ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

18.3.17

CINE ÍRIS: O CINEMA MAIS ANTIGO DO RIO DE JANEIRO

"Das Cine Iris" é uma 111 atrações inusitadas do livro 111 Orten in Rio de Janeiro die man gesehen haben muss (111 lugares no Rio de Janeiro que a gente tem que ter visto) da jornalista alemã Beate C. Kirchner. A autora sugere que se faça a visita entre 9:30 e 10:00, antes de começarem os filmes (e as bolinações?).



O Cinema Iris fotografado por Augusto Malta em 11/12/1921, provavelmente na reinauguração, já que a fachada está toda decorada. Aliás matéria no Jornal do Brasil de 16/12/1921 confirma que a reinauguração ocorreu nesse ano, e não em 1919, como sustenta o site do INEPAC, nem em 1922, como afirmam várias fontes.

O Cinema Iris de manhã cedo, antes de abrir (que foi o horário em que visitei)

O nosso Cinema Íris com a serralheria de suas escadas de Jacó conduzindo a arquibancadas firmamentos abertos sobre os filmes fabulosos de Eddie Polo. (Pedro Nava, Chão de Ferro, p. 69 na edição da José Olympio)

O cinema mais antigo em funcionamento  no Rio (e um dos primeiros cinemas a serem abertos na cidade) é o Cinema Íris, na Rua da Carioca, 49. Quando foi inaugurado, em 30 de outubro de 1909, pelo empresário João Cruz Júnior, chamou-se Cinema Soberano, em homenagem a um famoso cavalo da época. Segundo o site do INEPAC, o cinema era “pequeno, com acomodações para cerca de duzentas pessoas. Dividia-se em 1ª e 2ª classe, separadas por grade de ferro. Tinha espaço para abrigar duas orquestras, uma no interior da sala de projeção e outra na sala de espera, tocando para distrair os frequentadores e prevenir tumulto, em caso de atraso”. Em 1914, foi transformado num teatro de variedades, o Theatro Victoria, “que apresentava tanto companhias famosas quanto seriados, atraindo um público fiel que incluía Rui Barbosa”, também segundo o INEPAC. Em 1921 sofreu uma reforma a cargo de Emílio Baumgarten, que se utilizou do ferro para estruturar o cinema e aumentar sua capacidade para 1.200 lugares. Ganhou um terceiro andar (como mostra a foto de Augusto Malta acima) e a ornamentação art nouveau  que se vê até hoje. Adotou então o nome Cine-Theatro Iris em virtude de um painel dessa deusa, personificação do arco-íris, que ficava na entrada (ver O Globo, 16/10/2009, Segundo Caderno, p.5). 

Anúncio da inauguração do Cinema Soberano no Jornal do Brasil de sábado, 30 de outubro de 1909

Originalmente exibia atrações de palco e de tela. Por exemplo, no jornal O Paiz de 8/8/1924, lemos à pág. 7 (converti o texto à ortografia atualmente vigente, exceto os nomes do cinema e dos artistas):

Continua [sic] sob enorme êxito os novos números de variedades que o Cine Theatro Iris vem apresentando ultimamente no seu espaçoso palco.
Além do inigualável cômico caipira Jeca Tatu, as duetistas Hermanas Iris, a cantora lírica La Rosolen, o Iris apresenta o extraordinário repentista de Chocolat, a rainha da melodia Yvogan e a genial pequena dançarina Elis.
É um conjunto de sete artistas ao todo, apresentando respectivamente doze lindo [sic] e interessantes números, todos muito bem apresentados pelos novos cenários e pela boa música.Não esquecida a parte cinematográfica o Iris ainda oferece uma boa comédia, um belo “film” instrutivo e a magistral obra-prima da Fox “O preço do luxo” de Hope Hampton.
  
Porta para o balcão

Luminária na fachada. Os prédios atrás não existiam quando o cinema foi inaugurado.

Escadas de ferro, em preto e branco, dignas de um filme noir

Por volta dos anos 1950 o cinema começou a exibir filmes de bangue-bangue, depois passou pelo kung-fu, pela pornochanchada e, no final dos anos 1970, optou por filmes pornô franceses, já que não existiam filmes nacionais do gênero, informa Raul Pimenta Neto, bisneto do fundador, na reportagem de O Globo de 16/10/2009 já citada. “Naquele período, a Censura era muito forte e não queria que exibíssemos pornografia. Nós funcionávamos com autorização de uma liminar da Justiça.” (Para ler a matéria completa, que também saiu no Extra, clique aqui.) “Na década de 1990, quando as salas de rua começaram a entrar em crise por causa da pirataria, os cinemas pornôs também sofreram. Nós só conseguimos nos manter melhor por causa dos shows de strip. Era um diferencial que outros não tinham”, explica Pimenta Neto.

