ser de fins do XVIII, ou começos do XIX, é muito difícil precisar. Tem a mesma morfologia da linda casa natal do Barão do Rio Branco, a única casa urbana dessa época que manteve todo o interior. Essa casinha não tem tombamento nenhum, mas deve estar protegida pelo Corredor Cultural." A platibanda sobre o beiral original é um acréscimo tardio.

Casa na Ladeira do Valongo, 21, à esquerda do Jardim Suspenso do Valongo. "O conjunto de edificações da Ladeira do Valongo ainda guarda características das áreas urbanas do Rio de Janeiro em fins do século XVIII. Pelo seu valor paisagístico foi tombado, especialmente a casa de nº 21." (IPHAN)   A casa, da época do mercado de escravos na Rua Camerino embaixo, infelizmente está em mau estado de conservação e descaracterizada, com grades de metal. Para ver no Street View clique aqui. O conjunto das casas da ladeira e jardim suspenso foi tombado pelo IPHAN em 1938. Fotos do editor do blog.

Casa na Ladeira do João Homem, Morro da Conceição, do século XVIII segundo informação do Prof. Milton Teixeira.

Casa remanescente da era colonial na Rua General Caldwell, quase esquina com Rua Moncorvo Filho, como mostra Nireu Cavalcanti em Rio de Janeiro: Centro Histórico Colonial 1567-2015, pág. 132.

Ruínas da antiga Chácara do Livramento, na Ladeira do Livramento, Morro do Livramento. Essa chácara teve como agregada a mãe de Machado de Assis, e o historiador Milton Teixeira acredita que nosso maior escritor teria nascido nesta casa em junho de 1839. Diz Milton: "A certidão de batismo de Machado de Assis conta que ele foi batizado na capela da casa da chácara do Livramento, à qual era ligada diretamente e que foi demolida em c. 1945, estando hoje no local um prédio moderno. O que se pode precisar é que ele foi batizado nessa casa. E isso para mim é o suficiente." Sobre essa casa diz Alexei Bueno: "Esse casarão, apesar de muito adulterado, com uma platibanda tardia estragando o beiral, etc., me parece do final do XVIII. É um exemplar precioso de arquitetura civil desse período, do qual tão pouca coisa sobrou no Rio, excetuando os exemplares rurais. Só por isso, para mim, já merecia ser tombado e restaurado. Esse casarão é realmente bem antigo, e me parece uma construção importante, não é uma coisa popular. Ele foi cortado ao meio, desmembrado, seguramente. Aquele edifício colado a ele está sobre uma área onde a construção continuava, dá para ver no corte do beiral. É bem provável que seja uma parte reminiscente da sede da Chácara do Barroso (que deve ter dado nome à ladeira), que devia ser maior." 

Casa colonial nos fundos da Igreja de Santa Rita

Casa colonial na Travessa do Comércio, nos fundos da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores

Uma curiosidade: A casa mais antiga da cidade antes da destruição do Morro do Castelo, datando de 1578 (mas sofreu reformas posteriores), cujo primeiro morador foi o padre Matheus Nunes, pároco da Igreja de São Sebastião, inaugurada naquele ano. Fonte: Revista da Semana.

9 comentários:

  1. As "bandeiras" das portas e janelas que aparecem na reportagem são espetaculares. Lembra muito aquelas coletadas por Tilde Canti, registradas nas xilogravuras de Marcelo Soares. BANDEIRAS DE PORTAS E JANELAS DO BRASIL do Século XIX. Tiragem limitada a 220 Exemplares numerados e assinados pela autora. 1ª Ed Particular do Autor 1983 Rio de Janeiro. 102 Gravuras 26x34cm 725gr de Marcelo Soares. Textos de Tilde Canti e Maria Cecilia Castro Pinto. Eu dei uma de "auxiliar" e ajudei o Marcelo Soares a imprimir, em prelo manual, esse livro (hoje raríssimo) de Tilde Canti.

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  2. Divina pastagem!
    Infelizmente não se dá o devido valor à estas maravilhas arquitetônicas.

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  3. Divina pastagem!
    Infelizmente não se dá o devido valor à estas maravilhas arquitetônicas.

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  4. Gostaria de dar uma triste noticia: a casa em estilo colonial puro `a Rua Leandro Martins, 38, que provavelmente é do século XVIII está totalmente descaracterizada. Nào está mais como a foto apresentada aqui, infelizmente o morador atual fez uma "reforma" que destruiu as caracteristicas originais do imovel. Acho que é por falta de fiscalização, pq o imóvel não era tombado? Joguem no google maps para constatar. As imagens sao de Dezembro/2015

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  5. Fábio, é verdade, coloquei uma observação sobre isso na postagem.

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  6. As casas do arco do teles me parecem bem antigas, do tempo da colônia.
    http://opiniaoenoticia.com.br/wp-content/uploads/163931-arco-do-teles-old-passage-from-pao-to-ouvidor-street-rio-de-janeiro-brazil.jpg
    http://www.cafeviagem.com/wp-content/uploads/2011/09/Tour-centro-do-rio.jpg

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  7. Diogo, boa lembrança, só que na casa sobre o Arco do Teles funcionou o Senado da Câmara, de 1757 até o incêndio de 1790, ou seja, não era estritamente residencial. Além disso, não existe mais a casa propriamente, apenas sua fachada colada num prédio. Da Praça XV você tem a impressão de que a casa existe, mas numa visão do alto no Google Maps você vê que não é o caso. Esta postagem buscou apenas casas residenciais no perímetro urbano, excluindo palácios, chácaras, casas de fazenda, casas de campo, palacetes, conventos. Numa postagem futura retirarei essas limitações, e aí teremos coisas bem mais antigas!

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  8. O Rio de Janeiro precisa se movimentar com muito afinco em prol da preservação do valioso patrimônio histórico que possui. É necessário que as autoridades fomentem ferramentas para que as pessoas , os empresarios os artistas renomados os desportistas consagrados sintam se incentivadas para adquirirem esses imóveis ao invés de se instalarem em edifícios condominios etc todos iguais e sem nenhuma beleza arquitetonica enquaenquanto isto as maravilhas da arquitetura antiga vão se deteriorando.

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  9. Sensacional seus registros. Obrigada!
    Fico imensamente triste com o descaso das instituições responsáveis.
    Sei q muitos proprietários ñ tem como arcar com as obras. Precisamos cuidar e amar mais nossa maravilhosa cidade.

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