DICAS

24.6.19

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO



O Centro Cultural São Paulo é ao mesmo tempo uma pujante obra de arquitetura e paisagismo & magnífico espaço de convivência e lazer cultural. Com estrutura de concreto e aço, segue à risca três dos cinco princípios da “nova arquitetura” enunciados por Le Corbusier. Primeiro, planta livre, independente da estrutura do prédio, permitindo a livre alocação das paredes. Na prática, significa um espaço interno não compartimentalizado como num prédio convencional. Você tem amplos espaços sem divisórias, permitindo uma circulação quase tão livre como se estivesse ao ar livre. Segundo princípio, fachada livre, igualmente independente da estrutura do prédio, proporcionando abertura máxima. E, terceiro, o “terraço jardim”: belíssimo jardim suspenso – pairando acima das pessoas, da biblioteca, da gibiteca, das exposições, do café, do cinema, do teatro... – com horta e tudo, cercado de prédios por todos os lados como não podia deixar de ser em São Paulo. Um oásis na metrópole, a “praia” do paulistano. A entrada é gratuita e o centro fica colado numa estação de metrô (Vergueiro).

Jardim Suspenso, cercado de prédios por todos os lados

Cinema em Transe

Escada para o Jardim Suspenso

Expressão corporal

Em sua dissertação de mestrado TRÊS CENTROS CULTURAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO, Roberto Cenni conta que “O vale do rio Itororó teve sua ocupação iniciada com fazendas, quilombos, locais de açoites de escravos e pequenas chácaras, sendo posteriormente aberta a avenida 23 de Maio. Na encosta do vale havia casas de grandes quintais, com frente para a rua Vergueiro, em cujo leito subterrâneo foi construído o metrô. Na administração de Miguel Colassuono surgiu o Projeto Vergueiro (julho de 1973), uma tentativa de reurbanização da área resultante das desapropriações efetuadas pela Companhia do Metropolitano de São Paulo para a construção de sua linha norte-sul. Contando com uma área de 300.000 metros quadrados, o terreno apresentava um grande desnível entre a rua Vergueiro e a avenida 23 de Maio e, segundo o projeto da EMURB - Empresa Municipal de Urbanização, ali seriam construídos um complexo de torres de escritórios, hotéis e um shopping-center, sendo o espaço restante destinado à construção de uma gigantesca biblioteca pública municipal e de alguns prédios comerciais.”

Juventude no CCSP

Arquitetura de amplos espaços, sem divisórias

Pichação (artística?)

Eva, escultura de mármore de Victor Brecheret de 1920

Dois anos depois o prefeito Olavo Setúbal substituiu o projeto Vergueiro original por outro, mais voltado para a cultura, que na administração seguinte, de Reinaldo de Barros, foi enfim reformulado em um centro cultural multidisciplinar, “apoiando-se em duas justificativas básicas, a localização privilegiada e as enormes proporções de um edifício que, se destinado apenas à função de biblioteca, teria excessiva capacidade ociosa”. Ainda segundo a tese de Cenni, “O projeto do CCSP, realizado pelo escritório do arquiteto Eurico Prado Lopes e tendo como co-autor Luiz Benedito Castro Telles, resultou num prédio baixo, que explora a imensidão dos espaços longitudinais em seus quatro pavimentos, os quais se adequaram exatamente à forma de talude do terreno que caracteriza a topografia da região. O conjunto massivo de concreto e aço acaba por se assemelhar, de acordo com alguns observadores, a um portentoso porta-aviões.”

Série Guerrilheiras do fotógrafo Marcos Cimardi

Rafael Vilarouca, Sala de Estar

São Paulo ontem e hoje: encontro da Rua José Bonifácio com Rua de São Francisco.