Em torno dos anos 1960 o cinema virou ponto de encontro de "bichas", como se dizia na época, assim como o cinema Alaska, na galeria Alaska, Copacabana, depois convertido em templo protestante. Em 1982 a gerência do cinema tentou reverter a tendência, como lemos em O Globo de 4 de maio de 1982. “O Cinema Íris, um dos mais antigos do Rio de Janeiro, vai adotar uma nova política de marketing para mudar a sua imagem. Ponto de encontro de homossexuais, o cinema está, desde ontem, com entradas franqueadas para mulheres. [...] Uma das oito herdeiras do Íris, Nezy Cruz Sampaio, estima que atualmente para cada mulher, entram 150 homens no cinema. Ela pretende adotar, em breve, uma série de medidas em benefício da campanha de moralização do local”, informa a matéria. Parece que a campanha não surtiu efeito.

Saguão visto do balcão 

Azulejos art nouveau pintados a mão

Azulejos art nouveau, painel de madeira de lei e espelho de cristal, luxo digno de uma Colombo

Escada e guarda-corpo de ferro trabalhado

A coluna do Ancelmo Gois de 22/3/2015 conta que o secretário municipal de cultura do Rio, querendo ajudar um jovem cego que estava do seu lado no metrô, ofereceu-se para conduzi-lo ao seu destino, que era a Rua da Carioca, 49. Em lá chegando, “qual não foi a surpresa do secretário ao descobrir que no endereço funciona o rodado Cine-Theatro Íris, onde passam filmes pornôs, esquentados por shows de strip tease ao vivo.”

O cinema foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), em 14/6/1978. Em 30 de outubro de 2009 comemorou seu centenário, ocasião em que filmes mudos foram exibidos com entrada franca e um bolo foi cortado no meio da rua. Nessa ocasião tirei algumas fotos que integram esta postagem. As demais fotos foram tiradas no sábado, 18 de março de 2017, de manhã cedo, antes do início das sessões, por especial gentileza da gerência da casa. Um dos gerentes (o da foto), conversando comigo, disse que se esforça por equilibrar receitas e despesas e, assim, evitar que o cinema se transforme em mais um templo evangélico, destino de tantos cinemas de rua da Cidade Maravilhosa. Amém!

Uma pergunta final: o Cine Íris, além de ser o mais antigo em funcionamento, teria sido o primeiro cinema inaugurado na cidade? A resposta é não. O jornal O Paiz de 10 de dezembro de 1909, ou seja, menos de mês e meio após a inauguração do Cinema Soberano, lista na pág. 4 os seguintes cinemas então em funcionamento. Observe que vários são mais antigos que o Soberano (Íris): 

  • Ciné Radium: Rua do Catete, 96, inaugurado em 2/12/1909.
  • Cinema Carioca: Largo da Carioca, 16. Inaugurado em 10/7/1909 propondo-se a "exibir as fitas cinematográficas no que existe atualmente de mais aperfeiçoado", como vemos na pág. 4 da Gazeta de Notícias daquele dia.
  • Cinema Cattete: Rua do Catete, 279, reaberto em 29/8/1909 conforme anúncio em O Paiz do dia anterior, onde na noite de 11 de setembro de 1909 "manifestou-se um princípio de incêndio na 'cabine', sendo extinto a baldes d'água", como informou O Paiz do dia seguinte. A referência mais antiga a esse cinema que encontrei foi no Correio da Manhã de 7 de março de 1909. Em 17 de dezembro daquele ano O Século publicou na primeira página esses versinhos assinados por Ferrão, na coluna "Vespas": "Ó que tristeza infinita / Que sexta-feira cacete! /Não houve nem uma fita / No cinema do Cattete!"
  • Cinema Ideal: Rua da Carioca, 62, cuja fachada sobrevive até hoje e que foi inaugurado em 2 de outubro de 1909, como informam as Efemérides Cariocas de Neusa Fernandes e Olinio Gomes P. Coelho. O jornal O Paiz do dia seguinte informou na pág. 3 que "mais uma excelente instalação cinematográfica conta a nossa capital, e está num ponto dos mais cômodos, servido por um sem número de bonds".
  • Cinema Odeon: no Palacete Guinle, à Av. Central, esquina Sete de Setembro, portanto diferente do Odeon da Cinelândia. Inaugurado em 16 de agosto de 1909 conforme lemos em O Paiz do dia anterior, "dispondo de aparelhos os mais aperfeiçoados".
  • Cinema Palace: Rua do Ouvidor, 149. Inaugurado em 7/2/1908 "com cadeiras modernas, próprias para cinematógrafos", como informou o Correio da Manhã do dia seguinte à pág. 2.
  • Cinema Soberano: atual Íris.
  • Cinema Sul America: Rua Visc. do Rio Branco, 37. Inaugurado em 26 de setembro de 1909, conforme anúncio no Jornal do Brasil daquele dia, com o seguinte "sumptuoso programma": Cantora de Veneza, Irmãos Gêmeos, Suas Recordações, Sacrifício de um Médico ou Escravo do Dever e Santiago, o Afortunado.
  • Cinema-Theatro: Rua Visc. do Rio Branco, 53. Já funcionava em 10 de abril de 1909 como informa o semanário Rua do Ouvidor daquele dia.
  • Cinematographo Avenida: Antigo Café Frontin, na Av. Central, 155. Em 28/11/1907 já funcionava, como vemos em anúncio na pág. 12 do Jornal do Brasil daquele dia, prometendo "projeções nítidas, espetáculos maravilhosos, verdadeira fábrica de gargalhadas, novidades constantes".
  • Cinematographo Brazil: Praça Tiradentes, 1 - sobrado, que em 28/11/1907 já funcionava, como vemos em anúncio na pág. 12 do Jornal do Brasil daquele dia, prometendo "programa variado" e "seis fitas novas", entre elas A astúcia do marido, Mulher de bigode e A chapeleira feliz.
  • Cinematographo Ouvidor: Rua do Ouvidor, 97, que já existia em 1907 como atesta um anúncio na pág. 12 do Jornal do Brasil de 28 de novembro de 1907; depois de uma reforma reabriu em 4 de abril de 1909 como uma "casa chic", como informou o Correio da Manhã.
  • Cinematographo Paraiso do Rio. Av. Central, 105, esq. Rua do Rosário. Em 12/10/1907 já estava funcionando, com um "maestro regente de orquestra", como informa o Jornal do Brasil daquele dia.
  • Cinematographo Paris: Praça Tiradentes, 38. Em 14/6/1908 já funcionava, como vemos na pág. 8 de A Imprensa daquele dia.
  • Cinematographo Parisiense. Av. Central, 179. Em 17 de agosto de 1907 já anunciava no Jornal do Brasil "SESSÕES DIÁRIAS / Nos dias úteis das 6 da tarde até meia-noite / Nos domingos de 1 1/2 até meia-noite" com "mudança de programa" na terça-feira, o primeiro anúncio que consegui localizar de um estabelecimento funcionando regularmente como cinema, embora exibições esporádicas do "cinematographo" em teatros ou ao ar livre (p.ex., no Passeio Público) já ocorressem desde o início do século. Teria sido portanto o Cinematographo Parisiense o primeiro cinema carioca?  
  • Cinematographo Pathé. Av. Central, 147 e 149, portanto diferente do Pathé que funcionou depois na Cinelândia. Em 28/11/1907 já funcionava, como vemos na pág. 12 do Jornal do Brasil daquele dia.
  • Cinematographo Rio Branco. Rua Visc. do Rio Branco, 40, que já existia em 1907 como atesta um anúncio na pág. 12 do Jornal do Brasil de 28 de novembro de 1907.
 Desde o início do século ocorriam exibições esporádicas do "cinematographo" como esta num concerto no Parque Alcazar anunciado no Jornal do Brasil de 4 de dezembro de 1900 (décima linha), mas parece que só em 1907 surgiram estabelecimentos funcionando regularmente como cinemas (embora apresentassem também "atrações de palco").
Notícia da exibição do filme de Georges Méliès Viagem à lua no Teatro São Pedro, publicada na seção THEATROS do suplemento literário A Estação de 15 de abril de 1903

Mas na lista de O Paiz o Cinema Soberano (Íris) constava como  "o mais elegante do Rio". E embora hoje esteja distante de seu apogeu, conserva um tesouro em azulejos art nouveau, escadarias e grades de ferro, espelhos de cristal, painéis de madeira de lei e pisos de pastilhas, como mostram as fotografias do editor do blog.



O gerente diante de sua sala

Azulejos esmaltados em duas cores comuns no início do séc. XX

Guarda-corpo em serralheria no balcão. Embaixo a Rua da Carioca.

Velhos tempos (foto da inauguração pendurada numa parede do saguão do cinema)

Retrato de um dos fundadores

Luminária e retrato de outro dos fundadores

Azulejo com rosa no centro

Piso de pastilhas

Bombonière e geladeira com bebidas, com o fotógrafo refletido no espelho atrás


ANEXO: QUATRO FOTOS DO CENTENÁRIO DO CINEMA, EM 2009






3 comentários:

Maurício Limeira disse...

Maravilhosa essa matéria. Parabéns.

Abraço,
Maurício

André Luis Mansur disse...

Excelente matéria, Ivo. No meu livro "O Velho Oeste Carioca II" cito os cinemas antigos do que seria a zona oeste carioca, alguns são da época do Soberano. Abração!

Hernesto Franco disse...

Parabéns pela matéria.
Sou Guia de Turismo na Cidade do Rio de janeiro, sempre tive uma paixão pelo espaço do Cine Iris e espero ve-lo melhor aproveitado, não se pode desperdiçar um espaço como este. Acho que uma casa tipo Rio Scenarium II caberia muito bem no espaço.
Excelente pesquisa histórica, Parabéns.