Céu paulistano

Num domingo de outono, ao travar conhecimento com o Centro Cultural São Paulo, o que vejo? Jovens e mais jovens estudando, com cadernos, calculadoras, livros, e uma galera menos jovem jogando xadrez. No jardim, gente civilizadamente lendo, conversando, refletindo, namorando. Após um trimestre (iniciado em 15 de março de 2019) morando em São Paulo, enfim percebi a diferença cultural entre São Paulo e Rio. Onde no Rio você vai encontrar, em pleno domingo ensolarado, uma única pessoa que seja, num local público, estudando? Vamos e venhamos, o carioca é mais chegado a uma praia, um samba, uma cerveja, um som alto. Assim como Roma difere de Milão e Munique difere de Berlim, Sampa, conquanto próximo, difere do Rio. São culturas e formações e histórias bem diferentes. A diversidade brasileira, salve, salve.

Mosaico: arara

14.6.19

DOMINGOU NO IBIRA, de MÁRIO VIANA

CRÔNICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA VEJA SP DE 31 DE AGOSTO DE 2018. FOTOS DO EDITOR DO BLOG.

Começo pedindo desculpas aos fãs da Paulista Aberta — eu, entre eles —, mas a verdadeira cara de São Paulo se mostra todo domingo no Parque Ibirapuera. Vem gente de todo canto, figuras de todo tipo, com a certeza de que serão bem recebidas nas alamedas lotadas de bikes, cães, atletas e preguiçosos.

Não há modelitos a seguir, o à-vontade impera. Lá estamos entre feios e bonitos, gordos e magros, casais gays e crianças barulhentas, gringos e nativos. Tem de tudo, como sempre acontece em São Paulo.

Inaugurados em 1954, os 158 hectares do Parque Ibirapuera parecem insuficientes para receber todo mundo que cruza seus portões aos domingos. Só em 2017, foram 14 milhões de visitantes, um número que seguramente nem passava pela cabeça do então prefeito da cidade, José Pires do Rio, quando, nos anos 1920, ele chegou a ventilar a ideia de criar um espaço nos moldes dos parques europeus na área antigamente ocupada por uma tribo indígena. A ideia afundou nas partes alagadiças da região.

Foi só em 1927 que a coisa começou a pegar. Um funcionário da prefeitura chamado Manequinho Lopes — o que dá nome ao viveiro — passou a plantar eucaliptos na região, para “chupar” a água. Resumindo a ópera: a ideia ressurgiu e, quando a cidade comemorava seu quarto centenário, foi inaugurado o parque que conhecemos hoje.

Tenho certeza de que nenhum dos barulhentos skatistas que se exibem em manobras, às vezes geniais, outras vezes amadoras, sabe dessa história. Os casais de namorados, que embaralham pernas, braços e bocas nos gramados, também não pensam nisso. O que importa para eles é ter um espaço amplo e que possa ser chamado de seu, mesmo que por alguns breves rodopios e amassos.

A cidade respira e desfila no parque. Há quem vá para visitar os ótimos museus — o de Arte Moderna e o Afro Brasil, sempre com mostras atraentes, e o de Arte Contemporânea, que ocupa o antigo prédio do Detran, já fora do Ibira. Aliás, é do terraço dele que se tem uma vista linda do parque, vale a visita. Outros vão paquerar, fazer piquenique ou só bater perna.

Entre cerejeiras em flor e sabiás saltitantes, tudo é bacana e, ao mesmo tempo, caótico no domingão do Ibira. Outro dia — um domingo, claro —, encontrei a amiga Carla Jimenez, sentada extasiada diante do lago. “Como é bom ficar contemplando”, disse ela, que tinha ido a pé da Pompeia até lá. “A gente, às vezes, esquece de curtir a cidade.”

É claro que o domingo no parque não é uma amostra do paraíso. Se fosse, nem seria São Paulo. Tem banheiro cheio, faltam opções de lanche, alguns ciclistas acreditam que estão disputando medalha de ouro numa prova olímpica e de vez em quando dá trabalho convencer o dono daquele bloodhound de que seu pet é enorme e não merecia ser batizado de Pipoca.

O encontro e a convivência de universos tão disparatados é que dão o tom ao domingão. É a “cota de natureza”, que saboreamos antes de voltar à rotina dos ônibus lotados, trânsito lento e contas a pagar. O sabiá que saltitava poucos parágrafos acima continuará cantando em nossa memória por mais alguns dias, até que chegue outro domingo.